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Acervo da BN | Jornal da Noite: um vespertino santista

14 maio 2022

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e marcado com as tags Estado de São Paulo, História da Imprensa, Imprensa Santista, República Velha, Santos, Secult

O Jornal da Noite foi fundado em Santos (SP), em 2 de junho de 1920, por uma sociedade anônima formada por José Rodrigues Bastos Coelho, Miguel Cardoso de Souza Filho, Tennyson de Oliveira Ribeiro, Antônio José Neves, Luís Corrêa Paes e Mário Amazonas. Identificado como um “Órgam nacionalista”, o diário afirmava em seu editorial de lançamento que não possuía programa definido: “Mãos dadas aos potentados, ou contra eles, ficaremos sempre, em qualquer situação, ligados aos verdadeiros sentimentos nacionais, para os quais vimos e daremos todo o vigor da nossa existência”. Pudera. Ao início daquela louca década de 1920, a cultura, a política e a sociedade brasileiras davam voltas - seja pela eclosão do tenentismo e das lutas operárias por melhores condições de vida e trabalho, seja pelo definitivo desembarque do modernismo cá deste lado do Atlântico. Crítico e sempre disposto a botar o dedo nas feridas da má administração pública, o Jornal da Noite acompanhava tudo isso de perto, por vezes perplexo com o desenvolvimento da urbe santista. Dava o que falar em sua acalorada cobertura do cotidiano local: reclamava de serviços e repartições públicas abandonados, autoridades demagogas, problemas de infraestrutura, questões sanitárias e econômicas, criminalidade... Sem deixar o bom e velho futebol local de fora. Como era um vespertino, apurava os acontecimentos ao longo do dia e chegava às mãos de leitores que acabavam de encerrar expediente, indo encarar o bonde no trajeto para casa, à noitinha. Em tempos de jornalismo eletrônico e informação via redes sociais, a história do Jornal da Noite, extinto em fins da década de 1940, é um daqueles mergulhos reflexivos no passado que valem a pena.

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Politicamente, a linha nacionalista do Jornal da Noite se traduzia em apoio incondicional ao tradicional arranjo oligárquico da chamada "república do café com leite". Não era de se surpreender: Santos era uma cidade de importância na economia cafeeira. Ao início dos anos 1920 fazia como podia a defesa do mandato de Epitácio Pessoa. E, sobretudo, aplaudia a atuação do presidente de São Paulo, Washington Luiz, que após um curto período como senador pelo estado virou presidente da República, ao final de 1926. Em paralelo, o jornal era caro à comunidade lusitana de Santos, publicando notícias de Portugal e demais matérias de interesse, sobretudo ligadas aos interesses das classes comerciais. Ironicamente, apesar de seus traços um tanto governistas, o Jornal da Noite não se furtava ao espírito crítico: não deixava de botar a boca no trombone quando crises econômicas ou administrativas apoquentavam a vida das classes populares santistas.

Quando lançado, o Jornal da Noite era um periódico como qualquer outro da imprensa brasileira de seu tempo. Sua primeira página, além de notícias policiais e “Tópicos” gerais, costumava trazer uma seção humorística em versos, as “Trepações”, assinadas pelo “Papagaio Louro”. Na edição inaugural do diário apenas na segunda página publicava o seu expediente, sem indicar a cúpula da redação. Mas vinha com o endereço de sua sede e os preços de assinaturas, além de uma nota sobre consertos mal feitos na Avenida Ana Costa e uma seção esportiva. Na terceira página ficava o noticiário do serviço telegráfico nacional e estrangeiro, pequenas notícias e anúncios que iam até a quarta e última página - na maioria dos casos, propaganda de firmas de despachos na Alfândega e de agências de vapores.

Curiosamente, apenas em 1º de novembro de 1920 houve uma assembleia geral entre os acionistas do Jornal da Noite para a constituição definitiva de uma sociedade anônima gestora do empreendimento. Assim, a diretoria se formou com Tenynson de Oliveira Ribeiro como diretor e Antônio José Neves como diretor-gerente (Neves também foi diretor responsável pelo jornal). Mário Amazonas era quem possuía maiores cotas de ações, sendo, portanto, o principal dirigente do vespertino. No entanto, devido ao seu cargo de despachante da Alfândega, naquele momento não lhe interessava assumir a direção do jornal. Com redação, administração e oficinas localizadas na Praça dos Andradas, nº 109, o Jornal da Noite contava inicialmente com Francisco Escudeiro como gerente.

