Mercado em greve: Protestos e organização dos trabalhadores do pequeno comércio no Rio de Janeiro – Outubro, 1885
10 set 2013
e marcado com as tags Comércio, História social, Movimento grevista, Rio de Janeiro, Séc. XIX
Em outubro de 1885, um dos principais centros de compra e venda de gêneros alimentícios da corte teve suas atividades paralisadas por quase uma semana. Desde o dia 5 daquele mês, quando foram inauguradas novas barracas para venda de legumes e hortaliças na Praça das Marinhas, à margem da doca do grande e movimentado Mercado da Candelária, uma greve havia sido organizada pelos trabalhadores que ali estacionavam seus cestos e tabuleiros. Pequenos lavradores e negras quitandeiras não aceitavam pagar a diária de 400 réis cobrada pelos empresários do consórcio Oliveira & C., que arrendara o terreno à Câmara e construíra as barraquinhas. Em protesto, recusaram-se a vender seus produtos e ainda impediram que barcos e carroças que vinham das freguesias suburbanas e de locais mais distantes descarregassem no cais. Rapidamente os conflitos tomaram as ruas e ganharam as folhas impressas da capital do império.
Até fins da década de 1880, movimentos grevistas como este não eram as formas mais usuais de luta dos trabalhadores cariocas. Decerto que paralisações do trabalho já ocorriam na corte desde pelo menos meados do século XIX, envolvendo até mesmo escravos. Em 1857, os cativos que trabalhavam na Fábrica da Ponta D’Areia, um dos maiores estabelecimentos da cidade, de propriedade do visconde de Mauá, se recusaram a prosseguir com suas atividades. No ano seguinte, foi a vez dos tipógrafos pararem nas três folhas diárias da corte, naquela que já foi considerada “a primeira greve do Rio de Janeiro, talvez do Brasil”. Podemos citar ainda a luta dos caixeiros contra a abertura do comércio aos domingos em 1866 e a greve dos cocheiros da Botanical Garden Rail Road, em 1873, que exigiam a readmissão de companheiros demitidos1. Contudo, como destaca o historiador Marcelo Badaró, foi só a partir do final do século XIX que as greves se generalizaram no Rio, assumindo contornos de principal instrumento de classe. 2
Na greve da Praça das Marinhas, um grupo de mais de cem quitandeiros e pequenos agricultores das zonas suburbanas do município do Rio, das freguesias rurais de Niterói e de áreas mais afastadas da capital carioca tanto mediu forças com empresários e vereadores, quanto conseguiu redefinir as formas de pressão aceitáveis na defesa de seus interesses.3 Mas quem eram exatamente esses trabalhadores? Que interesses os uniam ou mesmo dividiam alguns deles? Como os protestos foram organizados naqueles dias? E por que o movimento mobilizou tanta gente, desde pequenos mercadores e vereadores, até consumidores, jornalistas e o próprio imperador D. Pedro II?
Examinando notícias, crônicas e ilustrações publicadas em revistas e jornais da corte (únicas fontes a registrar em detalhes o movimento grevista e hoje preservadas nos acervos de periódicos e de obras raras da Biblioteca Nacional) e também os debates travados pelos vereadores, os abaixo-assinados e as licenças enviados à Câmara Municipal (estes últimos organizados em códices no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro), é possível tanto acompanhar a “greve a la minute”, para usar os termos de um cronista da Gazeta de Notícias, como revelar personagens, atitudes e identidades muitas vezes sepultados pelo cotidiano do trabalho e da cidade, mas que muito dizem sobre a dinâmica da formação e dos conflitos de classes. Como lembra Michele Perrot, uma greve é uma relação dinâmica, que não só apresenta os homens e mulheres nela envolvidos, como também a classe dos empregadores, o Estado e a opinião pública, tal qual aparecem no espelho posto à sua frente pelos trabalhadores4.
No tabuleiro do mercado.
Desde pelo menos meados do século XVII, negras de tabuleiro e vendedores de peixe reuniam-se num pequeno e ruidoso mercado nas proximidades da Alfândega, entre a Rua do Mercado e a Praça das Marinhas. Mais conhecido como Mercado da Praia do Peixe, era uma espécie de “feira permanente”, que crescia ao acaso, sem um alinhamento definido5. Com o contínuo ajuntamento de novas bancas, o vice-rei Luiz de Vasconcellos ordenou, em 1789, que as barracas de peixe fossem reconstruídas com regularidade e simetria. Mas a algazarra dos vendedores, a lama e toda sorte de detritos que se amontoavam por ali não deixavam de desagradar boa parte da população. Alguns diziam que o “vozerio” era tal que perturbava as sessões no Senado da Câmara, que ficava logo ao lado6. Mesmo com os protestos e as determinações para que os vendedores fossem removidos para outro local, um novo mercado só começou a ser construído na década de 18307.
Com projeto do arquiteto francês Grandjean de Montigny, as obras do edifício da Praça do Mercado, também chamada de Mercado da Candelária, iniciaram-se em 1834, mas só foram concluídas em 1841. O acesso à praça era feito por quatro portões monumentais, um em cada face, conduzindo a ruas transversais que se cruzavam no centro, junto a um chafariz de pedra lavrada. Outras ruas calçadas acompanhavam as quatro faces, abrindo-se para elas tanto as lojas externas, como as do pavilhão central.
O mercado ocupava todo um quarteirão e dividia-se em três áreas: o centro, destinado para venda de hortaliças, legumes, aves e ovos; o lado do mar, para peixe fresco, seco e salgado; e o lado da rua (voltado para a Rua do Mercado e o Largo do Paço), para cereais, legumes, farinha e cebolas. De acordo com o regulamento aprovado pela Câmara Municipal em 1844, as cento e doze bancas e casas do prédio da praça podiam ser alugadas a cada semestre, por “pessoas livres e capazes” 8. Na Praça das Marinhas, em frente à doca contígua ao mercado, desembarcavam os gêneros da roça e o pescado que escravos e outros trabalhadores traziam em canoas de ganho, saveiros, faluas e barcos vindos das zonas suburbanas do Rio de Janeiro e das áreas rurais de Niterói.
Os gritos dos negros que transportavam cestos de peixes à beira mar faziam o norte-americano Thomas Ewbank lembrar de disputas muito semelhantes travadas no rio Níger (Lagos), na região da atual Nigéria.9
Bem próximo, lavradores, seus consignatários, negociantes e quitandeiras vendiam, revendiam e compravam “gêneros de primeira necessidade”, como frutas, ovos, legumes e cereais, “sem o menor abrigo, apenas algumas pequenas barracas volantes ou algum chapéu de sol”. 10 Segundo o fiscal nomeado para a Comissão de Licenças, alvarás, mercados públicos e Praça do Mercado da Câmara Municipal, J. Pereira Rego, cada toldo ou chapéu de sol montado na Praça das Marinhas deveria pagar uma licença anual de 100$000. Entre-tanto, ao fazer uma vistoria no local em 23 de fevereiro de 1865, constatou que muitos vendiam sem qualquer autorização. Pela relação da Secretária municipal, somente 35 toldos estariam licenciados. Contudo, naquela visita, ele anotou “49 armados, os quais, e talvez ainda mais, já ali existem desde o ano passado”. 11
Talvez por isso, numa tentativa de reordenar aquele espaço, quando a praça foi arrendada ao comendador Antonio José da Silva em 1869, três chalets abertos foram construídos nas marinhas, divididos em barracas com “comércio destinado à alimentação desta capital”. 12 Para ocupá-las, era necessário solicitar uma licença e pagar uma taxa anual à Câmara. Ainda assim, lavradores ou roceiros que quisessem continuar, “como antigamente, a venda de seus produtos” podiam se instalar no “espaço livre” reservado para eles, nos arredores do chalet erguido perto do Trapiche Maxwell, sem “ônus algum de locação ou qualquer outro”. 13 Mas essa nova reorganização pareceu desagradar alguns trabalhadores ali instalados. Em 23 de abril de 1876, dois pavilhões haviam sido parcialmente destruídos por um incêndio. Contrários à sua reconstrução, diversos negociantes e proprietários estabelecidos na Praça das Marinhas enviaram uma representação ao governo imperial, alegando que a falta de higiene e a transformação de algumas barracas em cortiços estavam condenando os chalets e concorrendo para a proliferação da febre amarela.
Nove dias depois, mais de 70 negociantes – entre os quais 18 quitandeiras – enviaram um outro abaixo-assinado à Câmara Municipal. Só que este grupo exigia a reconstrução dos pavilhões, que facilitavam bastante o “depósito, [a] guarda e [a] venda dos gêneros de primeira necessidade”. Alegavam que, desde o incêndio, “forçados a vender sem abrigo”, vinham sofrendo prejuízos, que acabavam revertidos para o público, “em parte pela alteração inevitável dos preços e falta de facilidades na compra de gêneros”.14 Em poucos meses, as súplicas foram atendidas e os pavilhões, reerguidos.
Petições e ofícios como esses eram bem comuns naquela época. Os comerciantes da praça, assim como outros trabalhadores da corte, não hesitavam em expressar seus protestos contra as ações da polícia ou as decisões da municipalidade que consideravam prejudicais a seus interesses. Mesmo que o exercício da cidadania fosse precário durante o Segundo Reinado, a população não deixava de criar expectativas sobre seus direitos e sempre encontrava caminhos para reivindicá-los. Quando se considerava, ou se fazia crer, cumpridora de seus deveres, a disposição para luta se tornava ainda maior. Como destaca Juliana Teixeira Souza, na medida em que davam conta de suas obrigações, esses trabalhadores urbanos desejavam que seus direitos fossem reconhecidos e resguardados pelos governantes. Em muitos casos, recorriam diretamente ao imperador, a quem caberia zelar pela paz, pela defesa e pelo proveito de todos os seus súditos15. Em outros, podiam mesmo lançar mão de protestos mais organizados e combativos, como aconteceu nos primeiros dias de outubro de 1885.
A greve
Tudo havia de fato começado no dia 5 de outubro daquele ano, com a inauguração das novas barracas para venda de hortaliças e legumes, construídas na Praça das Marinhas, à margem da doca do grande e movimentado Mercado da Candelária, em substituição aos chapéus de sol montados ali, ao lado dos chalets erguidos no local em 186916. De acordo com os empresários Bernardo de Oliveira Melo, Vital Vaz do Espírito Santo e Arthur Deodécio Nunes de Souza, do consórcio Oliveira & C., responsável pelo arrendamento do terreno, as 53 bancas, com armação de ferro e cobertura de lona impermeável, não só abrigariam os pequenos lavradores e consumidores do sol e da chuva, como promoveriam “um grande melhoramento para a salubridade local e até para os comerciantes”. Segundo os empresários, como o lugar vi-via em “contínuo lamaçal, quer no tempo seco, quer no tempo chuvoso”, as barracas trariam benefícios tanto para a “pequena agricultura” e para a “população desta Capital, a primeira da América do Sul”, como também para a sua “salubridade, a par do embelezamento de um dos pontos mais freqüentados, não só pelos seus habitantes, como por todos que aportam às plagas da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro”17. Mas para desfrutar de tal privilégio era necessário desembolsar uma diária de $400 réis.18 Só foi difícil encontrar alguém disposto a pagar essas quantias.
No dia da inauguração, enquanto os convidados dos empresários almoçavam e brindavam no Hotel Novo Mundo, uma greve já havia sido organizada na praça. Nenhum barraqueiro apareceu para oferecer legumes, aves, frutas e outros gêneros de consumo diário. No cais da doca das Marinhas, escravos, libertos e homens livres foram impedidos de descarregar produtos de canoas de ganho, saveiros e faluas vindos de Guaratiba, Pedra, Sepetiba e outros locais do Recôncavo. Dois negociantes de verduras, “depois de maduras reflexões”, resolveram ocupar duas das tão “faladas barraquinhas”. Mas não contavam com a determinação de seus “colegas de roça”, firmes no propósito de impedir que elas fossem usadas. Houve um certo rebuliço, e o comendador Rosário, ao saber do ocorrido, ali se apresentou com uma escolta policial, montada a cavalo e a pé. Mais tarde chegou o Dr. Carijó, 3º delegado, acompanhado de seu escrivão e do capitão Vieira; todos permaneceram na praça até adiantadas horas do dia. Mas “nada se deu”. Só o mesmo o Sr. Inocêncio Correia da Silva, subdelegado da freguesia de Itamby, em São João de Itaboraí, que, indignado, falou às massas “cobras e lagartos das barraquinhas”. Tanto discursou que o comendador Rosário fez lhe ver a inconveniência. Nem isso amainou sua língua, que só estancou mesmo quando ele foi afinal levado para a 5ª estação. Reconhecida sua inocência, logo foi posto em liberdade.
