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Projeto Resgate Barão do Rio Branco

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Goiás

por Antônio César Caldas Pinheiro**
Projeto Resgate da Documentação Goiana em Portugal*

Em nosso trabalho no Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central (IPEH-BC), da Sociedade Goiana de Cultura, acostumamo-nos a ouvir o nosso diretor, professor José Mendonça Teles, citar a seguinte frase de Gelmires Reis: "O pesquisador é um ajuntador de gravetos para o historiador acender a fogueira." Citando esta frase, o professor Mendonça ressalta a figura do pesquisador que, quase sempre no anonimato de sua paciente função, colige documentos e mais informações que irão subsidiar os historiadores na construção de suas obras. E graças a Deus, o IPEH-BC, nascido do idealismo de dom Antônio Ribeiro de Oliveira e padre José Pereira de Maria e dirigido pelo professor José Mendonça Teles, não só valoriza o trabalho do pesquisador como fomenta a investigação da história e da cultura do homem do Brasil Central, levantando as fontes documentais, cartográficas, iconográficas e bibliográficas concernentes à história da região dos cerrados.

Seguindo esse objetivo, o IPEH-BC tem procurado formar um amplo acervo especializado que venha servir aos interessados na história do Brasil Central. Assim, quando o IPEH-BC foi convidado pela representante do Ministério da Cultura, doutora Esther Caldas Bertoletti, para participar do Projeto Barão do Rio Branco, idealizado como parte das comemorações dos 500 anos da descoberta do Brasil, a Sociedade Goiana de Cultura, mantenedora do IPEH-BC, por meio de seu vice-presidente, padre José Pereira de Maria e do diretor do Instituto, professor José Mendonça Teles, envidou todos os esforços para que Goiás tivesse participação em tão importante acontecimento. Nasceu daí o projeto "Resgate da Documentação da Capitania de Goiás em Portugal", financiado em parte pela Sociedade Goiana de Cultura e em parte pelo Banco de Boston por meio da Lei do Mecenato. Assim, no dia 13 de agosto de 1998, embarcávamos para Lisboa, onde passaríamos quatorze meses lidando diariamente com a farta documentação goiana existente no Arquivo Histórico Ultramarino e, posteriormente, com a documentação do Piauí, a qual foi por nós revista e reorganizada, junto com a colaboração da portuguesa Paula Cristina Pelúcio da Silva Aparício. O primeiro contato que tivemos foi, naturalmente, com a diretora do Arquivo, Dra. Maria Luíza Abrantes de Menezes,1 que nos explicou sobre a pouca infra-estrutura do Arquivo, mas nos deixou à vontade para o trabalho, fazendo com que nos sentíssemos em casa, apresentando-nos aos funcionários e aos outros brasileiros que estavam trabalhando no acervo de seus respectivos Estados.

Instalado em um palacete do século XVII, o qual pertenceu à condessa de Egas, célebre por ter sido amante do invasor francês, general Junot, e por isto, expatriada quando da libertação portuguesa, o arquivo tem bastante espaço para a guarda da enorme massa documental das ex-colônias portuguesas.

Atualmente, procede-se neste arquivo à organização do acervo, visando facilitar a consulta aos pesquisadores. Tão logo fomos colocados em contato com a documentação de Goiás, percebemos que o primeiro trabalho a ser feito era o de dar uma organização cronológica à mesma, pois era nosso objetivo deixar o acervo já com uma primeira ordenação antes da chegada da professora Juciene Ricarte Apolinário, da Universidade do Tocantins, que nos auxiliaria no projeto, e a cuja ajuda prestante, somos muito gratos. Após este trabalho inicial, passamos à leitura minuciosa do acervo, catalogando e fazendo um resumo de todos os documentos, muitos dos quais eram volumosos, contendo até cem laudas, como foi o caso de uma carta-relatório do governador e capitão-general de Goiás, Dom Álvaro José Xavier Botelho de Távo- ra, conde de São Miguel, ao Rei Dom José I.

Para a consecução dos trabalhos, contamos, além do auxílio da professora Juciene, com a ajuda das portuguesas Patrícia Alexandra Ramalho de Almeida e Teresa do Carmo Cação da Silva que foram contratadas pela Sociedade Goiana de Cultura para, durante três meses, auxiliarem no resumo documental e na digitação dos verbetes. As brasileiras Maria Aparecida Lopes Vasconcelos e Érika Simone de Almeida Carlos auxiliaram na revisão dos documentos catalogados pela professora Juciene.

Com vista a uma catalogação científica dos documentos, de acordo com as normas arquivísticas, contamos com a assistência da arquivologista Heloísa Liberalli Bellotto, da USP, a qual nos premiou com um excelente curso de introdução à arquivística, o que muito nos valeu durante nosso trabalho. A assistência diária do doutor José Sintra Martinheira, responsável pela documentação do AHU, e da historiadora Isabel Amado, foi valiosa; colocaram-se sempre à nossa disposição, auxiliando-nos nas dúvidas que se apresentavam, principalmente no tocante à descrição das tipologias documentais, necessária à classificação e inventariação do acervo.