Sucessivamente, atuaram no diário como redatores Tennyson Ribeiro, Miguel Cardoso de Souza Filho, Affonso Schmidt e Cleóbulo Amazonas Duarte. Desse grupo, Souza Filho já em 1917 se destacava com a publicação do semanário crítico O Noroeste, que teve de ser suspenso por problemas de impressão. Na esfera dos cargos de direção, cabe ressaltar que já no ano de 1925, a sociedade anônima do Jornal da Noite foi dissolvida. Mário Amazonas tornou-se integralmente o diretor-proprietário da folha, colocando Cleóbulo Amazonas Duarte na chefia de redação. Em 1928, o professor Carlos dos Santos Werneck assumiu a direção geral, mas, com sua morte em São Paulo, em pouco tempo o jornal voltou à direção de Mário Amazonas.

Na virada entre as décadas de 1920 e 1930, o Jornal da Noite saiu de sua sede na Praça dos Andradas, onde sublocava um dos pavimentos à Cruz Vermelha, se instalando na Praça da República nº 36/38, onde permaneceu até o seu fim. Mas a mudança simbolizou o início de seu fim, aparentemente. Segundo fontes bibliográficas, o fechamento do verpertino não tardou. No entanto, circulou como pôde até fins da década de 1940. No entanto, o livro "História da Imprensa de Santos", de Olao Rodrigues, não traz informações a respeito do jornal a partir de 1932, momento em que Amazonas Duarte continuava sendo seu redator chefe e Júlio Barata assumia como redator-secretário (o secretário anterior era o jornalista português Antônio Ferro).

Alguns grandes nomes da imprensa santista passaram pelo Jornal da Noite, como o próprio Olao Rodrigues, supracitado. E também José Gomes dos Santos Neto, Luiz Correia Paes, Esmeraldo Tarquínio de Campos, Antônio F. Sarabando, Rosinha Mastrângelo, Edmar Morel, Otávio Bitencourt (o popular “Grão-de-Bico”), todos como redatores. O vespertino também contou com o trabalho de João da Silva Figueira (chefe das oficinas), Cyro Lacerda (revisor), Antônio Cazal (que publicou uma crônica no nº 4, de 5 de julho de 1920), Pedro Peressin (o “Barbado”, fotógrafo), Carlos Vitorino (revisor), Manoel de Carvalho (conhecido como “Picareta”, que entrou na gerência em substituição a Adelino Rolemberg), Luiz Dias e Conrado Penco (linotipistas), Ribeiro (na impressão), Castilhos (responsável pela paginação, Pascoal Ribeiro (que fazia a retranca), Albino Antunes (na mecânica), Chavinho, Alvanir, Humberto, Júlio e Edmílson Duarte, Luiz Diasera (também chefe das oficinas), Ida Trili (como caixa na administração), entre outros.

 

Explore os documentos:

Em 2 de outubro de 1923, o Jornal da Noite expunha seus elos com o Brasil Futebol Clube. Amazonas Duarte, diretor do diário, tem discurso proferido na sede do alvirrubro publicado em seu jornal. No mesmo dia, comemorava o aniversário de Nilo Costa, proprietário do Commercio de Santos, um fraterno jornal local:

http://memoria.bn.br/DocReader/892629/1

 

Em 3 de outubro de 1923, o escritor João Ribeiro Pinheiro ganha holofotes na primeira página do Jornal da Noite:

http://memoria.bn.br/DocReader/892629/7

 

A 8 de outubro de 1923, a "tarde sportiva de hontem" era publicada no Jornal da Noite, junto de um pronunciamento de Carlo de Menezes Tavares, presidente do Brasil FC. Já no dia 15, destaca-se a atuação do craque Borracha na goleada de 4 a 0 aplicada pela Portuguesa Santista ao Palestra, pelo campeonato citadino daquele ano:

http://memoria.bn.br/DocReader/892629/27

http://memoria.bn.br/DocReader/892629/43

 

Caso de polícia: à "Arsênio Lupin", quadrilhas de larápios assombram Santos ao longo de 1923:

http://memoria.bn.br/DocReader/892629/53

http://memoria.bn.br/DocReader/892629/171

 

Apesar de seus tons um tanto governistas, o Jornal da Noite de 10 de julho de 1925 reclamava da carestia: "Estamos às portas da fome - Tudo sobe de preço - Desde a caixa de fósforos às verduras". Já no dia 23 do mesmo mês, os problemas sanitários de Santos entravam na mira do vespertino:

http://memoria.bn.br/DocReader/892629/350

http://memoria.bn.br/DocReader/892629/360

 

Em 27 de julho de 1925, o Jornal da Noite destaca a passagem de Washington Luiz, que em breve assumiria o posto de 13º Presidente da República do Brasil, por Santos:

http://memoria.bn.br/DocReader/892629/372