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O Avança: orgam do Grupo Avança de Santos

por Maria Ione Caser da Costa
O Avança: orgam do Grupo Avança de Santos foi lançado na cidade paulista de Santos, no dia 09 de agosto de 1896, início da era republicana. A Biblioteca Nacional possui apenas este exemplar, e nenhum outro foi encontrado em pesquisas realizadas através da internet.

A consulta ao periódico nos faz entender que o “Grupo Avança de Santos” era composto por pessoas que se intitulavam especialistas na arte de comer bem. Os comumente conhecidos como ‘bons de garfo’, pois todos os textos, propagandas e poemas giram em torno de um bom prato a ser degustado.

No cabeçalho, o título aparece ao alto da página com letras em caixa alta e negritadas em tipo serifado, logo abaixo o subtítulo. A seguir um complemento: “redacção e colaboração de bons copos e melhores dentaduras”. Ao lado esquerdo do título, o desenho estilizado de um prato encimado pelas letras que compõe a palavra “avança”, acompanhado de um garfo e de uma faca cruzados sobre o ele. Adornam ainda o desenho um porquinho e um homem. Assina as iniciais W. K.

Um fio grosso separa o cabeçalho da parte textual da publicação, que se apresenta em quatro páginas. A primeira dividida em quatro colunas as seguintes em três.

Um extenso editorial com o título Na ponta, assinado por Dr. Troça, dialoga com os leitores em nome do Grupo Avança. O texto discorre sobre as vantagens e as peripécias que ‘um bando de garotos’, que se autodenominam “purria”, desfrutam pelas suas andanças nas praias de Santos.

Descosam-se os véos hypocritas das ceremonias convencionaes, - e surja na ponta de uma gargalhada, ao estrepito louco e fervente de ruidosas alegrias, a estrofe vermelha das vinhas para celebrar as virtudes da excelsa D. Pansa e do glorioso grupo qua Avança, através o tedio lúgubre das enfermidades humanas, até o domínio da feijoada. [...]
Aqui Baccho empunha a garrafa do Reserva e ergue, ao toast, a taça para despejal-a com volúpia atroz no regaço seductor de Imperia.
É a epopéa do amor e do vinho. [...]
Somos a avalanche que passa e que nas areias brancas do Itararé vae escrever, ao retintim dos copos, ao estrondear das rolhas, a berros de enthusiasmos, o poema côr de rosa da mocidade, cuja prefação começa por uma frase corriqueira: Vamos a isto, rapades! – e termina por outra que tudo exprime, por ser muito triste: Consumatum est.
Como se vê, não conspiramos, não perturbamos o equilíbrio, não ferimos a ordem, - comemos e bebemos.
Somos, pois, sérios, pacíficos e conspícuos adeptos da Gastronomia.
Atacamos uma coxa de galinha e uma perna de perú com o mesmo fogo com o mesmo ardor com que Napoleão atacou Auterlitz e marchou para Waterlôo.
Isso resume a nossa historia.
Historia cheia de gordura e de vinho, mas sem desmanchamentos selvagens, dissolutos ou absorventes: exteriorizamos a nossa individualidade, deixando á terra o que á terra pertence e enviando ao céo o que do céo nos veio.
A nossa divisa é comer.
O nosso fim divertir-nos.
As nossas armas são o garfo e a faca, o prato e o copo.
Querem coisa mais saudável, mais reconfortante, mais solida?
Esperae pelo futuro e haveis de vêr que o Grupo Avança sahirá uma geração de purrios admiráveis, feitos de pedra e cal, bellos e magníficos.
Senhores, abri passagem ao Grupo Avança, o mais legitimo representante das aspirações desta época.
No osso deste Grupo encontrará a Historia o desenho do perfil gigantesco desta quadra emocional, onde D. Estomago celebra os seus triumphos sobre o caracter.
Urrah! PeloGrupo.
Viva a purria!
Quem não gostar disto que... coma menos.
A ponta da ponta é nossa, com licença do sr. Francisco Cruz.


Este editorial totalmente voltado para a brincadeira e a fanfarrice, assinado por um pseudônimo que não se conseguiu descobrir o verdadeiro nome, termina mencionando o “sr. Francisco Cruz”. Quem teria sido? Por que estaria ele sendo citado? Uma busca rápida na web nos mostrou que após a Proclamação da República em 1889, foi criado em Santos uma junta governativa para dirigir a cidade. O nome de Francisco Cruz é citado como uma pessoa que exercia alguma influência na vida política de Santos, sendo nomeado, em 1891, um dos conselheiros da Intendência. Poderia ter sido este, o mencionado no editorial. Os Conselhos de Intendência era como chamavam as Câmara Municipais (criadas em 1828) que tiveram a obrigatoriedade de governar os municípios no período de transição do Império para a República.

Todos os colaboradores assinam com pseudônimos: Camarão Eletrico, Dr. Pinga, Dr. Pinda Hyba, Dr. Prensa, Dr. Troça, Duque de Loulé, Duque da Praia Grande, General Bombarda e General Palito.
Selecionamos um poema que aparece na primeira página de O Avança e é assinado por Dr. Pinga.

Aos Avanças

Cá está o dr. Pomada,
Esperando os maganões,
Com os competentes recibos
Na entrada dos salões.

O dr. Pinga, mui triste,
Por não poder avançar!...
Não tem graça a feijoada
Se bebida não levar.

Elles pulam de contentes,
A receita já foi dada...
Ó Ginga perdeste o geito!
Ha bebida em quantidade.

Viva o bravo Grupo Avança!
Que um passeio mais vae dar,
Viva mais o dr. Pinga
Que nos veio consolar.

Apesar de muito custo,
Sempre pude convencer,
Estes rapazes torunas
Que ficavam sem beber.

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