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Artes | Yêdamaria, artista plástica afro-brasileira

08 nov 2021

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Yeda Maria Correia de Oliveira foi uma artista plástica afro-brasileira conhecida pela produção de desenhos, pinturas, gravuras e colagens,em especial marinhase naturezas-mortas. Nascida em 1932 na cidade de Salvador, filha da professora Theonila da Silva,Yêdamaria, também professora,desde cedo recebera educação de excelência, “Não virei artista por acaso, tive um encaminhamento”,afirmou.Em 1956, enquanto frequentava o curso de Artes Visuais na Universidade Federal da Bahia,participoudo Salão Baiano de Artes Plásticas, conquistando o prêmio com menção honrosa pela tela “Barcos da água de meninos”, considerada sua obra inaugural.Em 1960 realizou sua primeira exposição na Biblioteca Municipal de Salvador.

Em 1962 estudou gravura na Escolinha de Arte do Brasil, centro de formação de artistas localizado no Rio de Janeiro e criado por Augusto Rodrigues, Lucia Alencastro Valentim e pela norte americana Margareth Spencer. Também foi aluna de Maria Célia Amado, Rescala,Orlando da Silva e do gravador Henrique Oswald, um grande incentivador para o estudo de técnicas de impressão.Sua primeira individual ocorreuna galeria Macunaíma,localizada entre as ruas Araújo Porto Alegre e México, no Rio de Janeiro, próximo ao Museu Nacional de Belas Artes. Wilson Rocha, crítico de arte e poeta baiano publicou suas impressões sobre a mostra: “A cromática fascinante, a preparação da superfície e o grande valor dos espaços dão uma admirável eloquência em seu modus operandi.”E continua: “uma personalidade extraordinariamente dotada para a expressão estética e orientada para um sentido disciplinar e consciente dos valores plásticos.”

Em 1965 Yêdamaria teve seu trabalho exposto na galeria Goeldi localizada no bairro de Ipanema, Rio de Janeiro. O catálogo da exposição com apresentação de Jorge Amado punha em relevo a fase sintética entre cor e geometria abstrata, característica da produção dos anos 1950 e 1960. “Dessa realidade lírica e dramática vive a pintura de Yedamaria, estão cheios do mar e dos barcos.”, observava o escritor baiano. A celebrada arquitetaLina Bo Bardi, a época diretora do Museu de Arte Moderna da Bahia, foi uma das primeiras a testemunhar o talento da pintora, o que conferiu a artista grande atenção entre os modernistas.

Inspirada pela luz de Salvador, Yêdamaria, explorava a composição pictórica formada pelos barcos, produzindo traços cada vez mais sutis e minimalistas. Dos barcos migra para o mar e a religiosidade, período em que atua como professora na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (1972) e como bolsista daArt Studio da Universidade Estadual de Illinois, nos E.U.A(1979), sendo a primeira mulher negra brasileira admitida em um programa estrangeiro.Partindo de uma produção dita primitiva Yêdamaria enfrenta críticas com seus retratos de sereias, iemanjás, e iconografias ancestrais, resistência posteriormente superada pelaprimazia dos seus trabalhos de precisão técnica e inovadora. A artista conta que persistiu no procedimento dos desenhos e colagens de modo a driblar os referenciais acadêmicos, preservando a iconografia religiosa, ressignificando atributos, intensificando cores. Após uma seleção com dezessete peças, a obra “Cabeça de orixá” de 1978 é adquirida para a coleção de artes da universidade norte-americana. A vivência nos E.U.A dos anos 1960 e 1970 é catalisada pela artista por uma produção por ela denominada “integração racial”, cujas mestiçagens são percebidas como práticas possíveis e desejáveis. Em “Yemanjá com luz”o retrato do ativista Martin Luther King assume posição central na imagem. Para Yêdamaria, a figura do orixá configura, sobretudo, dimensão espiritual. Através de uma linguagem etérea, a entidade é representada de forma luminosa. Sua imagem é aclarada. Sua conexãocom Iemanjá pode ser observada no mural intitulado“Homenagem a Dois de Fevereiro”, trabalho hoje pertencente ao acervo do Museu Afro Brasil.

Em 1982, após circular com seu trabalho por diversos países, retorna ao Brasil. A partir de1983 estabelece parceria como centro cultural Casa Thomas Jefferson realizando diversas mostras nas décadas seguintes. Sua produção se dedica cada vez mais a visualidade dos objetos do cotidiano, explorando cores e transparências, com especial atenção a temáticas culinárias e cenas de jantar. Em sua trajetória, a artista teve três retrospectivas: internacionais pela Universidade Northridge na Califórnia (1991) e Print Portfoliona África do Sul como parte da efeméride da Declaração Universal do Direitos Humanos (1999). Nela,Yedamaria, única representante brasileira, exibe a gravura “For a Human World”, expressão da congregação multiétnica dada em situações do cotidiano, uma das características do seu trabalho. Em 2005, o Museu Afro Brasil realizou grande retrospectiva sob a curodoria de Emanoel Araújo, ocasião para o lançamento do livro “Yêdamaria”, festejando 50 anos de carreira. Em entrevista ao Correio Braziliense em 2007, a artistarelembravao momento como sonho realizado. “O livro valoriza o artista e as pessoas que acreditaram na minha carreira. Para mim é a glória” completou.

Yêdamaria guardava em seu acervo pessoal, correspondências, fotografias, pratarias e louças de familiares, registros preciosos especialmente para linhagens negras, diaspóricas a quem a experiência da escravidão ceifou o direito ao passado. É através dessa herança que sua fase de mesas de jantar transborda com maior acuidade a materialidade dos afetos trazidos pelos momentos em família. Afetos também aferidos pela sua relação com a cidade natal, local por onde deu vazão a pujança de sua obra:“Salvador é o meu meio, meu povo, minha realidade, vida e história”.

Leitura RJ 1962.