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No exílio, o amor à Pátria distante

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No exílio, o amor à Pátria distante

O golpe republicano de 1889 não apenas impediu que a Princesa desenvolvesse seu projeto de resgate da dívida histórica contraída pelo Brasil em relação aos ex-escravos e seus descendentes; ele também teve como efeito o exílio da Família Imperial. A imperatriz D. Teresa Cristina, com a saúde profundamente abalada, faleceu em Portugal, apenas 6 semanas depois do golpe. O Imperador, de formação estoica, procurou resistir ao exílio e à viuvez, consagrando-se com dedicação integral ao que mais gostava de fazer: ler, estudar e visitar sábios e academias científicas. Sem recursos econômicos e sobrevivendo graças a empréstimos e subvenções de amigos, faleceu em modesto hotel de Paris, dois anos depois. Quanto à Princesa, viveu 32 anos no exílio, de início com extrema parcimônia. Mais tarde, graças à venda de alguns imóveis que a República brasileira não confiscara, e graças a uma herança recebida pelo Conde d ́Eu, pôde viver sem luxo, mas com relativa tranquilidade econômica. Isso lhe permitiu retomar as atividades caritativas com as quais, por temperamento e formação, sentia tanta afinidade. E, também, desenvolveu, ainda mais do que no Brasil, intensa vida de piedade cristã.

Sempre acolhia no Castelo d ́Eu, onde passava parte do ano, ou na sua residência parisiense de Boulogne-sur-Seine, visitantes do Brasil que, em grande número, a procuravam. Não apenas monarquistas e membros da antiga nobreza do Império a visitavam, mas brasileiros de todas as colorações políticas e das mais variadas condições sociais que, por alguma razão, viajavam para a França, a todos acolhia. De alguma forma, mitigava, na conversa com seus compatriotas, as saudades da pátria distante. Do Brasil recebia volumosa correspondência que, apesar de uma nevralgia no punho, que tornava doloroso o ato de escrever, sempre respondia.

Mantendo a linha adotada por seu pai depois de 1889, nunca apoiou uma restauração imperial por meios violentos. Em bilhete dirigido ao Conselheiro João Alfredo, deixou clara sua posição a esse respeito: "Meu pai, com seu prestígio, teria provavelmente recusado a guerra civil como um meio de retornar à pátria... lamento tudo quanto possa armar irmãos contra irmãos... É assim que tudo se perde e que nós nos perdemos. O senhor conhece meus sentimentos de católica e brasileira."

Alguns aspectos da vida da Princesa Isabel no exílio foram recordados por seu bisneto D. Luiz de Orleans e Bragança, em carta que dirigiu em 7 de setembro de 1987, na condição de Chefe da Casa Imperial do Brasil, aos Deputados e Senadores reunidos em Assembleia Nacional Constituinte:

“Minha bisavó, a Princesa Isabel, jamais incentivou nem autorizou qualquer tentativa de restauração monárquica por meios violentos. Sendo de piedade notória, ela continuou concorrendo com o valor de suas preces para que nosso Pais prosseguisse nas vias gloriosas da Civilização Cristã, rumo à peculiar grandeza — também cristã — que ela sabia ser o destino especifico de nossa Pátria. Por outro lado, interpôs ela toda a sua influência junto aos meios eclesiásticos da França, onde vivia com seu esposo o Conde d'Eu, para que no célebre santuário do Sagrado Coração de Jesus, erguido em Paray-le-Monial, centro de convergência da piedade dos católicos de todo o mundo, estivesse presente o Brasil, por uma placa impetratória que ficou aposta a um dos muros desse lugar sagrado. Igualmente foi por iniciativa dela, e por seu intermédio, que o Episcopado brasileiro enviou, em 1901, uma súplica ao Papa Leão XIII, pedindo a proclamação do dogma da Assunção de Maria Santíssima. Encaminhando ao Pontífice a mensagem dos Bispos do Brasil, escrevia minha bisavó: "Longe de minha Pátria, sinto-me feliz ao menos por trabalhar pelo que nela pode fortificar a Fé" (carta de 6-6-1901). Dessa forma, o Brasil juntava sua voz ao clamor universal dos fiéis, para que mais um titulo de glória da Santa Mãe de Deus fosse solenemente proclamado pela Igreja. Quase meio século depois, a 1.o de novembro de 1950, Pio XII houve por bem definir, como dogma de Fé, a Assunção corpórea de Maria aos céus.

“Generosa e caritativa que era, a Princesa Isabel destinava parte de seus apenas suficientes recursos ao socorro dos pobres e doentes. Os pedidos que lhe chegavam do Brasil, muito numerosos, eram preferencialmente atendidos, com discrição e solicitude. Enquanto esses fatos transcorriam, a Princesa Isabel ocupava o pouco que lhe restava viver, pensando com saudades no Brasil, e mantendo larga correspondência com pessoas de sua amizade que ela deixara aqui ao ser exilada. Seus salões estavam sempre abertos para os inúmeros brasileiros que a procuravam em suas residências de Boulogne-sur-Seine e do Castelo d'Eu.

