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Opiniões de Autores

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Opiniões de Autores


(...) Recebi os livros de Lobato. Preciso saber o endereço dele para lhe agradecer diretamente. Ele é muito engraçado, escrevendo. Mas aqueles seus personagens são tudo quanto há de mais malcriado e detestável no território da infância. De modo que eu penso que os seus livros podem divertir (tenho reparado que divertem mais os adultos que as crianças) mas acho que deseducam muito. É uma pena. (...) Por nenhuma fortuna do mundo eu assinaria um livro como os do Lobato, embora não deixe de os achar interessantes.

MEIRELES, Cecília. Carta a Fernando de Azevedo, 9/11/1932.
In: LAMEGO, V., A Farpa na lira, 1996.



Tive várias vidas. Em outra de minhas vidas, o meu livro sagrado foi emprestado porque era muito caro. Reinações de Narizinho. Já contei o sacrifício de humilhações e perseveranças pelo qual passei, pois, já pronta para ler Monteiro Lobato, o livro grosso pertencia a uma menina cujo pai tinha uma livraria. A menina gorda e muito sardenta se vingara tornando-se sádica e, ao descobrir o que valeria para mim ler aquele livro, fez um jogo de “amanhã venha em casa que eu empresto”. Quando eu ia, com o coração literalmente batendo de alegria, ela me dizia: “Hoje não posso emprestar, venha amanhã.” Depois de cerca de um mês de venha amanhã, o que eu, embora altiva que era, recebia com humildade para que a menina não me cortasse de vez a esperança, a mãe daquele primeiro monstrinho de minha vida notou o que se passava e, um pouco horrorizada com a própria filha, deu-lhe ordens para que naquele mesmo momento me fosse emprestado o livro. Não o li de uma vez; li aos poucos, algumas páginas de cada vez para não gastar. Acho que foi o livro que me deu mais alegrias naquela vida.

LISPECTOR, Clarice. O primeiro livro de cada uma das minhas vidas. [Crônica].
Jornal do Brasil, 24 de fevereiro de 1973.