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Acervo da BN | Dois jornais petropolitanos

06 abr 2021

Artigo arquivado em Acervo da BN
e marcado com as tags 1902, Imprensa Petropolitana, Petrópolis, Secult

Subir a serra fluminense: eis um programa típico para o carioca que quer fugir do calor, do carnaval ou mesmo da intensa movimentação turística do veraneio. Petrópolis, cidade assim nomeada por ser tão querida por Dom Pedro II, que hoje abriga o Museu Imperial, instituição irmã da Biblioteca Nacional, certamente está na linha de frente das atrações serranas: é um prato cheio para curiosos quanto a costumes da realeza oitocentista. Nós, ratos de biblioteca desta que é a oitava maior do mundo, gostamos muito de calçar as devidas pantufas e enveredar pelos antigos cômodos da residência real; no entanto, nosso negócio, mesmo, é acervo. Petrópolis sempre teve rica imprensa – tanto de diários do cotidiano, voltados a efemérides, quanto de revistas ilustradas. Muitas vezes, seu jornalismo esteve atrelado a desdobramentos da política nacional, próximo que era, geograficamente, da capital brasileira tanto em tempos monárquicos quanto durante a República Velha. Por isso, separamos hoje para a apreciação do leitor dois simpáticos jornais petropolitanos: Cidade de Petrópolis e O Povo, ambos de 1902.

Propriedade de Gabriel Maia, seu redator principal, Cidade de Petrópolis foi um bissemanário que circulou em Petrópolis (RJ) no início do século XX. Ao preço inicial de 200 réis o exemplar (num segundo momento baixou para 100 réis), circulando às quartas-feiras e aos domingos, foi lançado em 7 de maio de 1902, mas, aparentemente, não teve vida longa: sua 24ª edição, de 30 de julho de 1902, foi a última consultada nesta pesquisa. Medindo 49 x 32,5 cm, diagramado em cinco colunas e com quatro páginas por edição, sua impressão era feita na Typographia Moraes, no nº 178 da Rua do Hospício, no Rio de Janeiro. Sabe-se que Arthur José Coelho fazia parte da administração de Cidade de Petrópolis, passando logo em seguida a ser o gerente do também bissemanário petropolitano O Povo, lançado em 27 de julho de 1902 – falaremos dele mais um pouco, logo mais.

Em sua edição inaugural, Cidade de Petrópolis se apresentava da seguinte forma, em editorial assinado por Gabriel Maia:

Petropolis, esta bella cidade montezina, encanto e graça de todos os que têm bom gosto, estava há muito precisando de uma imprensa livre e independente que viesse sem rebuços se bater pelo interesse do povo, pelo seu próprio interesse, dizendo francamente aquelles que lhe cauzam males e prejuízos o caminho por onde devem seguir abandonando o trilho errado que os leva ao desatino e ao erro. (...) Mais do que tudo, entretanto, este jornal representa um defensor constante do direito do Povo, por quem se baterá sempre, exigindo das autoridades estaduaes e municipaes o exacto cumprimento da Lei. Elle quer que a justiça não seja um mytho e que a Liberdade, a Egualdade e Fraternidade promettidas pela Democracia sejam uma validade neste lindo torrão da pátria brasileira.


Trazendo notícias, artigos de opinião e notas informativas, Cidade de Petrópolis foi, de qualquer maneira, um jornal de variedades e efemérides, de foco prioritariamente local – mas, em suas páginas, volta e meia, a exemplo do que foi escrito no editorial acima, questões de vulto nacional ganhavam proporção. Em sua defesa dos interesses petropolitanos, o jornal de Gabriel Maia era crítico ao governo provincial do general Quintino Bocaiúva, destacando sobremaneira a crise que então assolava o funcionalismo público fluminense – embora nem sempre culpasse o presidente da província pela situação. Em paralelo, o Partido Republicano Fluminense, tratado como “corypheu da monarchia”, era duramente atacado em suas páginas (ver edição nº 22, de 23 de julho de 1902). Outro tema de interesse local foi recorrente nas páginas de Cidade de Petrópolis ao longo de sua publicação, de maio a julho de 1902: a mudança da capital fluminense de Petrópolis para Niterói, em posicionamento onde se lamentava a perda de status da cidade serrana, capital do Rio de Janeiro de 1894 a 1902.

