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Império do Brasil | O Americano: informativo farroupilha

13 jul 2020

Artigo arquivado em Império do Brasil
e marcado com as tags 1842, Acervo Biblioteca Nacional, Farrapos, História, Imprensa, Liberalismo, Política, Revoltas Brasileiras, Revolução Farroupilha, Segundo Reinado, Separatismo

Estamos em Alegrete, no oeste do Rio Grande do Sul, bem próximos à fronteira com a Argentina. O ano de 1842 vai chegando ao fim e o clima é tenso. São tempos de sangue e revolta armada. E futuro incerto, tanto para o Rio Grande quanto para o restante do Brasil. Insurretos surgiam em diversas províncias, afrontando a Coroa, que há apenas dois anos fora parar na cabeça de Dom Pedro II, e a toque de caixa: numa manobra controversa, sua declaração de maioridade fora antecipada, em parte para permitir a centralização de poderes que ajudassem o ministério então constituído a abafar os mais exaltados. O Período Regencial já havia chegado ao seu triste fim, mas deixava resquícios. No pampa gaúcho, isso era mais do que evidente: o governo local havia rompido com o Império brasileiro, declarando-se uma república independente. Era a Revolução Farroupilha (1835-1845). Um movimento republicano liberal que, inspirado nas revoltas liberais de São Paulo e de Minas Gerais (1842), assim como na Sabinada baiana (1837), procurava emancipar a então província de São Pedro do Rio Grande do Sul do Brasil imperial, gerando, consequentemente, a Guerra de Farrapos. A autoproclamada República Rio-Grandense, comandada por Bento Gonçalves da Silva, buscava reconhecimento.

Eis que na pequena Alegrete, uma tipografia imprime os seguintes versos: “Pela pátria viver, morrer por ella; guerra faser ao despotismo insano; a virtude seguir, calcar o vício; eis o dever de hum livre Americano”. Escritos por “Hum Rio-Grandense”, tais dizeres serviam de epígrafe a um jornal que vinha a lume, em 24 de setembro de 1842, a serviço do governo revolucionário local: tratava-se de O Americano, um bissemanário político editado já nos momentos finais da Revolução Farroupilha. Impresso pela Typographia Republicana Rio Grandense, publicadora do “Projecto de Constituição da Republica Rio-Grandense”, e contando com o texto de Sebastião Mena, o periódico servia de porta-voz oficial do movimento revolucionário. Seu fim se deu após a publicação de sua 36ª edição, de 1º de março de 1843; mas logo em seguida, seus editores vieram a lançar, já no dia 4 de março do mesmo ano, também pela Typographia Republicana Rio Grandense, o bissemanário Estrella do Sul, de linha editorial idêntica à de O Americano, figurando, portanto, como substituto deste.

Publicando correspondência de leitores e correspondência oficial do governo revolucionário (como a troca de cartas entre Bento Gonçalves e o então senador Diogo Antônio Feijó), artigos de opinião, ensaios (como “De modo de formar-se a Representação Nacional”, de Benjamin Constant, publicado em partes entre outubro e novembro de 1842), notícias e avaliações de acontecimentos relativos à Guerra de Farrapos (bem como a revoltas liberais em São Paulo e Minas Gerais), informes de teor financeiro, ofícios do governo imperial brasileiro e análise a respeito dos mesmos, decretos e demais atos oficiais baixados por Bento Gonçalves (ou pelo ministro da Justiça e Interior José Pedroso d’Albuquerque, ou mesmo relativos à esfera militar, à Repartição da Fazenda e à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, presidida por Freitas Pedrozo), curtos informes de utilidade pública, poemas, entre outras coisas, O Americano vinha em formato 28 x 20 cm, com quatro páginas por edição. Sua publicação dava-se às quartas-feiras e aos sábados, ao preço de 80 réis a folha avulsa. Assinaturas da folha podiam ser feitas junto à tipografia que a tirava, “preço 4 patacões por semestre, pagos adiantados”.

Apesar de todo esse conteúdo, hoje, para se ter noção da verve revolucionária de então, talvez baste correr os olhos no texto de abertura da edição nº 1, O Americano. Era um prospecto calcado na defesa do governo separatista, ou seja, uma narrativa voltada à sua legitimidade:

Convidados pelo governo para redigirmos a presente folha, foi-nos mister primeiro pedir explicações respeito a certos princípios de direito publico, princípios que formão nosso credo político, ou doutrina republicana que professamos de coração, e achando-nos inteiramente concordes com o prudente modo de pensar e são liberalismo do Chefe de Estado e de todos os membros do Ministerio actual, vamos encarregar-nos de redigir esta folha periódica (...). Nosso fim principal será o triunfo da Republica, a consolidação de suas instituições e de sua santa independência. Tudo que for concernente ao bem de tão sagrados objectos, será por nós proposto e lembrado, e desenvolvido segundo nos permitir a curta esfera de nossos conhecimentos (...). Combateremos os escritores venaes do Rio de Janeiro, e seus satélites que desfigurão os actos de nossa gloriosa revolução, e propalão mil calumnias dirigidas a aviltar nosso caracter, e a deprimir nosso governo. Não responderemos pelo estilo que adoptaremos, porque alem da escacez de nossos conhecimentos, somos obrigados a compor sempre, sem podermos voltar sobre nossos próprios passos, queremos dizer, sem podermos corregir ou limar nossas expressões; porem – ousamos affirmar, que usaremos sempre de termos decentes e comedidos, inda mesmo combatendo os inimigos da liberdade, porque alem de assim o exigir a moral publica, estamos convencidos que os insultos, as injurias, e grosserias manifestão a falta que tem o escritor que as emprega de razões sólidas, e de provas claras a seu favor.

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http://memoria.bn.br/DocReader/813583/1

http://memoria.bn.br/DocReader/813591/1