Mas a confusão já estava armada nas ruas e nas folhas impressas da corte. Na edição do Jornal do Commercio daquele 6 de outubro, era possível ler a petição que mais de cinquenta mercadores enviaram ao Ministério do Império, apelando ao imperador d. Pedro II. No documento, que trazia a assinatura “O Povo”, alegavam que “desde tempos imemoriais a Praça das Marinhas era destinada ao gozo do público, constituindo um logradouro, onde se tinha lugar e se realizava a feira do mercado”. Lembravam que já não lhes parecera regular o contrato de 1869, que também privara o “povo” de um espaço público. Contudo, naquela época, acabaram relevando o ato da Câmara, já que os chalets traziam à população e ao pequeno comércio de caráter mais fixo o “benefício do abrigo” e, além disso, deixava-lhes reservado o cais, “formado pelo espaço de 30 palmos a estreita rua entre a rampa da Doca e os chalets da Praça das Marinhas”. Só que agora não podiam aceitar que este pequeno e acanhado lugar fosse transformado em “possessão de empresários felizes, que pouco ou quase nada arriscam, mas em compensação contam auferir grandes, enormes proventos, com a exploração das barracas”.19
No mesmo dia, nas seções de “publicações a pedidos” de diversos jornais, como o Jornal do Commercio, Diário de Notícias, O Paiz e a Gazeta de Noticias, os concessionários apresentavam suas reclamações, destacando que era “evidente o interesse coletivo resultante [do contrato das barraquinhas]”. Por um lado, o público poderia consumir os produtos sem que durante longas horas ficassem expostos ao sol ou à chuva; e os comerciantes, por sua vez, mediante uma “módica contribuição”, teriam abrigo do tempo, lugar certo e “uma comodidade que não oferecia a promiscuidade de então”. 20 Acontece que poucos achavam aquela contribuição tão modesta assim. Ora, como as barraquinhas mediam um metro de largura por três de comprimento, e cada vendedor a dividiria com outros cinco, no final acabariam desembolsando 400 réis diários, ou doze mil réis mensais, “por um espaço insuficiente para conter o mais insignificante produto da pequena lavoura”. 21 Se levarmos em conta que muitos pagavam cerca de 15 mil réis anuais pelo arrendamento de pequenas roças, é possível ter uma ideia de quão elevada era a taxa cobrada.
Por isso mesmo a movimentação dos grevistas não cessava. Durante a madrugada do dia 7, as estacas de algumas barraquinhas foram arrancadas, e a polícia chegou a receber avisos de que homens armados de cacetes prometiam espancar os condutores de carroças que se animassem a trazer hortaliças para o mercado. Apesar das advertências, nada aconteceu naquela noite. Logo pela manhã alguns vereadores se dirigiram à praça para tentar falar com os pequenos lavradores. Mas não conseguiram firmar nenhum acordo. No dia seguinte, com a praça ainda deserta, mais de cem quitandeiros e mercadores das freguesias suburbanas decidiram “marchar” até a Rua do Ouvidor e recorrer às “folhas impressas”. Em frente à redação da Gazeta de Notícias, o comendador João Gomes Carneiro, discursando em nome dos grevistas, disse que os pequenos lavradores não tinham como suportar “o pesado ônus agora imposto pelo privilégio concedido, pois os gêneros alimentícios de primeira necessidade não dão margem a ganho suficiente para o pagamento exigido pelo aluguel das desnecessárias barracas”. Em breves palavras, um dos redatores da Gazeta arvorou-se representante dos jornais e revistas, afirmando que:
A imprensa faz seu indeclinável dever em estar ao lado dos que sofrem em seus direitos, e que nenhum móvel pode ter fora do interesse geral sempre superior e sagrado contra o monopólio ou privilégio capcioso, só favorável a alguns com manifesto e injusto prejuízo de muitos. 22
Seguindo pela Rua do Ouvidor, pararam à porta da Gazeta da Tarde e ali foram recebidos por seu diretor, o abolicionista José do Patrocínio23. Como tantos de seus colegas de imprensa, este fervoroso jornalista também apoiava a mobilização dos pequenos lavradores. Não hesitou, portanto, em levantar a voz contra o “esbulho” que tornava aqueles homens “vítimas da Câmara Municipal”:
Assim como os pequenos lavradores tinham a enxada e o ancinho como arado de trabalho, nós, os homens da imprensa, também filhos do povo, tínhamos a pena que para nós representa o papel daqueles instrumentos com qual afastamos a ciscalhada que tende a abafar os direitos do povo.24
E não faltavam jornal e jornalista para apoiarem os grevistas. Ainda que apresentassem perfis por vezes distintos, uns tendendo para uma postura mais conservadora, caso do Jornal do Commercio, outros mais liberais, como a Gazeta de Notícias, quase todos os periódicos da corte deixavam claro seu apoio ao movimento. Decerto que cada um tinha lá a sua maneira de noticiar e comentar. No Diário de Notícias, não faltavam críticas e gracejos, como os versinhos de Violino publicados logo nas primeiras páginas:
Entre as contristadoras,Esta notícia é atroz...Fizeram greve as cenouras,Estão em greve os quingombós.
Está hoje com seu azeiteA bela alface adorada...E quem vinagre lhe deiteTerá pronta uma salada
Voam pedras e cacetesJunto a Praça do MercadoOs purpúreos rabanetesFogem d’um para outro lado
A grave e sizuda abóboraQue é dos legumes o orgulhoRecursos mil pondo em obraQuer aplacar o barulho.
Maxixes feitos n´um bolo
Dançam todos à bolina,
Grita a batata: Haja rolo!Repreende a abóbora: Menina!
O abacaxi perde um olho,Perde uma lima o umbigo,Machuca um pé o repolho,- S’ tou passado! grita um figo.
O mamão machuca os dedos,Vê-se uma manga perdida...Os limões ficam azedos,Geme um jiló: Minha vida!
Afinal toda a hortaliça Manchou para o xilindró,Entre um aipo e uma nabiça Às ordens do Carijó.
A couve toda escamadaNão se meteu nas encolhas,E prometeu que a cambadaMandaria “pôr nas folhas”.
Finalmente houve o diaboEm toda a cidade se ouveQuem ontem sustentava o nabo:- Foi a maior greve qu’houve!25
Os gracejos se espalharam por outras folhas da corte e os protestos rapidamente passaram a ser chamados de “greve das hortaliças”, “conflagração de pepinos e abóboras”, “crise dos legumes”. Na seção “Entrelinhas” da Gazeta de Notícias, em que se comentavam os textos de outros jornais, o redator ressaltou, em 10 de outubro, como O Paiz vinha falando “com muita graça da revolta dos rabanetes e das cenouras”. E de fato, no dia anterior, o periódico fundado em 1884 também havia enveredado pelo humor, mas preferindo a prosa.
[...] os tomates, de rubros que eram, tornaram-se roxos, e promovem greves assustadoras [ileg.]. Querendo acompanhar as agressões próprias de toda situação nascente, a Ilustríssima atirou-se ao verde com unhas e dentes, e declarou a seus munícipes que, por algum tempo, ficava interrompido o regime vegetal. É ascético demais, e neste momento o que convém é alimentação sólida e substancial... Entretanto, não vê a Câmara que de envolta com o agrião foram-se também os farináceos! [...] 26
Entretanto, conforme sentenciava o redator da Gazeta, o “mau é que já o Diário de Notícias falou na greve das hortaliças, com a mesma graça e de mais a mais – em verso. O que é muito mais engraçado”.27 Ainda assim, os jornalistas da Gazeta de Notícias pareciam conjugar das intenções humorísticas de seus companheiros de imprensa, já que, naquela mesma edição, também usaram destes recursos para elaborar seus textos. Em artigo intitulado “A crise dos legumes”, os leitores eram informados que:
Ainda ontem era um deserto a linha das barracas na Praça das Marinhas, nem uma folha de alface para um canário, nem um legumesinho para a bela da carne cozida em família.
Mais adiante, prevendo a carestia dos gêneros alimentícios, em decorrência da paralisação das vendas na praça, lembravam que:
Em verdade, não sabemos se alguém sonhou com sete vacas magras e sete vacas gordas; mas o que é incontestável é que a população do Rio não fez provisão das hortaliças para o tempo da penúria, e nós entramos francamente na época da magreza28.
Para citar um último e ilustrativo exemplo, vejamos a crônica dominical da Gazeta, publicada em 11 de outubro. Ao relembrar os fatos que haviam marcado os últimos dias na cidade do Rio, o “cronista semanal”, que não assinava o texto, também se utilizava de uma linguagem galhofeira para criticar a própria zombaria da imprensa. Assim, dizia que
[...] a revolta do rabanete e a rebelião do nabo, a insistência do tomate em não aparecer e do repolho em ocultar-se, foram decantadas em prosa e verso. Estirados e sérios artigos de fundo, só agora provocados, depois de armadas as barraquinhas, fizeram pendant com as jovialidades do que procuram expor fatos e emitir alegremente e jocosamente. Abaixo o monopólio! – foi o grito da literatura humorística em artigos humorísticos e ligeiros.29
Decerto que essa veia humorística não era nenhuma novidade. Remetia a uma tradição que vinha do jornalismo satírico da Regência e dos folhetins cômicos do Segundo Reinado, mas que ganhou maior força com o desenvolvimento da imprensa e a proliferação das revistas ilustradas, especialmente no início da República. 30 Ademais, o processo de modernização dos periódicos, transformados em grandes empresas comerciais – interessadas cada vez mais em atingir a aceitação do público leitor e se tornar porta-vozes de uma “modernidade” na produção da notícia – levou à valorização de textos informativos sobre o cotidiano da população, os acontecimentos ditos “banais”, como o carnaval das ruas, as ocorrências policiais, os resultados do jogo do bicho. 31 Essas “notícias mundanas” eram quase sempre apresentadas em breves comentários, recheados de pequenos gracejos e ironias, recursos muito populares naquele momento. Fosse na crônica, numa peça de teatro ou em outro gênero qualquer, o certo mesmo é que esses artifícios pareciam agradar ao grande público, diversificado e ávido por uma compreensão rápida e mais simples das transformações vividas à sua volta32.
Mas esse apelo ao humor não significava, é claro, um olhar menos crítico e distante dos debates políticos. Como é possível observar nas entrelinhas dos versinhos de Violino ou nas imagens estampadas nos periódicos ilustrados durante a greve da Praça das Marinhas, não faltavam críticas a policiais e vereadores, que teriam interesses no contrato das barraquinhas, e mesmo à Câmara Municipal e ao governo imperial, acusados de não defender os direitos do “povo” 33. Assim, poderíamos dizer, parafraseando Elias Thomé Saliba, que formas típicas de representação do cômico – como jogos de contrastes, deslocamentos de significados, ligação entre o formal e o informal, trânsito entre o prescrito e o vivido, inversão da dimensão espaço-temporal – mostraram-se como recursos bem apropriados para retratar o movimento grevista de outubro de 1885. 34
Entretanto, essa foi apenas uma das formas de representação acionadas por jornalistas e leitores. Como verdadeiras arenas35, os jornais publicavam críticas inflamadas aos empresários do consórcio Oliveira & C., à Câmara Municipal e a seus vereadores, ao mesmo tempo em que abriam espaço para os próprios empresários e políticos esboçarem suas queixas e justificativas. Sem contar ainda a população da cidade do Rio e os pequenos lavradores, que diariamente apareciam nas páginas de “publicações a pedidos”. Presente em quase todos os diários, essa seção era constantemente utilizada pelos leitores para publicar qualquer tipo de assunto ou comentário de seu interesse, desde agradecimentos, pedidos de desculpas e textos poéticos, até desforras e cobranças de providências às autoridades municipais e imperiais. Atuando como um espaço mais democrático, abrigava tanto o ponto de vista do empresário, como o do quitandeiro, desde que se dispusesse de alguns réis para mandar imprimir suas opiniões. E os leitores não queriam simplesmente esboçar suas queixas ou apreciações sobre determinados assuntos. A intenção era também ser ouvido pelos representantes do poder constituído e compartilhar sua forma de encarar questões políticas, sociais e cotidianas com outras pessoas. Durante a greve na praça, a seção despontou como um dos lugares mais apropriados para esse tipo de comunicação com um público mais amplo.
Em 9 de outubro, por exemplo, leitores que se identificavam simplesmente como Infelizes quitandeiros, recorreram ao imperador d. Pedro II para denunciar dois escrivães, um filho e um genro de vereadores que tinham interesses no contrato das barraquinhas. No “a pedidos” do Jornal do Commercio, questionavam como poderiam “obter justiça os infelizes que têm de pagar aos protegidos contratantes todo o lucro de sua pequena indústria”. Além disso, como ficaria o “povo desta cidade” privado de um logradouro público, “que é dado de presente a quem vai dele utilizar para enriquecer-se, esbulhando do local de seu comercio aos desgraçados que hão de sujeitar-se a esse hediondo monopólio?” 36 Na mesma página, O Povo também fazia seu protesto, apontando os interesses de um “genro de vereador” e de um “funcionário da polícia” no “escandaloso contrato que tanto tem irritado a opinião pública”. 37 Revelava ainda que a “abundância policial” que se ostentava contra “pacíficos lavradores e produtores do Recôncavo que vêm à feira” só podia ser “indício da proteção que dá o prestígio daquele sócio que sabe o nome aos bois, que dá leis na casa de policia, onde é verdadeiro triunfo”. 38
Dois dias antes, um leitor que assinava como Um que não quer as barracas já havia feito denúncia semelhante no Diário de Notícias. Como fez questão de registrar, o “monopólio” imposto ali na praça tinha como sócio um vereador39. Diante de tantas acusações, o vereador Dr. Emílio da Fonseca se apressou em esclarecer, nas “Publicações a pedidos” da Gazeta de Notícias e do Jornal do Commercio, que fizera os maiores esforços para discutir os inconvenientes do contrato, “o que não pude conseguir, por me haverem negado a palavra”. Mas, agora, como ele já havia sido firmado pelo governo, cumpria respeitá-lo e evitar novas demandas, “sempre desastradas para a municipalidade” 40 .
Ninguém parecia querer dar “nome aos bois”. Contudo, folheando os papéis da Câmara, encontramos Augusto Nunes de Souza, vereador que tinha o mesmo sobrenome de um dos empresários do consórcio, Arthur Deodecio Nunes de Souza 41. Seriam os parentes referidos pelos “Infelizes quitandeiros”? É bem provável que houvesse mesmo algum parentesco entre eles.
Num dos ofícios enviados à municipalidade ainda no início de 1885, as acusações foram
ainda mais diretas. De acordo com o documento, na “imoralíssima questão das barraquinhas”, estava envolvido o vereador, “pai de um dos hoje conhecidos que fazem parte da comandita”.42 Já o funcionário de polícia talvez fosse de fato, como indicou um leitor de O Paiz, o delegado Carijó, figura tão presente nos jornais naqueles dias, seja nos versinhos de Violino, publicados no Diário de Notícias, seja no retrato-homenagem da capa d’O Mequetrefe43 .
