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Literatura | A Transcendente Henriqueta Lisboa

09 set 2021

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Um dos maiores nomes da moderna poesia brasileira, Henriqueta Lisboa (Lambari, MG, 1901 – Belo Horizonte, 1985) dedicou toda sua vida à Literatura. O resultado foi uma vasta obra composta não apenas pela lírica, mas também por prosa poética, ensaios, traduções, correspondência e organização de antologias.

Filha de Maria de Vilhena Lisboa e João de Almeida Lisboa, farmacêutico e político da Velha República, Henriqueta escreveu os primeiros versos ainda criança, usando giz e lousa. Formou-se como normalista na cidade de Campanha, em Minas Gerais. Em 1924, seu pai foi eleito deputado federal; a família se mudou para o Rio de Janeiro, e já no ano seguinte Henriqueta publicou seu primeiro livro de poemas, “Fogo-fátuo”. No prefácio, Augusto de Lima, da Academia Brasileira de Letras, elogiou a forma como a autora “fazia caber a arte moderna na forma clássica” e preconizou que a obra figuraria permanentemente entre as melhores da época. O livro, porém, viria a ser rejeitado por Henriqueta Lisboa, que passou a se referir a ele como um “exercício técnico”; ela mencionava a obra seguinte, “Enternecimento” (1929), de influência simbolista, como sua estreia literária.

Desde essa época, a autora colaborava com vários periódicos, tais como “Revista da Semana”, “Fon-Fon”, “A Manhã” e “O Malho”, tendo recebido um voto no concurso de “melhor poetisa brasileira” promovido por este último em 1932. Publicou vários poemas e textos de prosa poética, mas também ensaios e apreciações da obra de escritores nacionais e estrangeiros.

Leia o texto “A Louca Aspiração”, publicado pela “Revista da Semana” em 1931.

Com “Enternecimento”, Henriqueta Lisboa recebeu o Prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras. Voltou a viver em Minas Gerais a partir de 1935 e publicou quatro outros livros entre 1936 e 1945, sendo o último, “A Face Lívida”, dedicado à memória de Mário de Andrade. A grande amizade travada entre os dois escritores, documentada na correspondência que mantiveram entre 1940 e 1945 – mais tarde reunida em livro --, influenciou a obra de Henriqueta, tornando-a mais próxima do Modernismo. Seu livro mais conhecido, “Flor da Morte” (1949) foi escrito sob o peso de outra perda, a de seu pai, como relatou, dois anos antes de publicá-lo, a Yvonne Jean, colunista da “Revista da Semana”.

A recorrência do tema na obra de Henriqueta Lisboa levou o escritor português Jorge Ramos a chamá-la de “poeta da morte”. A escritora rejeitou o título, mas confirmou que o tema era sugestivo, “aberto a voos incalculáveis”, e que via a morte não como sendo um fim, mas um florescimento do ser -- o que, segundo Alfredo Bosi, a aproxima do poeta tcheco, de língua alemã, Rainer Maria Rilke. José Guilherme Merquior afirma que a escritora se encontra, juntamente com Cecília Meireles e Augusto Frederico Schmidt, na categoria dos modernistas que não o são no senso mais estrito da palavra, enquanto Fábio Lucas a situa numa vertente entre o Modernismo e o Simbolismo, sendo derivados deste último os traços espirituais e transcendentes encontrados em sua poesia.

Leia um poema de Henriqueta Lisboa, escrito por mão da autora, que integra o acervo da Divisão de Manuscritos.

A par do seu trabalho literário, que ainda resultaria em muitas publicações, Henriqueta Lisboa foi inspetora de ensino secundário, professora de Literatura Brasileira e Hispano-americana na PUC e também de História da Literatura na Escola de Biblioteconomia da UFMG. Destacou-se ainda no campo da tradução: entre outras obras, traduziu os “Cantos” de Dante Alighieri e os poemas da chilena Gabriela Mistral. Além disso, organizou, na década de 1960, antologias voltadas para as crianças e jovens, sendo a maior parte de poesia (brasileira e traduzida) e uma de literatura oral, reunindo lendas, contos e fábulas. Tais publicações visavam, segundo a autora, a contribuir para a formação estética e cultural dos jovens, dando-lhes ferramentas para pensar criticamente sem abrir mão da sensibilidade. Ela própria escreveu poemas para crianças, como os que compõem seu livro “O Menino Poeta” (1943), elogiado pela professora Ângela Vaz Leão, da UFMG e PUC Minas, por ser “só poesia. Nenhuma intenção moralizadora, nenhum rebaixamento do poema a veículo de noções que a criança deva aprender”.

Em 1963, Henriqueta se tornou a primeira mulher a ser eleita pela Academia Mineira de Letras. Recebeu inúmeros prêmios, tais como o Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra, e o Pen Club do Brasil, pelo livro Pousada do Ser (ambos em 1984). Foi, ainda, agraciada com a Grande Medalha da Inconfidência e a Medalha Santos Dumont pelo governo de Minas Gerais. Faleceu em 1985, em Belo Horizonte. Quatro anos depois, a seção Acervo de Escritores Mineiros da Biblioteca Central da UFMG recebeu seu arquivo, e iniciou-se um trabalho de compilação de sua obra, parte da qual foi publicada pela editora da Universidade. A obra completa em três volumes (Poesia, Prosa e Poesia Traduzida) sairia em 2020 pela Editora Peirópolis, reaproximando os leitores brasileiros dessa autora que, segundo Carlos Drummond de Andrade, “destila poesia, servindo-se da matéria-prima em que outros saberiam encontrar apenas aniquilamento e desespero”.

Henriqueta Lisboa fotografada para a Revista Fon-Fon, que anunciava um recital da autora, em 1926. Vários poemas de “Fogo-fátuo” foram publicados no periódico.