O bissemanário também discutia política em âmbito nacional e internacional, economia, política e finanças de outras cidades do Rio de Janeiro, espiritismo, entre outras coisas. No campo literário, publicava folhetim, prosa e alguma poesia, de Cândido M. de Oliveira, Coelho Brandão e do peruano José Santos Chocano. Em geral, Cidade de Petrópolis vinha com despachos de instituições petropolitanas, cobrança por melhoramentos na infraestrutura geral da cidade, comércio e lavoura na região serrana fluminense, novidades da alta sociedade e da vida religiosa locais, natalícios e obituários, acidentes e assuntos de polícia, declarações “a pedidos”, questões de ordem jurídica, saúde e instrução públicas, serviços e indicadores válidos para Petrópolis, críticas e troças, entretenimento e vida cultural local, informes de utilidade pública, publicidade, editais, cartas de leitores e seção livre, etc. Nesse sentido, cabe lembrar, o jornal chegou a polemizar com a Gazeta de Petrópolis, de Martinho de Moraes.

E quanto ao jornal O Povo? Propriedade da firma Souza & Cia., este foi, também, um bissemanário petropolitano. Ao preço de 100 réis o exemplar, com assinaturas semestrais e anuais respectivamente a 5 mil e 9 mil réis, foi lançado em 27 de julho de 1902, pouco depois da Cidade de Petrópolis. Só se sabe que circulou, ao menos, até sua 21ª edição, de 5 de outubro do mesmo ano. Com sede instalada primeiro no nº 109 (depois no nº 114) da Avenida 15 de Novembro, o jornal tinha Cavalleiro Lago como redator secretário e Arthur José Coelho como gerente, este egresso do jornal Cidade de Petrópolis. A impressão de O Povo era feita na tipografia de Jerônimo Silva, no nº 85 da Av. 15 de Novembro.

Em sua edição inaugural, O Povo se apresentava da seguinte forma, humilde, mas um tanto aguerrido:

O nosso modesto jornal, como o seu nome indica, pretende consagrar-se inteiramente aos interesses do povo petropolitano, que encontrará nelle um extremoso defensor dos seus direitos, para o que dá franco agasalho em suas columnas a todas as queixas e reclamos do povo, sempre que se sentir ferido ou prejudicado pelos potentados que, tendo uma pequena parcela de auctoridade, julgam-se com o direito de abusar, opprimindo os fracos. (...) Tratando dos interesses do Municipio, não descuidaremos, os do nosso Estado, ao qual amamos de todo o coração, principalmente por atravessar neste momento a mais tremenda crise de que há memoria, em consequencia da imprevidencia dos governos que jamais cogitaram dos meios de enfrental-a, apezar de vir se desenhando há muito no horizonte carregado desta terra, bem digna de melhor sorte.


Diagramadas em cinco colunas, cada edição de O Povo vinha com quatro páginas, sendo normalmente as duas primeiras as do noticiário geral e as duas últimas de publicidade, editais, cartas de leitores e seção livre. Inicialmente o jornal era publicado às quartas-feiras e aos domingos, mas, a partir de sua 5ª edição, de 10 de agosto de 1902, passou a sair às quintas e aos domingos.

O Povo foi, afinal, um jornal de variedades e efemérides, bem como a Cidade de Petrópolis. Tratava de questões locais variadas, com despachos de instituições petropolitanas, cobrança por melhoramentos na infraestrutura geral da cidade, comércio e lavoura na região serrana fluminense, novidades da alta sociedade local, natalícios e obituários, acidentes e assuntos de polícia, declarações “à praça”, serviços e indicadores válidos para Petrópolis, boatos e troças, entretenimento e vida cultural local, etc., mas também abordava política em âmbito nacional e internacional, economia, política e finanças de outras cidades do Rio de Janeiro, assuntos de interesse da classe operária, questões sociais, poesia, entre outras coisas. Ainda assim, ao longo de sua publicação, entre fins de julho e início de outubro de 1902, um tema de interesse local foi recorrente em suas páginas, assim como na Cidade de Petrópolis: a mudança da capital fluminense de Petrópolis para Niterói.

Praticamente toda a imprensa petropolitana lamentou a perda de status da cidade em 1902, na verdade. Parecia ser mais um ataque à cidade imperial, depois da queda da monarquia em 1889. De qualquer maneira, hoje, Petrópolis segue. Repaginada, por um lado; eterno refúgio serrano, por outro.

Explore os documentos:

Cidade de Petrópolis

O Povo


Cidade de Petrópolis