Poderíamos citar muitos outros exemplos de queixas e esclarecimentos dos empresários, de políticos e policiais, de protestos de leitores e lavradores, já que reclames como estes se multiplicaram pelas páginas das folhas impressas. De qualquer maneira, a leitura em conjunto desses registros permite observar que, provavelmente, muitos desses leitores, sobretudo aqueles identificados como quitandeiros e pequenos lavradores, estiveram acompanhando de perto a movimentação dos grevistas pelas ruas da cidade. Só que certamente a principal fonte de informação para boa parte da população carioca era mesmo a imprensa. Como destacara o “cronista semanal” da Gazeta de Notícias, jornais e revistas diariamente vinham recheados de “grandes notícias a la minute”. 44
Decerto que boa parte dos moradores não podia ler diretamente essas notícias, já que muitos eram analfabetos. Mas nem por isso deixavam de tomar parte da repercussão da greve nos periódicos da corte. A tiragem de uma folha não dava a dimensão real de sua divulgação, uma vez que um mesmo exemplar passava de mãos em mãos. Além disso, era muito comum que notícias, folhetins, fofocas e anúncios fossem lidos em volta alta em ruas, esquinas e rodas de curiosos. Na Rua do Ouvidor, “a pequena grande artéria da vida nacional”, onde estava a grande imprensa – jornais como o Diário de Notícias, a Gazeta de Notícias, O Paiz, a Gazeta da Tarde e o Jornal do Commercio tinham suas sedes ali – muitos se valiam das edições do dia largadas nos cafés, já amareladas e amassadas de tanto manuseio. As conversas entreouvidas nas portas das redações também espalhavam as informações saídas dali dos periódicos.
Uma leitura mais atenta também deixa claro que praticamente todos da imprensa apoiavam uma postura legalista, uma “revolta pacífica”, excluindo qualquer atitude mais violenta. Ainda assim, para além de simplesmente noticiarem as disputas e discussões travadas naqueles dias de outubro, jornais e revistas ilustradas ampliaram sua dimensão e atuação política, influenciando a opinião pública e mesmo determinando o desenrolar do movimento grevista. Durante quase uma semana, diferentes “vozes” – ou “coletâneas de relatos”, como diria Robert Darnton45 – se confrontaram e muitas vezes se aproximaram nas páginas da imprensa carioca, naquele momento, um dos principais fóruns de debates políticos46.
E por isso mesmo, para evitar ainda mais barulho, o ministro do Império Ambrósio Leitão da Cunha, barão de Mamoré, ordenou que a Câmara suspendesse o contrato e a armação das barracas até que o impasse com os grevistas fosse resolvido. Chegou-se a acreditar que finalmente a Praça das Marinhas voltaria “ao seu antigo estado de coisas e as couves ao seu antigo preço”.47 Mas os ânimos estavam longe de amainar.
Na tarde de 8 de outubro, um grupo de lavradores da Penha não deixava que um só animal carregado ou qualquer carroça com legumes e verduras passasse pela ponte de Cascadura em direção à corte. Muitos tropeiros tiveram de voltar com suas cargas, recebendo daqueles homens algumas quantias para acudir as suas necessidades enquanto persistisse a greve. Durante a madrugada, treze barraquinhas foram inutilizadas na Praça das Marinhas. Na manhã de 9 de outubro, pequenos agricultores de Irajá, Inhaúma e Jacarepaguá dividiram-se em dois grupos: um, postado em diversos pontos da estrada, impedia a passagem de cargueiros e carroças que se dirigiam para a estação de trem da região; o outro, ali nas proximidades, armado de cacetes, proibia que os carregadores recebessem os carretos de cestos e hortaliças. Nenhum volume foi despachado na estação, que, diariamente, remetia mais de 500 caixas de verduras para a praça. Nos largos do Pedregulho, Benfica e Praia Pequena, cerca de cem homens, portando revólveres, punhais, foices e cacetes, também barravam os carregamentos que desciam de Inhaúma e Irajá. Quinze praças de polícia foram até ali para conter atos mais violentos. O conflito foi inevitável e resultou no ferimento de soldados e grevistas, e ainda na prisão de 17 homens.
Enquanto nas freguesias suburbanas muitos optavam por essas ações mais diretas, e mesmo violentas, no coração da corte, mais de duzentos lavradores preferiram reunir-se numa casa da Rua Ourives para discutir a “questão das barraquinhas”. Depois de muito falatório, decidiram aguardar deliberação da Câmara Municipal para tomar uma resolução definitiva. Contudo, garantiram que, se não pudessem voltar para seu lugar na Praça das Marinhas, ocupariam o centro e as ruas ao redor da Praça da Harmonia. Mas tal medida não foi necessária.
Talvez porque não quisesse sofrer mais um desgaste, como aquele de cinco anos antes, durante a Revolta do Vintém, D. Pedro II resolveu intervir nos conflitos armados na praça. Em fins de dezembro de 1879 e início de 1880, a revolta que tomou as ruas do Rio reuniu uma multidão (cerca de 4 mil pessoas chegaram a se concentrar no Largo do Paço) em protesto contra o aumento do preço dos bondes. Embora a lei que definiu esse novo valor tenha sido proposta pelo ministro da Fazenda e, em consequência, as escaramuças estivessem dirigidas ao gabinete ministerial48, e não propriamente ao imperador, a presença de instigadores republicanos entre os manifestantes conferiu ao movimento uma dimensão mais ampla, de verdadeira hostilidade à monarquia. 49 Cinco anos mais tarde, entre aqueles que apoiavam os pequenos lavradores em greve, estava o jornalista José do Patrocínio, um dos líderes republicanos que, em 1880, havia insuflado as massas em favor da revogação da medida. Portanto, não faltavam motivos para que d. Pedro II ficasse receoso naqueles dias de outubro de 1885. Na Gazeta da Tarde de 7 de outubro de 1885, Patrocínio, ao falar das desvantagens das novas barracas, aproveitava para criticar o regime imperial:
As barraquinhas vêm desse tráfico de privilégios, que tanto tem honrado o segundo império, e que é também providencialmente a larga brecha por onde há de entrar a onda popular para lavar o país da mancha de um governo, que não se respeita. 50
Diante de tamanha grita na imprensa e nas ruas, em 12 de outubro o imperador ordenou, por intermédio do barão de Mamoré, que os vereadores designassem “um local no litoral em que os referidos comerciantes possam expor à venda os seus produtos sem os vexames a que se sujeitou a concessão irrefletidamente feita para o assentamento das barracas, a qual infelizmente se firma em contrato bilateral, que cumpre respeitar em quanto, por muito acordo das partes contratuais não for ele rescindido”. 51
Parece que a determinação de um lugar próximo ao cais e a apenas quatro ou cinco braças daquele que foi arrendado a Oliveira & C. acalmou os pequenos lavradores, que suspenderam os protestos. Afora a licença anual que já pagavam à Câmara, não precisariam desembolsar qualquer outra quantia; só teriam mesmo que enviar novos requerimentos à Câmara para continuarem com seu negócio na praça. De acordo com o edital publicado no Jornal do Commercio de 26 de novembro de 1885, os mercadores, ou seus representantes legais, deviam, num prazo de 15 dias, a contar deste aviso, comparecer na Secretaria Municipal com suas solicitações, para terem seus nomes, gêneros de negócio e localidades a que pertenciam inscritos num livro especial. Em seguida, receberiam uma guia, que seria apresentada ao visto do fiscal respectivo, e assim poderiam exercer livremente sua “indústria”. Mas não seria permitido “a pessoa alguma de negócio, seja qual fosse o gênero, estacionar sem a devida licença nos lugares concedidos aos pequenos lavradores”, e nos demais pontos nas proximidades do mercado. 52
Quanto às novas barraquinhas de ferro, voltaram a ser armadas na Praça das Marinhas em 24 de outubro, e só aqueles que quisessem mesmo ocupá-las teriam que pagar os 400 réis diários. Os empresários do consórcio, por sua vez, tiveram que esperar até o ano de 1886 e as longas discussões na Câmara para terem os “direitos”, que julgavam perdidos com as mudanças no contra-to, ressarcidos.
Entre pequenos lavradores, quitandeiras e pombeiros
Uma rápida folheada pelas páginas da imprensa não revela muitos detalhes sobre os grevistas de 1885, nem tampouco sobre demais os trabalhadores da Praça das Marinhas. Ainda que vez ou outra seus nomes sejam mencionados, em geral eles são referidos, genericamente, como pequenos lavradores, mercadores, vendedores de hortaliças e legumes, roceiros ou quitandeiros. Num primeiro olhar, esses designativos parecem meros sinônimos, que se repetem e alternam em notas, editorais e comentários de leitores, sem um critério muito bem definido. No jornal O Paiz de 9 de outubro de 1885, por exemplo, são chamados de vendedores de frutas e hortaliças numa espécie de editorial publicado na primeira página, ao passo que no “Noticiário” da mesma edição são identificados como mercadores e lavradores53. Decerto que, em muitos casos, se trata mesmo de termos com significados idênticos, como, por exemplo, as expressões “lavradores” e “roceiros”. Contudo, um exame mais atento de outros registros impressos, sobretudo quando comparados aos textos da imprensa e às imagens produzidas no período, desvenda algumas nuances e diferenças entre essas categorias. Vejamos de início o caso dos pequenos lavradores.
Consultando a documentação sobre comércio de gêneros alimentícios guardada no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, sob a rubrica “Lavoura do município”, localizei seis códices com licenças manuscritas enviadas por lavradores à Câmara Municipal, todas no mês de dezembro de 1885. Antes dessa data, os registros eram bem esparsos. A explicação é simples. Até então, a Câmara só exigia dos comerciantes o pagamento de uma licença anual pelo aluguel da vaga em uma barraca ou num chapéu de sol na Praça das Marinhas. Entretanto, com a greve de outubro de 1885, os vereadores mais uma vez se viram diante da necessidade de ordenar e controlar os trabalhadores ali instalados.
Assim, depois de encerrado o movimento grevista, decidiram, em sessão do dia 19 de novembro, convidar os pequenos lavradores para que, no prazo de 15 dias, se inscrevessem, por si ou seus representantes legalmente habilitados, na Secretaria Municipal. Junto a seus requerimentos, deveriam ser anexados: “atestado da autoridade policial sobre identidade da pessoa; declaração da capitania do porto sobre a embarcação destinada ao transporte do gênero; e prova de propriedade, ou de arrendamento do solo cultivado”. Se tivessem comissários ou consignatários, era necessário incluir ainda uma procuração; licença do estabelecimento para depósito dos gêneros e certidão de licença municipal para o negócio54.
Boa parte dos negociantes inscritos no final de 1885 já estava no cais das Marinhas desde pelo menos a década de 187055. Sendo assim, essas licenças apresentam-se como as melhores fontes para conhecer os trabalhadores do pequeno comércio de gêneros alimentícios ocupados naquela área do grande Mercado da Candelária. Os pedidos por escrito incluíam informações sobre os locais de residência e lavoura, o tipo de transporte utilizado para conduzir os produtos, nomes de encarregados e, em alguns poucos casos, informações como nacionalidade, estado civil e idade do comerciante. Seguindo as recomendações da Câmara, os lavradores ainda apresentavam atestados de inspetores de quarteirão, procurações e documentos comprovando seu ofício e o lugar de residência, como escrituras de compra e venda de propriedade ou recibos de arrendamento de terrenos. Embora os vendedores quase sempre encaminhassem solicitações individuais, havia aqueles que optavam por fazê-las em conjunto. Como os portugueses Victorino Gonçalves Cabral e José Lucas de Almeida, arrendatários de um sítio na Estrada de Brás de Pina, na freguesia de Irajá, que, no dia 21 de dezembro de 1885, pediram à Câmara para serem
registrados como lavradores da praça.56
Nos seis volumes de manuscritos, identifiquei requerimentos de 315 lavradores, dos quais apenas três não indicavam o endereço de suas roças. Na Tabela 1, podemos acompanhar seus locais de residência e lavoura. Os moradores do município de Niterói constituíam uma maioria, totalizando 187 comerciantes. Neste grupo, destacavam-se as freguesias rurais de São Gonçalo (125) e Cordeiros (53). Logo em seguida, vinham as áreas suburbanas do município neutro do Rio de Janeiro, com 50 residentes em Irajá; 47, em Inhaúma, e 15, na Ilha do Governador. O Engenho Novo contava com apenas dois homens. Já Maricá e Itamby, na comarca de Itaboraí, juntos contabilizavam oito roceiros. E o município de Magé, somente dois.
Quase todos esses lugares eram áreas antigas de produção de açúcar que, para escapar da crise, voltaram-se para a policultura já em finais do século XVIII. Tanto nas freguesias suburbanas do Rio como nas áreas rurais de Niterói57 – regiões que mais concentravam os produtores representados no cais das Marinhas – as propriedades foram se especializando no fornecimento de mantimentos de “primeira necessidade” para os mercados da capital carioca. Pouco a pouco, seus velhos engenhos foram partilhados e alugados a agricultores “sem terra” 58. Para os grandes fazendeiros, era uma forma lucrativa de garantir uma renda anual, sem qualquer gasto de capital ou necessidade de reposição da mão-de-obra escrava. Com isso, ainda criavam um vantajoso vínculo de subordinação monetária com os lavradores.
