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Literatura | Jorge de Lima

24 mar 2022

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Ensaísta, tradutor, pintor, médico – Jorge de Lima exerceu várias atividades. Sobressaiu-se, contudo, como poeta, cujo trabalho passou por várias fases e tendências.

Jorge Mateus de Lima (União dos Palmares, AL, 1893 – Rio de Janeiro, 1953) era filho de Delmina e do comerciante José Mateus de Lima. Cursou o ensino básico em sua cidade e em Maceió e começou a escrever poemas na adolescência. Algum tempo mais tarde mudou-se para Salvador e entrou para a Faculdade de Medicina, curso que concluiria no Rio de Janeiro, em 1914. No mesmo ano publicou “XIV Alexandrinos”, influenciado pelo parnasianismo, no qual se inclui um dos seus poemas mais conhecidos, “O Acendedor de Lampiões”.

Em 1915, Jorge de Lima se casou com Ádila, com a qual teria dois filhos. Retornou a Maceió, começou a clinicar, foi professor e diretor de escola e, por fim, deputado estadual pelo Partido Republicano de Alagoas. Ao mesmo tempo, publicava novos livros, cujos temas eram mais próximos do cenário, do imaginário e da realidade social do Nordeste. Em 1930 se mudou para o Rio de Janeiro e abriu um consultório em plena Cinelândia, onde passou a atender diariamente.

Veja, escrito numa folha de bloco de consultas, um bilhete de Jorge de Lima a Artur Ramos, apresentando um estrangeiro que deseja conhecê-lo (Divisão de Manuscritos - 1935).

Nos primeiros anos da década de 1930, o consultório de Jorge de Lima era também galeria de arte, onde expunha seus quadros de influência modernista, e ponto de encontro de amigos como José Lins do Rego e Murilo Mendes. Em 1934 ele publicou a novela “O Anjo”, que se aproxima da corrente estética surrealista de André Breton, e no ano seguinte o romance “Calunga”, cujo protagonista, Lula, procura lutar contra a miséria e a desigualdade social no interior de Alagoas.

Leia um trecho do romance “Calunga”, com ilustração de Santa Rosa, publicado na revista “O Cruzeiro”, em 1935.

Ainda em 1935, o médico e escritor se elegeu vereador e publicou um livro de poesia em parceria com Murilo Mendes, “Tempo e Eternidade”. Foi uma fase em que o misticismo presente em vários de seus trabalhos se aproximou do catolicismo professado por Mendes. A vertente espiritualista se aprofundou em Jorge de Lima e ganhou novos contornos em “A Túnica Inconsútil”, publicado em 1938. Dele faz parte o poema “O Grande Circo Místico”, que já na década de 1980 seria musicado e adaptado para o teatro por Chico Buarque e Edu Lobo. Recentemente foi levado às telas por Cacá Diegues.

Leia uma apreciação de José Lins do Rego sobre o livro “A Túnica Inconsútil”, publicada no periódico “O Jornal”, em 1938.

Leia uma entrevista de Jorge de Lima concedida a Joel Silveira na revista “Vamos Lêr!”, em 1939.

Após ter percorrido o parnasianismo, o modernismo e o erotismo místico, a poesia de Jorge de Lima passou a uma fase em que incorporou elementos da cultura africana. Data dessa época “Essa Nega Fulô” (1947), um de seus poemas mais conhecidos. Ao mesmo tempo, ele produzia trabalhos em prosa e livros para crianças e jovens, como “Aventuras de Malasarte” (1942) e “Vida de São Francisco de Assis” (1943). Candidatou-se à Academia Brasileira de Letras, mas não foi eleito.

Em 1952, o escritor publicou, enfim, o livro que é considerado sua obra-prima. “Invenção de Orfeu” é um livro de poemas místicos que dialogam com poetas clássicos e contemporâneos e que revisitam a infância do autor, trazendo à tona suas memórias e fazendo aflorar imagens do inconsciente. Para o crítico Luiz Santa Cruz, a obra reúne e resume as várias vertentes literárias pelas quais transitou a poesia de Jorge de Lima, sendo a infância o elemento-chave que lhe confere uma unidade. O tema se desdobra em outros, tais como a perda da inocência, os terrores infantis, influenciados pelos contos populares que permeiam o imaginário nordestino, e ainda o pavor da morte, que viria ao encontro do autor em novembro de 1953, após uma doença prolongada.

Leia matéria sobre o falecimento de Jorge de Lima no jornal “A Noite”, 1953.

Cantante nordestino, poeta místico, tecelão de palavras – tudo isso foi Jorge de Lima, cuja obra, como bem apontou Marco Lucchesi, permanece “robusta e poderosa como um penhasco na solidão incomparável de seu gênio”.


Jorge de Lima em caricatura de Mendez (Suplemento do jornal “A Noite”, 1953)