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Educação | A Escola de Minas, em Ouro Preto

03 jul 2020

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e marcado com as tags Acervo Biblioteca Nacional, Escola de Minas de Ouro Preto

No Brasil, existem instituições acadêmicas que são mesmo anteriores à implementação das universidades no país. Foi somente em 1920, no Rio de Janeiro, que as Escolas Politécnica, de Medicina e de Direito da capital, até então desconexas, foram reunidas para formar a primeira universidade oficial brasileira, a Universidade do Rio de Janeiro. No entanto, isso não quer dizer que no Brasil imperial importantes iniciativas de institucionalização científica não tenham surgido. Um desses exemplos é a Escola de Minas de Ouro Preto, cidade então capital de Minas Gerais.

Idealizada por Dom Pedro II e fundada por Claude Henri Gorceix em 12 de outubro de 1876 em Ouro Preto, a Escola de Minas foi pioneira no ensino de estudos geológicos, mineralógicos e metalúrgicos no Brasil. A iniciativa foi algo visionária: na época a economia cafeeira ditava as regras no país, como continuaria anos depois, sendo as iniciativas voltadas a exploração de outras atividades econômicas, de todo modo, mais do que recomendáveis. Além disso, a Escola de Minas acabou se notabilizando como difusora da prática pedagógica conhecida como “espírito de Gorceix”, que, ao valorizar o trabalho e a pesquisa de campo em oposição à tradição livresca, baseada na memorização de textos, foi vital para a introdução do empirismo na pesquisa científica nacional.

Obviamente, a valorização das pesquisas empíricas da Escola de Minas não quis dizer que seus ilustres professores e estudantes não tenham documentado sua produção. Lançados em 1881, os Annaes da Escola de Minas de Ouro Preto, que mostramos hoje neste texto, foram a primeira e principal publicação periódica da instituição, em seus primeiros anos. Vale a pena um estudo mais atento a tal documento.

Em seus primeiros momentos, os Annaes eram publicados com o subtítulo “Collecções de memorias e de noticias sobre a Mineralogia, a Geologia e as explorações das minas no Brazil”. Em suas sobrecapas, o periódico ainda trazia a frase “Cum mente et malleo” (“Com a mente e o martelo”), que, além de lema da Geologia, servia de divisa à Escola de Minas.

Em sua edição inicial, de 1881, os Annaes traziam um prefácio assinado por Claude Henri Gorceix, que revelava as dificuldades para a manutenção de uma publicação periódica – independente de seu cunho científico, e mesmo com toda a importância da instituição a que representava:

“A creação de uma revista periodica que se occupe com o estado da industria das minas no Brazil é complemento natural e necessario da organização da Escola de Minas de Ouro Preto. (…) Absorvido, durante os primeiros annos, pelos cuidados incessantes que requeria a organização da Escola de Minas, pelas difficuldades innumeras que de todas as partes ameaçavam o futuro d’esta instituição, não me tinha sido ainda possivel tratar de tal publicação. (…) É fácil expor o meu programma. A revista que me proponha publicar deveria apparecer em periodos determinados, para o que seria mister dispor da somma necessaria á impressão. A experiencia mostra todos os dias que, não é conveniente, mormente no começo, contarem as revistas scientificas demasiado com os recursos provenientes de assignaturas. Dispondo sómente d’esse meio, ser-me-hia impossivel contrahir compromissos, que por força maior talvez fosse obrigado a não satisfazer. (…) Por emquanto só me é permittido comprometter-me a fazer apparecer mais um numero, utilizando economias feitas no já muito sobrecarregado orçamento da Escola”.

Expostos estes problemas, Gorceix discorria sobre o programa da publicação:

“Os Annaes da Escola de Minas de Ouro Preto fornecerão os pormenores mais precisos que se puderem dar sobre a situação das minas exploradas no Imperio do Brazil e sobre o estado das diversas concessões feitas pelo governo, dos estudos sobre os estabelecimentos metallurgicos existentes, dos trabalhos de mineralogia e geologia relativos ao paiz, dos resultados das analyses feitas no laboratorio de docimasia da Escola. Darão também noticias dos aperfeiçoamentos mais recentes introduzidos na exploração das minas e na metallurgia, e enfim informações sobre as questões financeiras ou juridicas mais importantes, que interessem tanto a industria mineira do Brazil, como a do resto do mundo”.

Além de trazer informações gerais, notícias e programas de ensino da Escola de Minas, o periódico publicou artigos, estudos, leis e disposições oficiais, relatos, experiências, estatísticas, textos transcritos de outras publicações, gráficos, gravuras, mapas e plantas relativos às áreas de pesquisa da Escola de Minas. Alguns dos assuntos abordados foram estudos químicos e geológicos das rochas da então província de Minas Gerais, a exploração de minas de galena, viagens de estudos a determinadas localidades, análises laboratoriais, números da produção de metais preciosos em Minas Gerais e no mundo (ver números 1 e 2), processos aplicados na exploração industrial de recursos naturais, a indústria mineral em Minas Gerais (com detalhes sobre empresas de exploração no nº 2), o trabalho do naturalista dinamarquês Peter Wilhelm Lund no Brasil (em destaque nos números 3 e 4, que trazem ainda um texto seu sobre ossadas fósseis em cavernas de calcário), transmissão de forças motoras à distância pela eletricidade, bacias terciárias de água doce em Ouro Preto, ferramentas e instrumentos usados em pesquisas de campo, particularidades de determinados compostos minerais e rochas, engenharia de minas, particularidades sobre a indústria do ferro brasileira, dados disponibilizados pelo Observatório Meteorológico da Escola de Minas de Ouro Preto, etc.

Afinal, os Annaes da Escola de Minas de Ouro Preto foram extintos na edição nº 34, de 1961. A causa do fim dos Annaes pode ter relações com o período difícil vivido pela Escola de Minas a partir de 1939, um panorama envolvendo uma crise tanto política quanto institucional – o então presidente da República, Getúlio Vargas, aliás, tinha sido aluno da instituição, mas saiu sem concluir curso (o sanitarista Carlos Chagas e o compositor João Bosco também estudaram por lá; ambos colando grau, no entanto). Até pouco antes do fim do periódico, a escola era ligada à Universidade do Brasil, sendo desligada da mesma em 1960. Em 1969, a Escola de Minas passou a fazer parte da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), sendo, por sinal, o ponto de partida para a criação desta.

Explore os documentos:

[caption id="attachment_38515" align="aligncenter" width="1024"] ESCOLA de Minas. Ouro Preto, MG: [s.n.], [192-]. 1 foto, Cópia fotografica de gelatina e prata, p&b, 11,7 x 17 cm.[/caption] 

Annaes da Escola de Minas de Ouro Preto