Mas essa relação não significava uma total dependência dos arrendatários, que podiam decidir o que produzir em suas situações. Instalados em terras alheias, os pequenos lavradores cultivavam hortas e roças de mandioca, café, laranjas, limão, quase sempre atendendo à demanda do mercado do Rio de Janeiro. Em São Gonçalo e Cordeiros, contavam com o trabalho de poucos escravos e experimentavam novos técnicas de cultivo. Só que levavam uma vida simples. Suas casas tinham poucas mobílias: uma mesa, algumas cadeiras, às vezes camas e armários. Ao lado das moradas, construíam casas de farinhas, galinheiros, currais e até mesmo pequenas senzalas.59
E se até meados do século XIX os arrendamentos de terra representavam apenas uma renda a mais para os grandes proprietários, com o fim do tráfico transatlântico de escravos e a Lei de Terras, em 1850, tornaram-se uma exigência de sobrevivência. Mesmo assim o processo não foi automático. Como acontecia em outras regiões, a primeira solução para aqueles que resistiam ao parcelamento era o aumento da exploração da força de trabalho cativa. A longo prazo, essa estratégia implicava na perda da rentabilidade dos plantéis, principalmente em São Gonçalo e em Itaipu, onde o percentual de escravos produtivos jamais excedeu 50% do total60 .
Em 1885, entre os roceiros de São Gonçalo e Cordeiros que forneciam e vendiam seus gêneros na Praça das Marinhas, encontramos um grande número de “sem terra”. Dos 125 lavradores de São Gonçalo registrados, 103 apresentaram informações mais detalhadas sobre suas roças, anexando a seus requerimentos escrituras, declarações ou recibos de aluguel. Já em Cordeiros, foram 43. Pela Tabela 2, observamos que, na primeira freguesia, 74 (71,85%) eram arrendatários e 29 (28,5%), proprietários. Na segunda região, eram so-mente 4 proprietários (9, 5%) ao lado de 38 (90, 5%) locatários.
Em São Gonçalo, 30 propriedades foram mencionadas pelos lavradores que locavam pedaços de terras. Não havia grandes concentrações de arrendatários numa mesma fazenda. Em geral, as propriedades, bem próximas umas das outras, aparecem com um ou dois roceiros alugando situações, sítios ou datas de terras. Mas há casos como o da Fazenda Colubandê, que arrendava parcelas a nove lavradores inscritos. Logo em seguida, aparecem as fazenda de Itaúna e do Porto Novo, esta última de propriedade de João Manoel da Silva, com sete arrendatários cada uma.
Muitas fazendas eram antigas produtoras de cana-de-açúcar que, pouco a pouco, foram partilhadas e alugadas aos “sem terra” da região. Até a década de 1840, a Fazenda do Engenho Pequeno pertencia ao coronel Luiz de Frias Vasconcelos em sociedade com quatro irmãos. No inventário do coronel, falecido em 1843, estão relacionados 68 arrendatários, que deviam uma renda que oscilava entre dois e dez mil réis anuais. Neste grupo estava Ana Eleutéria, que ali mantinha uma pequena casa de pau a pique, dois escravos com mais de 40 anos e plantações, incluindo três mil pés de café, 100 pés de laranja “China”, uma “porção” de limeiras e 20 pés de laranjas seletas61.
Nos anos 1880, a fazenda já estava nas mãos de outros proprietários. Em outubro de 1883, o pequeno lavrador Antonio Alves Bello, inscrito como vendedor na Praça das Marinhas, comprou a quinta parte das terras do engenho que pertencia a dona Ana Rita de Magalhães, como herança de sua filha menor Francisca dos Prazeres Costa62. Dois anos depois, os roceiros João Miguel Letério, Francisco Soares Neves, Manoel Alves Pacheco e Delfino Ferreira Peixoto indicavam, em seus pedidos de inscrição à municipalidade do Rio de Janeiro, a Fazenda do Engenho Pequeno como seus locais de moradia e lavoura. Pelo aluguel de sítio e “larguezas” na propriedade, pagavam cerca de 50 mil réis anuais cada um.63
Na freguesia de Cordeiros, os lavradores-arrendatários indicaram 13 propriedades, nas quais também se observa pouca concentração de locatários. Entretanto, duas fazendas se destacam: a Fazenda do Coelho, com 13 registros, e a Fazenda de Ipihyba de Nossa Senhora da Boa Esperança, com oito. Como em São Gonçalo, aqui também se verifica um acelerado processo de parcelamento das terras. Na Fazenda do Coelho, de Rufino José de Almeida, sítios e terrenos estavam alugados por valores que variavam entre 15 e 100 mil réis. De outra parte, os quatro donos de terras na região que encaminharam pedidos à Câmara viviam nos lugares do Pacheco e do Anaya. Os irmãos João Soares do Rego e Luiz Soares do Rego eram sócios de propriedades no Anaya, que compraram a Antonio Fernandes Pinheiro. Próximas à Fazenda de Ipihyba e às terras de dona Felicidade da Glória, mãe dos dois lavradores, as fazendas não tinham um número certo de braças, mas comportavam casas e benfeitorias. João fornecia produtos de sua lavoura para serem vendidos no mercado das Marinhas por seu neto, Vítor Correa Machado. Já seu irmão Luis vendia ele mesmo na corte os gêneros que cultivava em sua data de terras.64
Pelas bandas de São Gonçalo, o número de roceiros proprietários era mais expressivo. Nas licenças remetidas à Câmara Municipal, os 29 donos de terra da região citaram 17 locais diferentes, entre os quais o Boassú, com quatro registros; o Mutuá, com três; e o Rocha, também com três. Eram quase sempre situações diminutas, que não chegavam a 50 hectares65. Prudêncio José de Almeida possuía terras próprias no Mutuá, com apenas 170 braças ( ou cerca de 6, 8 hectares) de testada, compradas por 3 contos de réis em 1883.66 No lugar das Sete Pontes, Manoel do Couto Pita tinha casa de vivenda e benfeitorias de plantações numa data de terras com somente 60 braças (uns 2,4 hectares) de frente e 300 braças (12 hectares) de fundos.67 Decerto que foram poucos os que indicaram dimensões exatas, mas o uso de expressões como “pequena data de terras”, “sitio” ou “situação com casa velha” permite entrever que se tratava mesmo de pequenas propriedades.
Mas também encontramos, nesse grupo, uns poucos fazendeiros que investiam em escravos e transportes para a condução dos gêneros até o outro lado da Baía. Quem se destacava era a proprietária Maria Gabriela Margarida Bazin Desmarest. Desde 1845, vivia numa fazenda de frente para o mar, no Novo Porto da Ponta de São Gonçalo, com casas de vivenda, diversas plantações, arvoredos e mais benfeitorias. Também possuía seis embarcações que usava para transportar os produtos para a corte. Na Praça das Marinhas, os gêneros de sua lavoura eram vendidos por seus empregados Joaquim da Costa Correa, José Maria Alves e Bernardo Mendes. Dali de suas terras e porto, logo chamado de Porto da Madama, numa referência à alcunha que a fazendeira ganhara 68, diariamente partiam para o mercado do Rio faluas e barcos carregados de frutas e legumes de mais de 70 roceiros de São Gonçalo e Cordeiros69.
Essas movimentações indicam que Margarida Desmarest tinha lá suas posses. Como ressalta Márcia Motta, a construção de um porto envolvia a utilização de capital bem superior à capacidade financeira de um pequeno produtor. Era necessário instalar pranchas de madeira que pudessem ser atracadas ao mar, ter uma estrutura de armazenamento da produção e ainda bar-cos para a condução das mercadorias. Dessa forma, não surpreende que, durante o século XIX, os portos daquelas áreas rurais de Niterói estivessem nas mãos daqueles que podiam arcar com as despesas de instalação antes mesmo do início da comercialização. Além disso, tais indivíduos deviam ter uma certa ascendência na capital carioca, com condições de exigir, da parte do governo, melhorias no desembarque do outro lado da baía.70
E foi justamente isso que a proprietária do Novo Porto de São Gonçalo reivindicou no dia 1º de agosto de 1878. Em ofício enviado à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, Dona Margarida reclamava do pequeno lugar que o antigo fiscal da Candelária, o Sr. Paulo Felizardo Cabral e Silva, lhe marcara na Praça das Marinhas. Vinha então “respeitosamente rogar a V. V. E. Exas. [os vereadores] se sirvão mandar que o actual fiscal dê ao supra-citado logar mais extensão ou demarque outro de modo a poderem ser convenientemente depositados os productos”. Na resposta formulada uns vinte dias depois, o novo fiscal, o Sr. Antonio Roiz de Sá, concordava com a fazendeira, atestando que, de fato, o espaço que lhe fora destinado era “por demais acanhado para a grande quantidade de gêneros que diariamente exporta para este mercado”. Assim, para atendê-la, sugeria que se fizesse uma “nova marcação de lugar, diminuindo-se aquelles que trazem ao mercado menos mercadorias, para satisfazer-se a supplicante que é de toda justiça”.
Acontece que os outros donos de portos em São Gonçalo, ao saberem que Margarida Desmarest pretendia alargar seu lugar, invadindo desse modo “direitos alheios”, encaminharam um abaixo-assinado à Câmara, naquele mesmo mês de agosto, exigindo que tal pretensão não fosse atendida, tendo em vista a “injustiça relativa” que acarretaria. Os vereadores concordaram com estes proprietários. No dia 10 de setembro, o fiscal Antonio de Sá anotou, no verso do próprio abaixo-assinado, que a Câmara havia indeferido o pedido de Dona Margarida e, desse modo, “satisfeito o que requerem os suplicantes”71.
Assinavam aquela petição Manoel Corrêa Torres, José Teixeira da Silva, Francisco Manoel Pires e Antonio Roiz Sobrinho. O primeiro era proprietário de uma falua, que partia do Porto da Ponte de São Gonçalo todos os dias, carregando os gêneros de pelo menos 12 lavradores inscritos na Câmara Municipal. José Teixeira também possuía, em sociedade com Antonio Pereira da Rosa, uma falua matriculada na Capitania do Porto sob número 290, que saía diariamente do Porto da Bandeira levando para o cais das Marinhas as mercadorias de 18 roceiros das freguesias de Cordeiros e São Gonçalo. Seus três empregados, Manuel Joaquim de Oliveira Caribó, José Maria de Almeida e Joaquim Luiz de Faria, também vendiam produtos no mercado da capital. Não localizei maiores informações sobre Francisco Manoel e Antonio Sobrinho. Contudo, perscrutando as licenças remetidas à municipalidade em dezembro de 1885, identifiquei outros donos de embarcações e também de portos em São Gonçalo.
Desde 1882, José Pinto da Rocha era dono de oito partes do Porto das Pedras. Além de fornecer e vender produtos da pequena lavoura no mercado das Marinhas por meio de seus empregados João Antonio da Silva e Adriano Portella da Silva, também transportava em seu barco as mercadorias de mais 22 lavradores. Outro que conduzia gêneros para a corte era Deolindo José de Sena, arrendatário de terras e um porto na Fazenda do Porto do Gradim, de propriedade de dona Maria Gertrudez Maria da Conceição Flores, pelos quais pagava um conto e 800 mil réis em 1884. Dono de uma falua registrada na Capitania, contava com 4 encarregados que vendiam os produtos de sua lavoura na cidade do Rio e ainda levava os de outros 26 lavradores.
Como observamos na Tabela 3, o transporte dos gêneros dos 168 lavradores de São Gonçalo e de Cordeiros registrados na Câmara em 1885 estava, basicamente, nas mãos de cinco proprietários de embarcações. À frente, vinha a fazendeira Maria Margarida Desmarest, carregando a produção de mais de 72 pequenos agricultores. Em seguida, estavam Deolindo José de Sena, com 26; José Pinto da Rocha, com 22; José Teixeira da Silva e Antonio Pereira da Rosa, com 18; e Manuel Corrêa Torres, com 12. Também se destacavam Antonio Rodrigues Costa (7) e Joaquim Lima Guimarães e Luis Carr Ribeiro (7). Outros levavam somente os gêneros de sua própria roça ou estavam a serviço de algum negociante.
Pesquisando inventários dessa região rural de Niterói, Márcia Motta constatou que os donos de portos eram também grandes proprietários de terras, sobretudo nas primeiras décadas do século XIX. Nesse quadro, os pequenos produtores, que eram também arrendatários daquelas fazendas e não tinham como comercializar livremente seus gêneros, acabavam submetidos aos negociantes/donos de portos. Dessa forma, criava-se uma forma indireta de dominação sobre as pequenas unidades produtivas ligadas à policultura.72 Mesmo sem ter como quantificar a participação dos grandes fazendeiros na comercialização e no financiamento da produção, Motta indica como, a partir dos anos 1860, os “sem terra” foram se tornando cada vez mais endividados com os proprietários.73
Nas licenças encaminhadas à municipalidade do Rio, verifiquei que, dos 14 proprietários de embarcações indicados pelos roceiros, apenas quatro eram donos de portos e/ou de propriedades. Como vimos, José Pinto da Rocha tinha oito partes no Porto das Pedras, que também era ocupado por José Antonio da Rocha74. Mas vivia em terreno arrendado. Joaquim Lima Guimarães tinha um sítio e alugava o Porto do Velho. Esta área de embarque ficava na Fazenda do Porto do Velho, de propriedade de Ignácio Frazão Varela, que também arrendava terrenos a quatro lavradores inscritos em 188575. Já Antonio Rodrigues Costa possuía três sítios e, como anunciado no Almanak Laemmert, trabalhava com cargas a frete no Porto das Neves.76 Só Margarida Desmarest era, ao mesmo tempo, proprietária de fazenda e do Novo Porto de São Gonçalo. E ainda tinha o lavrador José Lúcio de Menezes como locatário de casa e terreno em suas terras, pagando 144 mil réis anuais.
