BNDigital

Lorenzo Perosi e o Brasil

< Voltar para Dossiês

Introdução

1980. A visita do Papa João Paulo II, a primeira de um Sumo Pontífice em solo brasileiro, é celebrada em todo o país como acontecimento extraordinário, e a ampla cobertura da imprensa destaca os momentos mais importantes, como a missa campal celebrada no Aterro do Flamengo para a multidão de fiéis em júbilo. O jornalista Carlos Heitor Cony, escrevendo para a Revista Manchete, descreve a celebração como espetáculo superior às encenações de Franco Zeffirelli, e sublinha a emoção de ouvir na liturgia, em pleno Rio de Janeiro, o Gloria da Missa Pontificalis de Lorenzo Perosi, página que lhe inspirava recordações da adolescência e boas lembranças de visitas a Veneza. Era o Gloria de Perosi, tão familiar ao cronista, ainda que a emissora de televisão desse o crédito a Mozart nas legendas da transmissão.

O saudosismo de Cony deixava trair o inevitável: a fama de Perosi e o prestígio de sua música não eram mais os mesmos, um quarto de século após o falecimento do compositor. O ambiente musical do Rio de Janeiro, ou do mundo católico pós-conciliar, tampouco guardava muitas semelhanças com aquele dos anos 1940 ou 1950, e a música sacra de Perosi estava agora restrita aos entusiastas e especialistas do gênero, à espera de um resgate que, ainda hoje, permanece incompleto.

O mestre de Tortona, que serviu a cinco papas e deixou marca indelével em Veneza e Roma, alcançou imensa fama no exterior graças aos seus oratórios e missas, editados pela prestigiosa Casa Ricordi de Milão e exportados para todo o mundo. Com efeito, e já nas primeiras décadas do século XX, a música de Perosi parecia onipresente nas igrejas do Rio de Janeiro, entoada por corais profissionais e amadores, na Catedral como em Realengo, da Matriz de Sant'Ana à Igreja da Penha; e o nome do compositor aparecia com destaque nos programas musicais das festas religiosas, publicados nos jornais para atrair fiéis. Os oratórios, por sua vez, ganhavam espaço nas temporadas líricas do Teatro São Pedro de Alcântara, na capital, e do Santa Isabel do Recife, e chegavam ao público com o endosso de Toscanini e de outras autoridades musicais da época. A ascendência do padre italiano sobre gerações de compositores brasileiros é notória, como veremos a seguir. Alberto Nepomuceno e Henrique Oswald deixaram-se seduzir pelo estilo perosiano, e o velho Villa-Lobos, em diálogo com o poeta Manuel Bandeira em 1958, citava o recém-falecido Perosi como sua maior referência no terreno da música sacra. Para o criador da Missa São Sebastião, que àquela altura dedicava-se a compor o Magnificat-Alleluia, as obras litúrgicas de Perosi eram modelos comparáveis às sinfonias de Beethoven e aos quartetos de Haydn.

O dossiê que encontramos a seguir é a contribuição da Fundação Biblioteca Nacional para o Ano Perosiano, proposto pela Santa Sé para celebrar o sesquicentenário de nascimento do Maestro Perpétuo da Capela Musical Pontifícia. O pianista, regente e pesquisador Thiago Plaça Teixeira, apresenta em sete seções a trajetória biográfica de Perosi, a repercussão de seus êxitos na imprensa brasileira, bem como as notícias de execuções da obra perosiana no Brasil e a influência do compositor na música sacra brasileira da primeira metade do Século XX. Tece, ainda, considerações interessantes sobre o oratório, sua origem e desenvolvimento da Europa renascentista aos tempos de Perosi. O trabalho dos editores permitiu a descoberta de imagens preciosas no amplo acervo da BN Digital, que ilustram o dossiê e apontam para outras fontes a serem exploradas.

Ainda há muito por escrever sobre a música de Perosi no Brasil. Possa o leitor percorrer com agrado as seções deste dossiê, que servirá de estímulo para outras empreitadas que estão por vir.

 

Rio de Janeiro, 29 de novembro de 2022.

 

Fernando Santos Berçot

Centro de Cooperação e Difusão

Fundação Biblioteca Nacional

Parceiros