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A Carapuça: jornal satyrico, para recreio das famílias 73.011-4

por Maria Ione Caser da Costa
A Carapuça: jornal satyrico, para recreio das famílias foi lançado no Rio de Janeiro em 19 de abril de 1857. Era o Rio de Janeiro, a capital do Império no Segundo Reinado. E A Carapuça mais um dos periódicos que circulavam objetivando distrair e entreter a família brasileira, voltando-se principalmente para os interesses das mulheres.

Publicava-se aos domingos e era impresso na Typographia Americana de Soares de Pinho, que estava localizada na rua da Alfandega, nº 210. Local onde também eram recebidos os pedidos de assinaturas.

O valor da assinatura semestral para a Corte era de 4$000, e para as Províncias o valor cobrado era de 5$000. O número avulso era vendido na Corte por 160 rs.

Logo abaixo do título, uma epígrafe em forma de poema: “Para todas as cabeças Eu fui talhada com geito, Muita gente ha de emendar-se Sómente por meu respeito.”

Assinado por O Redactor, e com o título Introdução, o editorial conta um pouco do percurso de criação do periódico, desde a escolha do título. Em um monólogo explicativo, informa aos leitores o caminho que o periódico pretende trilhar.

Deu-me na venêta, amáveis leitores, de escrever um periódico que, por todos os motivos, merecesse a vossa atencção – Difficuldades mil, logo apparecerão, e a fallar a verdade, estive, quasi desanimado, em realisar as minhas pretenções. – Mas por fim, vi que, si tal fizesse, passaria por um covarde que, com qualquer cousa se assusta, e fica com as pernas bambas, deixando, algumas vezes, no vestuário um não sei que extranho, e que não é muito agradável aos narizes – Um dia, eu vos conto, deliberei-me a reduzir o meu projecto a realidade; preparei papel, escolhi a melhor penna, e puz as mólas da minha escaldada e volcanica imaginação em perfeito e completo exercício – Olhei em torno de mim, e, contemplei, atirada no chão, com despreso, a Carapuça que me resguarda a cabeça, quando Morpheu, roça as suas azas cinzentas, sobre as minhas palpebras. – Senti uma certa emoção, que, de nenhum modo, posso explicar, e, passados alguns instantes, corria com a penna, sobre o papel, com a velocidade maior do que a do mais ligeiro dos vapores que sulca a immensidão do vasto occeano – Scismei com a Carapuça, e por consequencia, serviu o seu nome para o titulo do meu pequeno jornal. Era de imperiosa necessidade uma indrodução. Ora, a introdução é para um periódico que, ela primeira vez, vê a luz da imprensa, o mesmo que é um programma político para um ministro novo; é a confissão solene do que o escriptor pretende fazer, e, finalmente, uma espécie de comprimento aos amigos e um beijinho dado, ás occultas, em uma face cor de jambo, é... tanta cousa que eu não posso dizer – Obrigado portanto á esta formalidade, não tive remédio de não sujeirtar-me á ella – Agora, perguntar-me-hão, com justo motivo, o que vem representar no mundo a minha Carapuça? Eu digo, si me quizerem ouvir. – A minha Carapuça foi talhada por as mãos de uma delicada feiticeira, e, assim, gosa de certas propriedades, taes como de corregir abusos, sem que ninguém se offenda com a correcção. É o meu tallisman predilecto, que estimo mais do que a minha própria existência – E creio que muitos hão de querer usar d’ella, para não andar com a calva á amostra – Mas estão bem servidos; si isso acontecesse, por minha desgraça, não me arvorava em rabiscador de gazeta – Nada, nada, a minha Carapuça só me pertencerá e á mais ninguém. – Com o volver do tempo saberão para quanto presta. Aquelle que puser as manguinhas de fóra, hade se ver em calças pardas comigo – A ninguém pouparei, mas por isso não se deve concluir que eu pretenda escrever um periódico político incendiário. – Não; longe de mim tal pensamento – Heide brincar e folgar com os meus leitores, sem que pessoa alguma se queixe de mim. – Sereo franco e verdadeiro, a falsidade e a mentira não adornarão as phrases de meus escriptos – Farei tudo que estiver ao meu alcance para que a carapuça tenha assignantes desde o Brasil até a China, desde o Caucaso até o Corcovado – Com similhante procedimento lucro eu, e lucrão os leitores; e os leitores porque ficão encarapuçados.
Tenho concluído a minha introdução; podem, sem susto, voltar a pagina-


A coleção da Biblioteca Nacional é composta por vinte e dois exemplares. O último foi publicado no dia 25 de outubro de 1857. Com quatro páginas cada fascículo, não apresenta qualquer ilustração. Está diagramado em duas colunas divididas por um fio simples.
Além dos textos em prosa, apresenta também poesias, epigramas, folhetins e as notícias de um modo geral, na maioria das vezes em tom jocoso. Os textos não são assinados, ou, quando o são, é por pseudônimo.

Dentre os vários poemas publicados selecionamos este, publicado no número 12, lançado no dia 19 de julho:

Uma verdade verdadeira

Eu vi uma rigorista
Muito dengosa e faceira,
Cobrindo o rosto e a cabeça
Com um chapéo de parteira;
O qual, e o disforme balão,
Chamárão minha attenção.

Pela transparente renda
Pendente da chapeleira,
Pareceu-me mui formosa
A tal senhora parteira,
E para me desenganar,
A renda fui levantar.

Então foi que conheci,
Deste mundo os desenganos;
A bella que me illudio
Contava mais de cem annos!...
Oh! que fatal decepção
Pregou-me o tal chapelão!

Ella, por ser descoberta,
Ficou convulsa e irada;
Altamente descompôz-me,
E pôz-se em retirada;
E eu todo espavorido
Fiquei de beiço cahido.

Este facto me fez crer,
Que quem traz chapéo parteira,
Ou é feia, ou é velha,
Ou tem cara de caveira:
Os chapelões, com effeito,
Sempre cobrem algum defeito.

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