Certamente o novo cenário que se descortinava na década 1880, com um acelerado processo de parcelamento das grandes fazendas, também afetava as áreas de embarque de mercadorias, quase todas alugadas a lavradores proprietários de embarcações. Mas, se nem todos os grandes proprietários permaneciam à frente da comercialização da produção agrícola das freguesias de São Gonçalo e Cordeiros, pelo menos os donos de barcos e faluas que faziam o transporte dos gêneros continuavam diretamente envolvidos no que se passava no mercado da corte. Em 6 de outubro de 1885, o primeiro dia da greve da Praça das Marinhas, entre os 57 pequenos produtores que enviaram uma petição ao ministro do império, figuravam João Pereira Lima Guimarães, Luis Carr Ribeiro, Manoel Côrrea Torres, José Teixeira da Silva e Maria Margarida Bazin Desmarest (e também seu filho Carlos Francisco Desmarest), todos, como já vimos, donos de embarcações em São Gonçalo.77
Além disso, examinando os códices sobre a “lavoura do município”, constatei que o neto da Madama Margarida, Paulo José Leroux, estava autorizado, desde junho de 1875, a tratar dos negócios de sua avó, podendo fazer “toda e qualquer transação, inclusive compras, vendas, hipotecas ou qualquer alienação de bens móveis ou imóveis”78. Seguindo de perto essas determinações, Paulo José aparecia, em dezembro de 1885, como procurador de quase todos os roceiros que conduziam produtos nas embarcações de Margarida Desmarest. Dispondo dos documentos legais de 70 lavradores, podia inscrevê-los na Câmara Municipal do Rio, como fornecedores que vendiam “os produtos de sua lavoura no mercado público da corte”. E foi exatamente o que fez naquele mês de dezembro. Também vamos encontrá-lo defendendo os interesses de sua família de maneira mais incisiva. Em 10 de outubro de 1885, Leroux esteve à frente do movimento grevista das Marinhas, presidindo uma reunião com mais de 200 lavradores numa casa da Rua Ourives79. Mas deixemos essa questão para mais adiante.
Por ora, vale ressaltar ainda que, no conjunto de requerimentos analisados, também identifiquei proprietários em outras freguesias de Niterói. Em São Lourenço, mais próximo do centro urbano do município, cinco lavradores fizeram seus registros. Entre eles, dois proprietários de terras: Manoel Domingues Peres, que possuía um terreno com três casas edificadas à Rua do Galvão, no antigo terreno do Maruy; e Antonio de Souza Costa, com quatro datas de terras na Quebra do Fonseca. Neste terreno, ainda arrendava parcelas a outros três roceiros. Já o lavrador Antonio José Miranda tinha uma falua que saía do Porto de São Lourenço com produtos daqueles dois pequenos produtores e ainda outros tantos de sua própria roça. Em outro canto da área central da cidade, na freguesia de São João Batista, um único dono de terras se registrou, o sr. Candido Antunes dos Santos, que ocupava um pequeno pedaço (150 braças, ou cerca de 6 hectares) da Fazenda Santa Rosa, pelo qual pagou 5 contos de réis em 1883.
Atravessando a baía, duas regiões se destacavam como locais de moradia e lavoura dos roceiros registrados em 1885: Irajá e Inhaúma. No grupo de agricultores que vendiam gêneros no cais das Marinhas, 50 viviam na primeira freguesia e outros 47, na segunda. Assim como acontecia com as áreas rurais de Niterói, essas regiões suburbanas, nos arredores da cidade do Rio, também abasteciam o mercado consumidor carioca de gêneros agrícolas desde fins do século XVIII. Sem abandonar totalmente a produção açucareira, já nessa época os engenhos da região diversificaram seus cultivos, como uma forma de superar a crise que atingiu as exportações do açúcar e suprir a crescente demanda de alimentos na capital80 .
E os grandes proprietários dessas regiões já promoviam, nesse período, o arrendamento de suas terras a pequenos lavradores. À medida que crescia o fornecimento de mantimentos e outros produtos aos mercados da corte, novas fazendas iam sendo retalhadas e os escravos, substituídos por trabalhadores livres. Nas primeiras décadas do século XIX, o Engenho de Dentro, o Engenho da Pedra e o do Capão do Bispo, por exemplo, estavam divididos em parcelas alugadas a pequenos agricultores. Assim como em Niterói, esse recurso surgia como opção para boa parte dos senhores de engenho que, num contexto de crise, conseguiam manter suas propriedades e rendas, sem ter que realizar maiores investimentos de capital. E, por estarem muito próximos dos portos, da capital carioca e de seu crescente mercado consumidor, tornavam-se donos de terras cada vez mais valorizadas na zona rural. Pelas mesmas razões, os arrendatários locais também desfrutavam de posição privilegiada, sobretudo quando comparados a seus concorrentes nas áreas rurais mais distantes do centro urbano.
Em 1858, com a instalação da ferrovia D. Pedro II, cruzando terras em Cascadura, Engenho de Dentro, Piedade, Cupertino e Encantado, as fazendas se tornaram ainda mais valorizadas. Mais tarde, muitos proprietários tomaram a iniciativa de desmembrá-las parcialmente em loteamentos arruados para moradias. Pouco a pouco, às margens das estações ferroviárias e da estrada de Santa Cruz, foram se formando os primeiros bairros residenciais de Inhaúma, ocupados sobretudo por trabalhadores da cidade do Rio81. Mas esse processo ficou restrito à região oeste da freguesia. Em outros cantos, os antigos engenhos continuavam desmembrados em pequenas fazendas e sítios. E nem mesmo a inauguração da Estrada do Norte (depois Leopoldina), em 1886, alterou a vida rural dessas áreas.
Em Irajá, ainda predominavam as áreas agrícolas que abasteciam a capital carioca. Velhas fazendas, como a do Vigário Geral, a do Provedor e a de Nazaré, permaneciam em atividade. Sem contar os novos estabelecimentos ligados à agricultura, possivelmente originários das partilhas realizadas em parte dos antigos engenhos e/ou da atribuição de outros nomes aos já existentes, como as fazendas de Boa Esperança, do Thibau e do Frutuoso.
Podemos perceber um pouco desse cenário observando os locais de moradia dos lavradores inscritos na Câmara em 1885. Do conjunto de 97 registros de Irajá e Inhaúma, 47 (48,5%) contém algum tipo de informação sobre as roças, tais como endereço, nome do proprietário e valores do aluguel. O restante apenas incluía atestados de inspetores de quarteirão, confirmando que eram de fato “lavradores e moradores naquela freguesia”. Certamente porque quase todos eram apenas arrendatários das fazendas. Na Tabela 4, vemos que somente seis roceiros de Inhaúma eram donos de terras. Na Estrada da Penha, João do Rego Medeiros possuía uma situação na fazenda de dona Carolina Josepha Pinto. Já Antonio Carvalho Ribeiro tinha duas propriedades (uma delas arrendada) na estrada da Tapera82. Como não anexaram escrituras ou documentos mais detalhados, não temos como dimensionar o tamanho das propriedades ou mesmo obter informações sobre benfeitorias e gêneros cultivados.
Entre os arrendatários de Inhaúma, verificamos que o Engenho da Pedra foi citado por seis lavradores. O Campo dos Cardosos, por quatro; e a Estrada da Penha e Manguinhos, por três, cada um. Outros locais, como Pilares, o Campo de Bonsucesso, a Serra do Marreco e o Porto de Inhaúma, foram mencionados por apenas um ou dois locatários. Embora aqui também se observe poucos roceiros concentrados numa mesma propriedade, as fazendas indicadas ficavam bem próximas umas das outras. Nas bordas da Baía da Guanabara, o Engenho da Pedra ocupava, junto com o Engenho de Nossa Senhora da Ajuda, praticamente todo o litoral de Irajá e Inhaúma nas primeiras décadas do século XVIII. Dali, seguindo pelo rio Escorrimão – que cortava suas terras – chegava-se a Manguinhos. Ao sul, estendendo-se até as proximidades da Praia Pequena (hoje no bairro de Benfica), ficava o Engenho Novo. Ainda tinha a estrada da Penha (atual avenida Suburbana), que também atravessava seu terreno. Como ressalta Joaquim Justino dos Santos, o Engenho da Pedra “era o mais favorecido dentre os engenhos da freguesia, pelas diferentes formas de comunicação da época com a cidade”.83
Na vizinha Irajá, também notamos poucos arrendatários aglutinados numa mesma propriedade. Entre os endereços mais citados, estavam a Penha (4); a estrada de Brás de Pina (3), a estrada do Portela (3) e a fazenda do Sr. Cordovil (3). E assim como em Inhaúma, em geral essas propriedades, antigas produtoras de cana-de-açúcar, também ficavam uma ao lado da outra. O engenho do Provedor Francisco Cordovil de Siqueira, por exemplo, limitava-se com os rios Irajá e Brás de Pina, englobando as terras onde agora estão localizados os bairros de Cordovil, Parada de Lucas e Vista Alegre.84
Conforme vimos, apenas alguns roceiros de Inhaúma inscritos em 1885 eram proprietários de terras nessas áreas suburbanas do município neutro. Entretanto, muitos conduziam os gêneros de suas roças em embarcações próprias. Bem diferente das freguesias rurais de Niterói, em Irajá e Inhaúma o transporte de mercadorias encontrava-se mais pulverizado. Desfrutando de grande facilidade marítima, os agricultores do Recôncavo da Guanabara contavam com pequenos portos espalhados desde a Praia Pequena (mais tarde chamada de Praia de Benfica) até a desemborcadura da Pavuna, destacando-se o famoso porto de Maria Angu e o Porto do Velho em Irajá.85
Nos requerimentos enviados à Câmara Municipal, os lavradores dessas freguesias rurais citaram, para cada região, cerca de quinze barcos diferentes saindo todos os dias para o mercado da corte. Não é possível saber exatamente de que pontos do litoral de Inhaúma e Irajá partiam, uma vez que não forneceram essas informações. Ainda assim, examinando esses registros em conjunto, constatei outras situações que se repetiam ali. Por exemplo: havia muitos casos em que o lavrador conduzia, em barco próprio, tanto os gêneros de sua roça, como os de seus vizinhos. Era assim com José Marques, dono do bote 996 e morador no Engenho da Pedra, em Inhaúma. Diariamente ele partia para a Praça das Marinhas levando os produtos de sua lavoura e ainda as verduras e frutas que Joaquim da Rocha e Silva, Joaquim Antonio do Couto e João Alves Romarinz cultivavam em seus sítios arrendados no Engenho da Pedra.86
Também era muito comum que dois ou mais roceiros tivessem embarcações “em sociedade”. O português Manoel José Gomes e o espanhol Bento Martins, que alugavam uma situação na Fazenda de dona Ana Quintão, em Inhaúma, eram donos do bote 1082, onde carregavam os produtos de suas terras e também os dos lavradores portugueses Antonio Lamas e Vicente Alves da Fonseca, ambos moradores na mesma freguesia. Como abordarei em detalhes mais adiante, boa parte dos pequenos agricultores de Irajá e Inhaúma (e especialmente desta última área) era de imigrantes de Portugal. Demonstrando uma forte solidariedade, eles se uniam para apresentar suas solicitações à Câmara e vender frutas, legumes e verduras na praça, e também se tornavam sócios no transporte marítimo, embarcando seus gêneros e os de outros “companheiros”.
Ao comparar os dados sobre Irajá e Inhaúma com aqueles relativos às freguesias rurais de Niterói, constatamos que, de forma muito similar, as duas áreas – com a crise nas exportações do açúcar – especializaram-se no fornecimento de mantimentos de “primeira necessidade” para os mercados do Rio de Janeiro. Além disso, seus antigos engenhos foram, pouco a pouco, partilhados e alugados a pequenos agricultores. Mas algumas diferenças ficam evidentes num olhar mais atento. Se nas zonas suburbanas do município neutro as terras passaram por um crescente processo de valorização, sobretudo pela proximidade com o centro consumidor e o desenvolvimento do trans-porte ferroviário, o mesmo não se verificou em São Gonçalo e Cordeiros.
Para acompanhar um pouco desse processo, basta cotejar os valores dos aluguéis cobrados em cada região. Mesmo não dispondo de informações precisas sobre o tamanho dos terrenos arrendados, sabemos que se tratava, nos dois casos, de roças pequenas, descritas como “sítios”, “pedaços”, “situações” ou “datas”. Assim, é possível verificar, por exemplo, que – em dezembro de 1885 – o lavrador Manoel Alves Pacheco pagava 50 mil réis por um ano de arrendamento de “sítio e larguezas” nas terras da Fazenda do Engenho Pequeno, em São Gonçalo. No mesmo período, o português João Albino Machado desembolsava 52 mil réis por quatro meses de aluguel de um sítio na Penha, em Inhaúma87. Certamente os valores cobrados dependiam do tamanho e da localização das terras. Ainda assim, observamos que, enquanto nas áreas rurais de Niterói as taxas giravam em torno de 20 a 80 mil réis anuais, na zona suburbana do Rio os roceiros pagavam por volta de 15 mil réis mensais.