“Muito relacionado com a Família Imperial no exílio foi, por exemplo, Santos Dumont, o Pai da Aviação. Sentia-se minha bisavó ufana por ver um brasileiro vencer o desafio da navegação aérea. E estendia a ele o sentimento maternal que tinha por todos os brasileiros: preocupava-se pelo inventor, rezava fervorosamente por ele quando de seus arriscados voos nos céus de Paris, e tinha especial gosto em lhe mandar saborosos farnéis, para que se alimentasse, no parque de Bagatelle, sem precisar interromper os treinamentos.”

Em 1914, rebentou a Primeira Guerra Mundial, que afetaria profundamente a vida da Princesa. Dois de seus filhos – D. Luiz e D. Antonio – desde logo se engajaram como voluntários no exército britânico. Ambos morreriam em consequência da Guerra. D. Luiz, que pela renúncia do irmão mais velho se tornara Príncipe Imperial e herdeiro dinástico imediato da Princesa, lutou durante alguns meses, mas contraiu no inverno gelado de 1914-1915 um gravíssimo reumatismo ósseo, que o tornou semiparalítico. Depois de 5 anos de penosos sofrimentos, faleceu em 1920, com apenas 42 anos de idade. Foi condecorado post mortem por seu valor e se tornou conhecido como “o Príncipe Perfeito”.

O filho mais novo da Princesa, D. Antônio, lutou com grande heroísmo durante toda a Guerra. Poucos dias depois de concluída esta, ainda mobilizado, sofreu acidente em seu avião militar, que caiu no sul da Inglaterra. Morreu dois dias depois, em decorrência dos ferimentos recebidos. Essas duas mortes abalaram muito a saúde da Princesa. Em 1920, o Presidente Epitácio Pessoa revogou o decreto de banimento da Família Imperial, que havia sido decretado pelo Governo Provisório de Deodoro da Fonseca. As condições de saúde da Princesa não lhe permitiram realizar o desejo que acalentara durante três décadas: não pôde em vida retornar ao Brasil. Faleceu no Castelo d ́Eu, no dia 14 de novembro de 1921, aos 75 anos de idade. Uma carta do Conde d ́Eu, dirigida a D. Amanda Paranaguá Dória, Baronesa de Loreto, amiga de infância da Princesa, relata seu fim de vida:

“Castelo d ́Eu, 19 de novembro de 1921
Dia de Santa Isabel de Hungria, que era o dia dela!
Senhora Dona Amanda,
Estas são as primeiras linhas que escrevo para o Brasil depois do terrível golpe; e nem estou em estado de dar-lhe, como desejaria, pormenores. Não quero, porém, deixar de enviar-lhe já as inclusas fotografias que ela lhe destinava (...), assinando-as na manhã do mesmo dia em que se declarou a febre que o médico logo atribuiu a embaraço pulmonar, e nem mesmo talvez três horas antes! O mal, embora com altos e baixos, não cessou mais durante os dias seguintes (nos quais se confessou longamente e recebeu a Sagrada Comunhão) até que no 5o dia, dia 14, pelas 9h1/2 da manhã perdeu repentinamente os sentidos e não durou nem meia hora, chegando, contudo, o Pároco a tempo de aplicar a Extrema-Unção, todos nós de joelhos em roda, à exceção das crianças, que só mais tarde foram chamadas para dar o beijo de despedida à querida Vovó! Calcule a desolação em que ficamos e amerceie-se da desgraça deste amigo velho de todos os seus.
a) Gastão d ́Orleans”

A notícia da morte da Princesa repercutiu em todo o Brasil, que jamais a esquecera e até a transformara em personagem legendária. A Redentora que sacrificara seu trono para libertar os escravos e que até morrer sempre dizia ”mil tronos tivesse eu, mil tronos sacrificaria de bom grado para que não mais houvesse escravos no Brasil” estava, agora, na posse de um trono no Paraíso. Uma velha canção infantil que ainda hoje se canta em certas regiões do Brasil exprimiu esse sentimento popular:

“Princesa Dona Isabel,
Mamãe disse que a Senhora
Perdeu seu trono na terra,
Mas tem um mais lindo agora.
No céu está esse trono
Que agora a Senhora tem,
Que além de ser mais bonito
Ninguém lho tira, ninguém”.

Somente em 1953 os corpos da Princesa Isabel e do Conde d’Eu foram transladados para o Brasil; desde 1971 repousam na Catedral de Petrópolis, onde também se conservam os restos mortais do Imperador D. Pedro II e da Imperatriz D. Teresa Cristina. Especialmente no dia 13 de maio de cada ano, é muito grande o afluxo de visitantes que comparecem ao local, para venerar sua memória. No momento, estão sendo dados, no âmbito da Arquidiocese do Rio de Janeiro, os passos preliminares para a futura abertura do processo de beatificação da Princesa Isabel (1846-1921), Princesa Imperial e herdeira do trono do Brasil.