Assim, levando-se em conta que "a natureza das diferentes tipologias está relacionada com a autoridade de quem emana a providência, da sua participação para cumprimento, da pessoa que a faz cumprir, e a quem compete executar",2 relacionamos abaixo as principais tipologias encontradas no acervo de Goiás, bem como as autoridades das quais emanaram:

Rei - Carta de Lei, Lei, Carta, Portaria, Alvará, Provisão, Carta Régia, Decreto, Resolução, Carta Patente, Carta de Sesmaria; Secretário de Estado - Provisão, Aviso, Portaria e Ofício; Tribunal do Conselho Ultramarino - Provisão, Consulta, Portaria, Despacho e Ofício;

Oficiais do Reino - Certidão, Ofício;

Governador e capitão-general - Carta, Ofício, Provisão, Carta Patente, Carta de Sesmaria, Instrução;

Secretário do Governo, Desembargador, Intendente do Ouro, Provedor - Carta, Ofício;

Oficiais da Câmara - Carta, Ofício;

Demais oficiais da capitania - Certidão e Ofício;

Funcionários da administração e a população em geral - Requerimentos.

Na ordenação do acervo, a dificuldade maior que encontramos esteve relacionada à remontagem de muitos processos que se encontravam desarranjados ou à junção de vários documentos que originalmente eram apensos a um documento principal. Pacientemente reagrupamos as centenas de documentos que tinham sido, por incúria dos pesquisadores ou por descaso dos funcionários, destacados de seus respectivos processos. Ainda perdíamos, porém raramente, algumas horas tentando decifrar a algaravia de algum funcionário da administração portuguesa, principalmente do conselheiro do Conselho Ultramarino, Manoel Caetano Lopes de Lavre, que também exercia terror entre os brasileiros de outros Estados e até mesmo ao mais experiente paleógrafo do Arquivo Ultramarino. Tivemos de nos valer de um verdadeiro espírito de Champollion para desvendarmos a péssima letra do conselheiro. Mas o saldo final de nosso trabalho no Arquivo Ultramarino foi a catalogação de 2.950 documentos (eram mais de 4.000 antes da junção dos apensos aos documentos principais), com as datas extremas de 1731 a 1822, acondicionados em 56 caixas-arquivo, os quais microfilmados estarão em breve no IPEH-BC à disposição dos interessados, sendo que também serão microfilmados todos os códices, cartografia e iconografia do AHU, muitos ainda inéditos, relativos à capitania de Goiás.

Durante a estada em Portugal, não poupamos esforços em conhecer e pesquisar em outros arquivos de Lisboa e do interior, onde farta documentação se encontra à espera de pesquisadores goianos. Visitamos, além dos Arquivos Distritais do Porto, de Braga, Viana do Castelo, Guimarães, Évora, Faro e Bragança, os arquivos da Torre do Tombo, da Sociedade de Geografia, do Tribunal de Contas, da Biblioteca Nacional e do Palácio da Ajuda, todos em Lisboa, e o Arquivo da Universidade de Coimbra, tendo encontrado neste último, na Torre do Tombo, no Palácio da Ajuda e em Évora, um rico acervo documental de interesse para Goiás. Nos outros arquivos citados, o interesse está no acervo formado pela grande coleção t de livros de batismos, óbitos, casamentos e testamentos que são documentos preciosos para os pesquisadores interessados nas origens das famílias goianas. É uma documentação que merece ser microfilmada e trazida para Goiás, devido ao seu ineditismo e valor histórico.

No tocante à nossa atuação no Arquivo Histórico Ultramarino, demos o melhor de nós e ficamos lisongeados com a apreciação da coordenadora do projeto, Doutora Esther Caldas Bertoletti, em carta enviada ao professor Mendonça: "Creio que não é preciso dizer do empenho, dedicação e competência do Antônio. Na realidade tem sido um exemplo para todos os brasileiros e referência permanente no Projeto Resgate."

Cremos, sem dúvida, na importância do trabalho que realizamos, pois doravante toda a documentação trocada entre os governadores e mais funcionários da capitania de Goiás com a metrópole portuguesa, encontra-se à disposição dos pesquisadores e historiadores, que não mais precisam se dirigir a Lisboa, o que nem sempre é acessível aos interessados na história de Goiás. E assim supera-se, em parte, um dos grandes obstáculos para a constituição de um memorial da história documental, iconográfica e cartográfica do Brasil Central, que é a dispersão das fontes. Os documentos de Goiás, custodiados pelo Arquivo Histórico Ultramarino em Lisboa, encontram-se microfilmados no Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central e à disposição de pesquisadores, historiadores e do público em geral, interessados na história do Brasil Central. Agora é a vez dos institutos científicos de Goiás, Tocantins e Distrito Federal arregaçarem as mangas e produzirem documentadas monografias, dissertações e teses, acendendo a fogueira do conhecimento sobre a história da ocupação do Brasil Central, o coração formoso de nossa Pátria.

Notas

* Levantamento da documentação da Capitania de Goiás existente no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, de 14 de agosto de 1998 a 19 de outubro de 1999, como parte do Projeto Resgate da Documentação Histórica "Barão do Rio Branco" desenvolvido pelo Ministério da Cultura do Governo do Brasil, com apoio do Ministério das Relações Exteriores.

** Sócio Correspondente do IHGG. Técnico em documentação do Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central/Sociedade Goiana de Cultura.

1 Da mesma família dos Cunha Menezes que foram governadores de Goiás no século XVIII.

2 MARTINHEIRA, José Sintra.

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