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Intelectuais brasileiros I Luís da Câmara Cascudo

30 jul 2020

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Oriundo de família tradicional dos Açores, Portugal vinda para o Rio Grande do Norte, Câmara Cascudo pertencia a uma família que se constituiu na política. Membros do partido conservador, conhecidos à época como “saquaremas”, Cascudo, neto de um dos fundadores do partido, faz parte de uma tradição familiar tributária a valores monarquistas.

De formação erudita, o também jornalista e professor Cascudo, ou melhor Cascudinho, como era popularmente conhecido, contou com o auxílio do pai, diretor da folha “A Imprensa”, onde Cascudo iniciava a carreira na coluna “Bric-à-Brac”. A partir daí se aguçava, como o próprio afirmava, sua curiosidade sobre o povo. Após abandonar os estudos em Medicina, cursou a faculdade de Direito do Recife entre 1924 e 1928, tornando-se anos mais tarde Professor Catedrático de Direito Internacional Público da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em 1961.

Obras como “Alma Patrícia”(1921) e “O príncipe Maximiliano no Brasil”(1977), remontam ao ideário monarquista defendido pelo autor. Questões sobre o nacionalismo,advindas comocorrente de pensamento no século XIX, pauta vital ao longo da fundação dos institutos históricos geográficos e que se estende na sua participação como membro e sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) a partir de 1934. O papel dos Institutos para a construção forjada do ideal de nação contribuiu para a circulação de perspectivas controversas de pensamento, tais como a noção de democracia racial, típica da visão etnocêntrica presente nas referidas instituições.

O intenso ciclo de amizades com intelectuais como Gilberto Freyre, Rocha Pombo e Monteiro Lobato proporcionaram sua projeção para além do circuito intelectual potiguar. A amizade com Monteiro Lobato fomentou a emergência da veia folclorista, posto que a Revista do Brasil dirigida por Lobato, passava a publicar textos de Cascudo.

Cascudo apresentava facetas variadas, deslocando-seentre duas correntes muito presentes desde os anos iniciais de sua produção literária: o modernismo brasileiro e a tradição do regionalismo nordestino. Foi através do contato com o escritor Mario de Andrade, que Cascudo aprofunda os estudos sobre a cultura popular. A relação de amizade foi primordial para Cascudo investir na elaboração de um discurso nacionalista sob a égide da modernidade, que evidenciasse a pluralidade, porém sem cair nos estereótipos ligados ao exotismo e caricaturas do povo nordestino em particular. A troca de correspondências com Mário, rendeu maior aproximação entre a dita intelectualidade paulistana e a nordestina.

Foi no papel de etnógrafo e professor que Cascudo desempenhou e articulou suas habilidades como literato e intelectual. As trocas e experiências travadas junto à cultura local, evidenciavam a importância das vivências orais para a elaboração dos seus escritos. O contato constante com tipos populares, o pescador, a cozinheira, o repentista, o convívio com seus alunos e a amizade com membros da elite brasileira, a exemplo da relação com Pedro Orleans de Bragança, filho de Conde d’Eu este biografado por Cascudo, davam a dimensão dos diferentes matizes socioculturais sobre os quais Cascudo transitava.

O estudo do folclore brasileiro se assenta como campo de análise primordial na compreensão do léxico popular, resultando na publicação do célebre “Dicionário do Folclore Brasileiro” (1954).Entre as diversas obras publicadas, aquela queinauguroumaior enfoque no folclorismo, lançando-o no campo foi “Vaqueiros e cantadores” (1939).O exame de tipos populares conformados em uma espécie de unidade nacional, seguiam uma interpretação colonial e católica preponderante das narrativas de apaziguamento entre os diferentes estratos sociais. Porém, a contribuição de Cascudo para a formação da cultura popular é ampla, especialmente em sua função como ponte e mediador de visões de mundo complexas, que dão a ver a multiplicidade de signos e significados que orientavam o escritor em sua busca por umaidentidade de brasilidade.

Para Cascudo, o regionalismo atuava como importante herança cultural. Ainda que mantivesse aproximação com o movimento modernista, estava na preservação das manifestações culturais brasileiras, em especial nas tradições nordestinas, a motivação dos seus escritos. E foram muitos! Entre eles:“Contos tradicionais do Brasil” (1946), “Geografia dos Mitos Brasileiros” (1947, Geografia do Brasil holandês (1956), “Rede de Dormir” (1959),“A Cozinha Africana no Brasil” (1964), “Coisas que o Povo Diz” (1968),“O tempo e eu” (1971), “História da Alimentação no Brasil”, publicado em dois volumes em 1967 e 1968.

Em 1991, a Casa da Moeda do Brasil emitiu a cédula de 50000 cruzeiros em sua homenagem. A cédula contava com sua efígie e uma cena de jangadeiros, e no reverso, uma cena do Bumba meu boi, expressão artística típica do folclore brasileiro. Em 2006 foi inaugurada a exposição “Câmara Cascudo 20 anos de encantamento” no Memorial Câmara Cascudo em Natal em razão dos 20 anos de morte do escritor. Atualmente, está em funcionamento o Instituto Câmara Cascudo, oLudovicus. O instituto está abrigado na residência onde Cascudo viveu por 40 anos em Natal, Rio Grande do Norte. O instituto reúne todo o acervo bibliográfico e documental do escritor e é aberto para pesquisas acadêmicas e público em geral como forma de dar continuidade à divulgação do patrimônio e da memória cascudiana.


Na imagem publicação da revista FonFon de 1930.