Por outro lado, nas duas regiões a escravidão encontrava-se em franca decadência. Em princípios do século XIX, tanto os pequenos proprietários como os chamados “sem terra” das freguesias de São Gonçalo e Cordeiros utilizavam o trabalho escravo nas suas unidades produtivas, o que lhes garantia uma razoável autonomia frente aos grandes fazendeiros. Os cativos, embora já velhos, auxiliavam em tarefas importantes, como o cuidado com cultivos, a organização e a limpeza da horta ou a alimentação de porcos e galinhas. Contudo, com o fim do tráfico negreiro, a compra de escravos passou a exigir uma considerável soma de dinheiro. Aos poucos, a renovação da escravaria foi se tornando impossível. Não obstante, às vésperas da Abolição, alguns ainda mantinham um ou dois cativos, num esforço de preservarem a autonomia anteriormente usufruída.88
Em Irajá e Inhaúma, o cenário era um pouco diferente. Como acontecia em Niterói, até mesmo os arrendatários mais pobres tinham um ou dois escravos. Contudo, já nas primeiras décadas do século XIX eles foram sendo substituídos por trabalhadores livres, que logo passaram a predominar ali. De acordo com Joaquim Justino dos Santos, paulatinamente os locatários foram se tornando não escravistas. Ao mesmo tempo, crescia a participação de pessoas livres e libertas nos serviços de transportes, no pequeno comércio e nas atividades mais especializadas nas fazendas.89
De maneira geral, há poucas referências à presença de escravos nos registros de 1885. O agricultor Manoel Antonio da Silva era dono de uma fazenda no Boassú, em São Gonçalo, e tinha cinco cativos, todos de “nação africana”, solteiros, com mais de 40 anos e do “serviço da roça”. Na mesma freguesia, Luiz Martins da Costa Guimarães era proprietário da metade da fazenda do Mutuá, de parte da casa de vivenda, de criados (provavelmente escravos) e senzalas. Também moradora da região, a lavradora Dona Leopoldina Bernarda de Assis possuía casas, benfeitorias de lavoura, terras, móveis e escravos (só não sabemos quantos). Para as áreas suburbanas do município neutro, ninguém mencionou que tinha cativos labutando em suas plantações.
Entre todas as licenças compiladas, somente um lavrador, Rufino José de Almeida, cita seu escravo como encarregado de vender produtos na Praça das Marinhas. Outros 33 agricultores mencionaram 43 empregados e comissários que também trabalhavam para eles no mercado e no transporte de mercadorias, mas não indicaram seu status legal. Nesse grupo, 22 encarregados eram de São Gonçalo (a maior parte executando tarefas para os donos de embarcações, sobretudo como carregadores e remadores) ; seis eram de Cordeiros; seis, de São Lourenço; e quatro, da Ilha do Governador. Outros locais, como Irajá, Maricá e Itaboraí, aparecem com apenas um cada. Nenhum comissário foi registrado em Inhaúma.
Embora não apontem se esses trabalhadores eram de fato escravos, libertos ou homens livres, é bem provável que existissem cativos e forros nesse conjunto. Em suas análises sobre as duas regiões, Motta e Santos lembram que, mesmo constituindo uma pequena minoria nessa época, alguns roceiros ainda mantinham pelo menos um escravo labutando em suas terras. Seriam então esses consignatários escravos dos pequenos lavradores? Com as informações apresentadas até aqui, não tenho como confirmar essa hipótese. Entretanto, é possível afirmar que seis desses empregados eram filhos dos próprios lavradores. Manoel Domingues Peres, dono de um terreno com três casas edificadas à Rua do Galvão, na freguesia de São Lourenço de Niterói, indicou seus dois filhos, Manoel Domingues Peres Junior e Antonio Domingues Peres, como vendedores dos produtos de sua roça no cais das Marinhas. Já Manuel Joaquim Ferreira, que também estacionava seus gêneros no mercado, era filho de João Pereira Ferreira, único lavrador da zona rural carioca que registrou um consignatário.
De outra parte, esses registros permitem verificar como os escravos em Irajá e Inhaúma estavam sendo suplantados por trabalhadores livres, especial-mente portugueses, conforme havia assinalado Joaquim Justino dos Santos. Tomando como bases os dados apresentados por Eulália Lobo para os anos de 1870 e 1871, sabemos que, dos 1.200 lavradores registrados na freguesia de Inhaúma, 735 eram livres (677 homens e 58 mulheres) e 465, escravos (407 homens e 58 mulheres). Por sua vez, em Irajá todos os 565 lavradores eram livres (490 do sexo masculino e 75 do feminino).90
Nessa época os imigrantes lusitanos já se destacavam nessas freguesias. De acordo com o Censo de 1872, a população geral da cidade do Rio de Janeiro alcançava o total de 274.972 indivíduos, dos quais 226.033 eram livres e 48.939, cativos. Dentre os livres, 73. 310, ou cerca de 1/3 da população, eram estrangeiros. E os portugueses constituíam uma esmagadora maioria nesse grupo, totalizando 55 933 pessoas, o que correspondia a 76, 29% da colônia estrangeira e 24,74% do total da população livre na cidade. 91 Como ressalta Lená Menezes, desde o término do comércio negreiro – e principalmente a partir dos anos 1870 – o processo imigratório estabeleceria dialética profunda com o da Abolição, tanto no campo quanto na cidade. Assim, as últimas décadas do Oitocentos foram marcadas por considerável aumento populacional, decorrente sobretudo dos processos internos de deslocamento e da imigração europeia, orientada no sentido da substituição do trabalho escravo na lavoura e nos ofícios urbanos. Embora os portugueses tenham se concentrando nas freguesias urbanas da cidade – como Santana, Sacramento e Santa Rita – já nessa época observa-se um movimento para as áreas de fronteira agrícola ou pesca, situadas nas zonas rurais do município neutro92. Em 1890, por exemplo, cerca de 19% dos 17.448 moradores de Inhaúma eram estrangeiros. Entre eles, contava-se 2.745 imigrantes de Portugal, o que representava 83% da colônia estrangeira que vivia na freguesia 93.
Ao solicitarem suas licenças na Câmara em 1885, os lavradores portugueses das zonas rurais do município do Rio fizeram questão de indicar sua nacionalidade e, em alguns casos, também sua idade e seu estado civil. Bem diferente de outras áreas, onde os pequenos agricultores não mencionaram sua procedência. Dessa forma, dos 97 roceiros de Inhaúma e Irajá matriculados naquele ano, 46 eram portugueses. Destes, 30 moravam na primeira freguesia, onde foram citados 14 endereços diferentes. Oito lavradores indicaram o Campo dos Cardosos e a Estrada da Penha. Outros locais, como a Estrada do Bonsucesso, a Serra do Marreco e Manguinhos, foram apontados por so-mente um ou dois. De Irajá, vinham outros 16 lusitanos, que também eram vizinhos, em lugares como o terceiro e o quinto quarteirões.
Quem sabe por essa proximidade, e sobretudo pelos fortes laços de solidariedade e identidade, muitos optassem por se inscrever em dupla. Há pelo menos 12 situações desse tipo. Os portugueses Miguel Antonio e Albino Miguel informaram, em seu requerimento, que eram moradores e lavradores no Campo dos Cardosos e possuíam a terça parte do bote 1054, onde carregavam produtos até o mercado das Marinhas. Seus vizinhos Antonio Lamas e Francisco Rodrigues, também procedentes de Portugal, trabalhavam juntos na praça e transportavam os gêneros da roça na embarcação de outro conterrâneo, o roceiro Manoel José Gomes, em sociedade com o espanhol Bento Martins94. Cabe mencionar ainda que nove portugueses informaram sua idade (a média ficava entre 30-40 anos) e oito falaram de seu estado civil (a maior parte era de casados).
Para finalizar a análise dos registros de inscrição dos pequenos lavradores, vale citar outras duas regiões que se destacaram, nem tanto por questões quantitativas, mas principalmente por incrementarem algumas discussões levantadas até aqui. Também na região suburbana do Rio, a Ilha do Governador – bem no meio da Baía da Guanabara – foi apontada como local de residência e lavoura por 18 agricultores. Como nas outras áreas examinadas, a produção canavieira foi sendo substituída por novos cultivos, destacando-se a produção de hortaliças, que abastecia a capital carioca. Em princípios da década de 1870, havia pelo menos 116 lavradores registrados na freguesia, dos quais 59 eram escravos e 57, livres.95 Mas, bem diferente dos agricultores das freguesias de São Gonçalo e da zona suburbana do Rio, os da Ilha do Governador não forneceram, nas inscrições remetidas à Câmara Municipal, maiores detalhes sobre suas terras e cultivos. Dessa forma, não foi possível realizar um exame tão acurado como o que foi feito para as outras áreas. De qualquer maneira, para efeitos comparativos, importa assinalar que – muito semelhante ao que ocorria em Inhaúma – os lavradores tendiam a criar sociedades para transportar e vender suas mercadorias na corte. E, conforme vimos, alguns também mantinham comissários no mercado da corte.
Do outro lado da Baía, a vila de Maricá, na comarca de Itaboraí, era mais uma a aparecer na lista de moradia dos roceiros. Com a expansão da produção canavieira na província fluminense (especialmente em Campos), as grandes fazendas de Maricá se voltaram para o cultivo de café. Mandioca, milho, feijão, legumes e frutas ocupavam lugar secundário, abastecendo os mercados de Niterói e da capital carioca. Ainda assim, em 1852, 13 engenhos continuavam em funcionamento.96 Como na Ilha do Governador, os dados sobre os lavradores que trabalhavam – ou tinham representantes – no cais das Marinhas são escassos. Ressalto então que, dos cinco inscritos em 1885, três eram vizinhos e proprietários de pequenas situações. Entre eles, estava Manoel Antonio Dias Galvão, com dois encarregados que conduziam “cargas de criação” até
o mercado da capital. Para comprovar que era mesmo dono de uma pequena fazenda, Galvão anexou a seu requerimento uma extensa carta de adjudicação passada em seu favor em agosto de 1880.
Até os anos de 1870, ele morava no termo do Alecrim, ali mesmo em Maricá. Por essa época, outro lavrador da região, Joaquim Pereira da Costa, lhe devia um conto e 800 mil réis, além dos prêmios estipulados por uma letra de terra aceita em 25 de fevereiro de 1876. Como haviam se passado mais de três anos e Costa nem saldava a dívida, nem aparecia para uma conciliação, Manoel Galvão decidiu cobrar a quantia em juízo. O resultado foi a penhora de todos os seus bens e a transferência de posse para Galvão. A descrição do patrimônio de Joaquim da Costa feita pelos oficiais de justiça permite visualizar um pouco da vida dos pequenos produtores da vila de Maricá na década de 1870.
Bem no alto da Serra do Cambory, a situação contava com uma casa de vivenda grande e velha, coberta de telhas e caiada, com dois quartos e mais dependências. Logo ao lado, uma outra construção abrigava a cozinha. Subindo o terreiro, onde ficava o trem de farinha, havia mais uma casa, também com dois quartos. Grudada a esta, ficava a senzala. Eram quatro os escravos que viviam ali: o preto Marcolino; a crioula Eva; a preta de nação Thomazia, já bem idosa, e o crioulo Bernardo, que estava aleijado. Ainda havia mais três edificações na propriedade, numa das quais residia Fernando Cardoso de Carvalho. Ao redor, contavam-se cafezais (que chegavam a quase 2 mil pés), laranjais, bananeiras, seis jabuticabeiras grandes, sete limoeiros e 12 enxertos novos, que davam fruto. A lista de bens ainda incluía móveis (mesas, cadeiras, bancos, tamboretes, baús, armários); instrumentos de trabalho (pilões, engenho de mandioca, terno de fazer farinha, fornalha, roda de cevar mandioca, prensa de dois furos, machado, foices, cangalhas) e outros objetos, como tábuas, portas e janelas. Tudo somado valia 2: 413$600.
Entre os 312 lavradores inscritos em dezembro de 1885, somente Manoel Antonio Galvão apresentou um documento tão detalhado sobre as terras que cultivava desde meados dos anos 1870. Não sabemos se, depois de quase dez anos, a fazenda mantinha essa mesma disposição. De qualquer maneira, a descrição é próxima daquela feita por Márcia Motta para as freguesias rurais de Niterói, a partir dos inventários de pequenos agricultores. Eram quase sempre propriedades pequenas ou medianas, com plantações diversificadas, com utilização de técnicas para incrementar a produção e um número pequeno de escravos. Como vimos na análise conjunta dos registros das principais regiões mencionados pelos roceiros-vendedores, em meados da década de 1880, com a escravidão em crise, a maior parte dos lavradores que vendia seus produtos na corte alugava diminutos pedaços de terras, contando somente com seu próprio trabalho e, às vezes, com parentes, vizinhos e outros companheiros.
Mas quem desse grupo havia de fato participado do movimento grevista de 1885? Como destaquei logo no início, as folhas de inscrição foram enviadas à Câmara após o fim da greve – em dezembro de 1885. Portanto, não é possível afirmar que foram exatamente esses trabalhadores que organizaram a movimentação daqueles dias de outubro. Não obstante, conforme também assinalei anteriormente, muitos já haviam participado de outros protestos na Praça das Marinhas. Além disso, confrontando os registros enviados à mu-nicipalidade com as notícias sobre a greve publicadas na imprensa, consegui identificar pelo menos 28 indivíduos que teriam participado do movimento.
Já vimos que vários donos de embarcações de São Gonçalo assinaram a petição remetida ao Ministério do Império em 6 de outubro, primeiro dia do movimento grevista. Nesse grupo, estava a proprietária Margarida Bazin Desmarest, que também foi representada por seu filho Carlos Francisco Desmarest e seu neto Paulo José Leroux.
Este último teve uma atuação ainda mais direta, comandando uma reunião com cerca de duzentos lavradores numa casa na Rua do Ourives. As informações sobre essa assembleia são sucintas. De acordo com o Diário de Notícias de 7 de outubro, Leroux mostrava-se bem articulado, falando contra as barraquinhas e anunciando que já havia combinado com a empresa da Praça da Harmonia para que as vendas fossem transferidas para o local, caso o impasse com a Câmara e os empresários não fosse resolvido.97 Ainda esmiuçando a petição encaminhada ao governo, verifiquei que, entre os 57 lavradores que organizaram este abaixo-assinado, estavam 20 que residiam na freguesia de São Gonçalo. Destes, pelo menos seis eram consignatários dos proprietários de barcos na região. Também havia três roceiros de Cordeiros, um outro de Itaboraí (que era consignatário), um da Ilha do Governador e um de Irajá. Esses dados vêm mais uma vez confirmar que os pequenos proprietários de embarcações, que monopolizavam o transporte de mercadorias das áreas rurais de Niterói para a corte, estavam diretamente envolvidos na greve da praça.
Por outro lado, também encontrei, nos registros da imprensa, uma lista com os nomes de 17 pequenos lavradores detidos nos largos do Pedregulho, Benfica e Praia Pequena (freguesias de Irajá e Inháuma), no dia 11 de outubro de 1885. Levados para a Casa de Detenção, não ficariam nem cinco dias ali. Embora o Arquivo do Estado do Rio de Janeiro guarde diversos volumes com as fichas de entrada de presos na Detenção, justamente o período de outubro de 1885 não consta da documentação conservada. Assim, não foi possível identificar em detalhes esse grupo de grevistas. Porém, cotejando a relação de presos publicada no Diário de Noticias com as licenças enviadas à municipalidade em dezembro daquele ano, localizei um único lavrador, o português José Maria Soares, morador em Pilares, em Inhaúma, e também dono, em sociedade com o conterrâneo José Manoel Ribeiro, da terça parte de um bote.98
Mesmo sem ter maiores informações sobre outros lavradores-grevistas dessas áreas suburbanas do Rio, consegui perceber – a partir do noticiário sobre a greve – que aqueles que optaram por ações mais diretas, e até mesmo violentas, vinham dessas regiões. De outra parte, os roceiros das freguesias rurais de Niterói – entre os quais a maior parte dos pequenos proprietários de terras e/ou embarcações registrados na Câmara – adotaram uma postura mais “pacífica”, preferindo encaminhar abaixo-assinados ou negociar acordos com vereadores e empresários.
***
Um outro grupo de trabalhadores, que praticamente não aparecia na documentação enviada à Câmara Municipal, também se destacou no noticiário sobre o movimento grevista. Entre os inscritos em dezembro de 1885, encontramos apenas sete mulheres registradas, todas pequenas lavradoras das áreas rurais de Niterói. Quase sempre viuvas, que davam continuidade aos negócios de seus falecidos maridos e tinham consignatários vendendo seus gêneros no cais das Marinhas. Contudo, um olhar mais atento para revistas e jornais ilustrados, fotografias e também alguns documentos municipais evidencia a presença de mulheres negras, vendedoras de quitandas, que também atuaram na greve armada no mercado.
No dia 10 de outubro de 1885, o jornal O Mequetrefe publicou uma sequência de quadros ilustrados (semelhante a uma história em quadrinhos) retratando os conflitos da Praça das Marinhas (ver pg. 137). No primeiro quadro, vemos como era a praça “há poucos dias” do movimento grevista. Como é dito na legenda, “aí, os pequenos lavradores traziam diariamente os produtos do seu aturado trabalho, abastecendo a população com os legumes indispensáveis” 99.
Observando atentamente as imagens, identificamos os antigos chapéus de sol (que seriam substituídos pelas polêmicas barraquinhas), cestos com legumes e frutas e uma pequena multidão que incluía fregueses (senhoras bem vestidas acompanhadas de seus maridos de fraque e cartola, empregadas domésticas, etc), pequenos lavradores (quase sempre caracterizados com cavanhaques, chapéus e pés descalços) e ainda negras quitandeiras, acocoradas junto de seus cestos e tabuleiros, ostentando turbantes e vestindo saias rendadas. Mas esse burburinho logo foi interrompido pela “especulação” que veio “atravancar a praça com umas relés barracas, transformando um logradouro público em fonte de receita e exigindo uma exorbitância pelo aluguel”. Ao invés de fazerem uma “greve revolucionária”, uma “conflagração de pepinos e abóboras”, os pequenos mercadores resolveram adotar “medidas pacíficas”: além de deixar em paz as “celebérrimas barracas de leguminosa memória”, foram “pacificamente pedir garantias para o seu pequeno comércio” ao Jornal do Commercio, à Gazeta de Notícias, à Gazeta da Tarde...
Fechando a cobertura da greve, o Mequetrefe lembrava galhofeiramente, nos últimos quadros da sequencia ilustrada, aqueles que também haviam sido diretamente afetados pelas “relés barracas”. Numa mesa de jantar, um senhor carrancudo come um beef sem salada, o que nitidamente lhe parecia “insuportável”. Logo ao lado, duas negras quitandeiras, uma delas equilibrando um tabuleiro à cabeça e com um bebê amarrado às costas, entabulam a
seguinte conversa:
– Eh! Eh! gente!...tá vendo máma?
– Agola, di qui nosso [sic] vai vive?100
A presença dessas vendedoras, com os sinais diacríticos característicos das mulheres africanas, como o uso de turbante, pano da Costa e tabuleiro, não é apenas um mero detalhe, uma vez que, além de evidenciar a diversidade étnica e de gênero presente ali, também revela um outro olhar sobre aquele espaço social. Se os grandes jornais da corte praticamente não faziam referências a essas mulheres, quando da movimentação grevista, e os registros do Mequetrefe pareciam exceções à regra, outros documentos iconográficos demonstram que quitandeiras e pequenos lavradores já marcavam as relações de trabalho na Praça das Marinhas desde pelo menos meados do século XIX.
Por volta de 1875, o fotógrafo Marc Ferrez registrou vendedoras negras no interior do mercado, nos seus arredores e no cais das Marinhas101 . Tanto a mercadora da Praça do Mercado, como as outras quitandeiras fotografadas apresentam os sinais já evidenciados nos quadros d’O Mequetrefe: turbantes e panos da Costa. Contudo, enquanto a primeira, uma negra livre (só pessoas livres podiam alugar bancas ali no interior), está vestida com trajes mais “aprumados” e ainda dispunha de diversos colares, as demais, certamente escravas, usavam saias e panos mais simples e mantinham os pés descalços.
Essas imagens são bem próximas das descrições das africanas minas, que pareciam dominar o mercado de vendas ambulantes no Rio de Janeiro, feitas por viajantes estrangeiros e também constantes de anúncios de fugas de cativas publicados nos jornais da capital, de documentos municipais e de outras ilustrações oitocentistas102. Veja-se, por exemplo, os registros da francesa Adèle Toussant-Samson, em sua passagem pela cidade na década de 1850:
Na frente do palácio [Paço], encontra-se o Mercado, que é realmente um dos locais mais pitorescos da cidade. Ali, grandes negras Minas, com a cabeça ornada de uma peça de musselina formando turbante, o rosto todo cheio de incisões, usando uma blusa e uma saia por toda vestimenta, estão acocoradas em esteiras junto de suas frutas e de seus legumes; ao lado delas estão seus negrinhos, inteiramente nus.
Aquelas cujos filhos ainda mamam carregam-nos atados às costas por um grande
pedaço de pano raiado de todas as cores, com o qual fazem dar duas ou três voltas em torno do corpo, depois de ter previamente posto o filho contra suas costas, os pés e os braços afastados [...]103 .
Os naturalistas Luiz e Elizabeth Agassiz, chegados ao Rio em 1865, também foram seduzidos pelo “exotismo” e distinção das quitandeiras minas, que sempre traziam “a cabeça coberta com um alto turbante de musselina e um longo xale de cores brilhantes, ora cruzados sobre os seios ora negligentemente atirados ao ombro”. Depois de encontrá-las nas proximidades da Praça do Mercado, Elizabeth registraria que
[...] esses negros atléticos, de rosto distinto e tipo mais nobre que o dos negros dos Estados Unidos, são os minas, originários da província da Mina na África Ocidental. É uma raça possante, e as mulheres em particular têm formas muito belas e porte quase nobre. Sinto grande prazer em contemplá-las na rua ou no mercado, onde se vêem em grande número, pois as empregam mais como vendedoras de frutas e legumes que como criadas.”104
É certo que essas imagens e estereótipos eram, em parte, reflexo ou releituras do olhar senhorial, que tinha os minas como superiores e, ao mesmo tempo, como potenciais vetores das temidas revoltas escravas.105 Além disso, também indicavam a existência de uma rede de autores que produziam suas obras partindo de filtros, intenções e formatos variados em torno de uma mesma realidade social, cujos sujeitos lhes ofereciam desafios e opções de registro.106 Contudo, examinando outros documentos das primeiras décadas do século XIX, como registros de prisão na Casa de Detenção, anúncios de escravos fugidos publicados na imprensa e ofícios municipais, confirmamos que os minas de fato se destacavam entre os quitandeiros africanos que perambulavam pelas ruas ou estacionavam em alguns pontos fixos da cidade107. No Diário de Notícias de 16 de julho de 1836, um senhor anunciava:
Fugiu no dia 29 de junho passado uma preta de nação mina, ladina, bem falante, com sinais seguintes: alta, magra, proporcionada, bonita, bem feita, e com bons dentes, levou camisa de algodão americano, vestido de riscadinho escuro, um lenço no pescoço e outro amarrado na cabeça, à maneira costumeira das pretas da Bahia, e um pano de riscado da costa com que se costuma embrulhar; ela anda pela cidade porque foi encontrada na Rua do Ouvidor e no largo do Capim em companhia de uma outra preta mina que vende galinhas no largo do Capim e tem casa no Valongo, onde mora.
De outra parte, os africanos dessa “nação” também se destacavam entre os arrendatários das bancas na Praça do Mercado, muitos dos quais portugueses e brasileiros brancos. Numa pesquisa preliminar feita nos 17 códices sobre o Mercado da Candelária guardados no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, e nas listas de mercadores da praça publicadas anualmente no Almanak Laemmert entre o período de 1844 e 1889, verifiquei que, durante mais de vinte anos, todo um corredor do mercado estava ocupado por homens e mulheres da Costa da Mina108. Há histórias como a do forro Luiz Laville, que arrendava a banca 41, uma pequena quitanda de verduras iniciada por sua mulher, a preta mina Felicidade Maria da Conceição. Vendendo peixe na barraca 77, a preta forra mina Rosa Maria Rocha dava continuidade ao negócio de seu marido e companheiro de “nação”, Antonio Francisco Ramos, falecido em 1852. Já a liberta mina Emília Soares do Patrocínio, ao lado de seu marido, o também mina Joaquim Manuel Pereira, era locatária de três barracas para venda de aves e verduras e ainda possuía outros três tabuleiros, com os quais suas escravas mercadejavam ali na praça e pelas ruas da cidade109 .
Em 1885, não encontramos tantos africanos assim no Rio de Janeiro e as quitandas há muito já estavam ocupadas por seus descendentes e também por trabalhadores brancos, especialmente os imigrantes portugueses.110 Assim, quando a categoria é mencionada nos grandes jornais que noticiavam a movimentação de outubro, não localizamos referências explícitas às especificidades étnicas de tempos passados. Além disso, podemos supor que as quitandeiras que teriam participado da greve eram consignatárias dos pequenos lavradores, um costume comum na praça111, ou então, e isso é sugerido pelo próprio Mequetrefe, que se encaminhavam até ali para comprarem os gêneros que venderiam pelas ruas da cidade.
No entanto, como a própria sequência de ilustrações do Mequetrefe deixa entrever, a participação dessas vendedoras estava longe de ser apenas esporádica. No quadro em que se retrata a luta “pacífica” armada pelos grevistas, vemos um homem discursando sobre montes de laranjas, enquanto outros mercadores e quitandeiras, em pé ou sentados sobre cestos, frutas e legumes, estão atentos ouvindo. Se nos quadros seguintes não encontramos mulheres caminhando até a Rua do Ouvidor para pedir apoio aos jornais da corte, isso não quer dizer, necessariamente, que elas não participassem da organização dos protestos, ou mesmo influíssem nas resoluções tomadas. Uma outra charge, publicada no jornal ilustrado naquele mesmo 10 de outubro de 1885, fornece mais pistas para essa hipótese.
Ocupando uma página inteira da publicação e intitulada “O que é ser príncipe!”, apresenta o encontro de uma quitandeira, reproduzida com seu tabuleiro de frutas, e um negro elegante, trajando fraque, cartola e luvas, trazendo à mão bengala e guarda-chuva, e ainda ostentando sobre o nariz um pince-nez. Trava-se então o seguinte diálogo:
– Abença? ...Home, esse greve, esse greve!...Um!...tá bão...Vossucê percisa fazê o escrevê a imperadô, desse cosa q si chama ballaquinha que tá lá na Plaça.
– Oh!...vai acabar. Já tenho alguns artigos prontos!112
A figura elegante que se dispõe a ajudar a quitandeira era ninguém menos que Dom Obá II D´África, o famoso “Príncipe do Povo” das ruas do Rio de Janeiro. Este filho de africano forro, batizado como Cândido da Fonseca Galvão, era um baiano da cidade de Lençóis, que participou como oficial do Exército brasileiro na Guerra do Paraguai e depois veio viver entre a gente da “Pequena África” na capital carioca. Transitando por espaços diversos, era um líder popular, reverenciado e sustentado pela comunidade negra da corte. Considerado “meio amalucado” pela elite, era o primeiro a chegar às audiências públicas que o imperador D. Pedro II concedia aos sábados na Quinta da Boa Vista e tinha voz ativa na imprensa da época113. Como é possível observar em diferentes registros, seu “reinado” estava circunscrito a uma parcela da população africana, crioula e miscigenada, composta tipicamente por escravos, libertos e homens livres. Entre esse grupo, destacavam-se as quitandeiras do Largo da Sé e os negros minas, que, “convencidos de sua hierarquia, prestavam-lhe homenagens reais, beijando-lhe a mão, que ele trazia sempre enluvada”.114 Além dessas reverências, os súditos do Príncipe do Povo também lhe ofertavam tributos, com os quais ele se mantinha e aproveitava para divulgar suas ideias na imprensa, seja com matéria paga ou, mais raramente, com folheto avulso.
Não temos como atestar se os desenhistas e redatores do Mequetrefe real-mente presenciaram um encontro entre Dom Obá e a quitandeira da Praça das Marinhas. Embora isso tenha sido perfeitamente possível, descobrir a veracidade desse fato talvez não seja o mais importante aqui. De todo modo, cabe ressaltar que a representação desse encontro, que se valia do tom galhofeiro característico do periódico, demonstra que as negras quitandeiras, quem sabe alguma preta mina, não só estavam presentes na praça e no próprio movimento de outubro de 1885, como sua atuação política provavelmente estava longe de ser episódica. Nos dias que se seguiram à publicação daquelas ilustrações, só muito raramente O Mequetrefe voltou ao tema da greve, em pequenas notas ou em registros mais amplos sobre o conturbado mês de outubro115. Mas ainda é possível atestar a participação dessas vendedoras analisando outras fontes.
Na Revista Illustrada daquele mês de outubro, uma sequência de pequenos quadros, sob o título de “Greve dos legumes” (Fig. 5), criticava, com seu costumeiro olhar zombeteiro, a carestia dos alimentos que assolava a cidade, como consequência do movimento grevista. Os legumes estavam um “despropósito”. Fregueses reclamavam que uma omelete valia vinte mil réis. E brincos de rabanetes e chapéus com legumes já estavam virando “jóias” e “presentes” disputados. Para castigar os vereadores, que “lograram” um logradouro público, sugeriam um castigo exemplar: fechá-los num quarto com meia dúzia de furiosas quitandeiras. Se depois de dez minutos não endoidecessem, seria porque tomaram “o expediente de atirar-se pela janela”. Como se pode notar nos dois quadros que retratam a “revolta” das negras vendedoras (Fig. 6), a caracterização dessas mulheres também seguia as imagens vistas anteriormente: turbantes e panos da costa atados à cintura.
Recorrendo às atas das sessões da Câmara Municipal de 1884, quando os
vereadores já discutiam os termos do contrato das barraquinhas, localizamos mais indícios sobre a presença dessas mulheres na Praça das Marinhas. De acordo com um dos vereadores presente à sessão de 4 de dezembro, a “grita levantada” por alguns jornais não se guiava pelas queixas dos lavradores, simplesmente porque eram raros os que estacionavam na praça. A maior parte só desembarcava seus gêneros ali para que as quitandeiras os vendessem. Os verdadeiros instigadores da greve de 1885 eram “alguns especuladores bem conhecidos”, que exigiam de “grande número de quitandeiras, que estacionam seus tabuleiros ou cestas junto às portas externas da Praça do Mercado, a capitação mensal de trinta a quarenta mil réis”. Segundo um dos vereadores, seria essa verdadeira razão da “celeuma levantada contra os concessionários”, que não vinha dos lavradores ou das quitandeiras que paravam na praça, já que a contribuição que deviam pagar era muito inferior aos ônus que estavam sujeitos.116
Com o desenrolar do movimento grevista, ficou claro que a situação não era bem assim. Os registros analisados até aqui permitem afirmar que os protestos de outubro de 1885 foram levados adiante por pequenos lavradores (que eram também vendedores dos produtos cultivados em suas terras e, muitas vezes, condutores das embarcações) e por quitandeiras, entre as quais algumas que trabalhavam para os próprios roceiros. No meio deles, certamente estavam também outros vendedores ambulantes e também alguns pombeiros.
Como constatei na documentação municipal e na imprensa, os pequenos lavradores e as quitandeiras muitas vezes disputavam espaço com os chamados pombeiros, “mercadores avulsos” que ofereciam principalmente peixe fresco pelas ruas e mercados da cidade, e atuavam como prepostos de pequenos comerciantes e lavradores117. No início do século XIX, eram sobretudo os cativos das “nações” mina, cabinda e congo que se ocupavam do “negócio de pombear”. Mas, a partir da década de 1850, libertos africanos e crioulos, brasileiros brancos, portugueses e até mesmo chineses também passaram a se dedicar a este ramo do pequeno comércio. E desde pelo menos os anos 1860 já se observam conflitos entre eles e alguns dos roceiros instalados no cais das Marinhas.
Num abaixo-assinado enviado à Câmara em novembro de 1869, lavradores de Inhaúma e Irajá, todos “cidadãos brasileiros e portugueses”, reclamavam das licenças que a municipalidade tinha concedido aos pombeiros e especuladores, “a maior parte vadios e sem domicílio, que vantagem nenhuma oferecem ao país”. Ao ocuparem os grandes chapéus de sol colocados ali na praça, eles acabavam usurpando-lhes espaço e consumidores.118 E mesmo empresários e alguns vereadores também reclamavam desses vendedores ambulantes. Em 1881, o comendador Antonio José da Silva, arrendatário das bancas da Praça do Mercado e dos chapéus de sol nas Marinhas, pedia que a Câmara proibisse as “imundas tábuas [para venda de peixe] que ali existem dos pombeiros que nada pagam de aluguel nem de direitos à Ilma. Câmara”, e ainda promovem “abusos e imundícies”.119 Quatro anos depois, os empresários do consórcio Oliveira & C. exigiam, depois de terminada a greve, que os vereadores adotassem medidas que garantissem os direitos dos pequenos lavradores ao “referido lugar que lhes foi concedido, de modo a distingui-los perfeitamente dos chamados pombeiros, que promiscuamente procuram localizarem-se no logradouro para aqueles destinado”.120
Assim, parece que os pombeiros não só disputavam espaço com os pequenos lavradores, como angariavam antipatias com os concessionários da praça, talvez porque gozassem de liberdade para ali “fazer o seu negócio”. Quem sabe também os roceiros, em sua maioria portugueses e brasileiros brancos, estivessem envolvidos em disputas étnicas e raciais com os pombeiros (muitos dos quais certamente descendentes de africanos), aproveitando assim o conflito de outubro de 1885 para resolver questões antigas? Certamente esta é uma possibilidade, já que, desde a década de 1870, a competição por espaço no mercado de trabalho urbano e também pela sobrevivência na cidade acirrava rivalidades entre africanos e imigrantes europeus. Em maio de 1872, por exemplo, cinquenta “pretos ganhadores”, que costumavam carregar carne-seca em canoas até a Praça das Marinhas, brigaram com 12 trabalhadores brancos “ocupados naquele mesmo serviço”. Poucos dias antes, os pretos haviam exigi-do um aumento de vinte réis aos donos da carne-seca. Como não quisessem se sujeitar a essa exigência, os patrões resolveram chamar trabalhadores brancos. Inconformados com a nova situação, os ganhadores voltaram às 12 horas do dia 2 de maio, “armados de cacetes e um deles com uma foice”, assaltaram os novos trabalhadores, travando-se “luta renhida”, só debelada após a atuação de um capitão e de praças da guarda urbana. Ao noticiar a contenda, o Diário do Rio de Janeiro destacara que os pretos carregadores teriam feito “uma pare-de” 121, “à moda da Costa da Mina”, o que acabou provocando a prisão de sete escravos e um negro liberto. 122
Seja como for, constatamos que, sem dúvida, a greve de outubro de 1885 foi armada por pequenos lavradores das áreas rurais do Rio de Janeiro e de Niterói, e também por quitandeiras, entre as quais muitas que trabalhavam para aqueles mercadores. Para além da experiência em comum na labuta cotidiana no grande mercado da Corte, boa parte estava unida por laços de amizade, vizinhança, familiares ou étnicos. Nem sempre os interesses desses trabalhadores do pequeno comércio estavam tão alinhados. Ainda assim, reinventando velhas tradições culturais e políticas e reforçando identidades, iam definindo os contornos da classe de pequenos comerciantes ocupados no grande mercado de gêneros alimentícios da capital do Império.
Como nos últimos anos vem mostrando a historiografia sobre os movimentos operários, a diversidade, a divisão e os conflitos internos são características sempre presentes na formação da classe trabalhadora. Unidade e cisão coabitam a classe, e a análise desses dois aspectos deve sempre ser contextualizada e submetida à lógica da mudança histórica. Conforme enfatizam os organizadores do livro Culturas de classe, devemos dar conta da diversidade das atitudes sociais de acordo com sua variabilidade no tempo, sem deixar de abordar também os mecanismos inte(g)rativos que dão forma e conteúdo a valores culturais compartilhados. “Afinal, tanto elementos sociais e culturais desagregadores quanto estratégias de resolução ou atenuação dos conflitos em busca de unidade fazem parte das experiências vividas pelas coletividades operárias” 123.
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NOTAS
1. CF. GOMES, Flávio dos Santos. “História, protesto e cultura política no Brasil escravista”. In: SOUZA, José Prata de. (org.) Escravidão: ofícios e liberdade. Rio de Janeiro: Aperj, 1998, p. 66. LINHARES, Hermínio. Contribuição à história das lutas operárias no Brasil. 2ed. São Paulo: Alfa-Ômega, 1977, p. 3. MATTOS, Marcelo Badaró. “Greves e repressão policial aos sindicatos no processo de formação da classe trabalhadora carioca (1850-1910)”. In: MATTOS, M. B. (org). Trabalhadores em greve, polícia em guarda. Greves e repressão policial na formação da classe trabalhadora carioca. Rio de Janeiro: Bom Texto/Faperj, 2004, p.33. POPINIGIS, Fabiane. Proletários de casaca: trabalhadores do comércio carioca. Campinas: Editora da Unicamp, 2007. Para Salvador, ver: REIS, João J. “A greve negra de 1857 na Bahia”. Revista USP, 18, 1993, pp. 8-21.
2 MATTOS. Op. cit., p.33.
3 Cf. FORTES, Alexandre. “O direito, a lei e a ordem. Greves e mobilizações gerais na Porto Alegre da primeira República”. In: LARA, Silvia H. & MENDONÇA, Joseli Maria Nunes Mendonça. Direitos e justiça no Brasil. Ensaios de história social. Campinas: Editora da Unicamp, 2006, p. 344.
4. PERROT, Michele. Workers on strike, 1871-1890. Nova Haven/Londres: Yale University, 1987, pp. 4-5. Cf. MATTOS, Marcelo Badaró. Experiências comuns: escravizados e livres na formação da classe trabalhadora carioca. Tese apresentada para concurso de professor titular de História do Brasil da UFF, 2005.
5 CORACY, Vivaldo. Memórias da cidade do Rio de Janeiro. 3 ed. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1988, p.60. Em 1638, a Câmara do Rio estabeleceu que os pescadores venderiam suas mercadorias no trecho que compreendia a Praia de Nossa Senhora do Carmo até a porta do Governador, ou seja, entre a atual Praça XV e a Rua da Alfândega. Cf. FRIDMAN, Sergio A. & GORBERG, Samuel. Mercados no Rio de Janeiro. 1834-1962. Rio de Janeiro: S. Gorberg, 2003, p. 2.
6 Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (doravante AGCRJ), Ofício da Secretaria de Estado de Negócios para o Senado da Câmara de 21/04/1823.
7 Cf. FRIDMAN & GORBERG, Op. cit., p. 12. CORACY, op. cit.
8 Almanak Laemmert,1844, p. 239. Cf. Regulamento da Praça do Mercado, apresentado em sessão da Câmara Municipal de 17 de novembro de 1843 e publicado em edital no dia 20 de agosto de 1844, transcrito em: FRIDMAN & GORBERG, op. cit., pp. 14-23.
9 EWBANK, Thomas. A vida no Brasil, ou diário de uma visita ao país do cacau e das palmeiras. Rio de Janeiro: Conquista, 1973, p. 84.
10 AGCRJ, Códice 61-2-17: Mercado da Candelária (1870-1879), p.28.
11 AGCRJ, 61-2-11: Mercado da Candelária (1869), p. 10.
12 Almanak Laemmert, 1875, pp. 839-840.
13 AGCRJ, Códice 61-2-17: Mercado da Candelária (1870-1879), p.28.
14 AGCRJ, Códice 46-1-6: Lavoura do município – Projetos, medidas de defesa, mercados da pequena lavoura, etc., p. 5-7.
15 SOUZA, Juliana Teixeira. A autoridade municipal na corte imperial: enfrentamentos e negociações na regulação do comércio de gêneros (1840-1889). Tese de doutorado apresenta ao Departamento de História da Unicamp, Campinas, 2007, pp. 190-193.
16 . A reconstrução dos acontecimentos apresentada a seguir está em diversos jornais e revistas publicados no período, guardados no acervo de periódicos e periódicos raros da Biblioteca Nacional, como O Diário de Notícias, O Paiz, Jornal do Commercio, Gazeta de Notícias, O Mequetrefe, Revista Illustrada, entre outros.
17. AGCRJ, Códice 58-3-39, “Barracas na praça das Marinhas e à margem do caes da
doca da praça do Mercado, em substituição aos ‘chapeos de sol’”, colocados na mesma área”, folha 4.
18. O consórcio Oliveira & C. deveria, para construir as barracas e explorar o local, pagar
uma joia de 20:000$000, locação de 5:000$000 anualmente, além de outras obrigações, como: asseio do terreno, consertos, arborização – gastos superiores a 50:000$000 no 1o biênio, e no resto do prazo em cerca de 18:000$000 anual. AGCRJ, Códice 58-3-39, “Barracas na praça das Marinhas e à margem do caes da doca da praça do Mercado, em substituição aos ‘chapeos de sol’”, colocados na mesma área”, folha 2.
19 Jornal do Commercio, “A barraca do cais da doca”, 6 de outubro de 1885, p. 2.
20 Jornal do Commercio, Gazeta de Notícias, O Paiz, Diário de Notícias, “As barracas da Praça das Marinhas e a greve”. 6 de outubro de 1885. Uma opinião bem próxima à dos vereadores, que aprovaram o contrato em sessão de 30 de outubro de 1884, por reconhecerem que “as vantagens que resultarão desse melhoramento, não só para a fiscalização, como para a higiene daquele local na dita Praça”. AGCRJ, Códice 58-3-39, op. cit., folha 8.
21 Idem, folha 33.
22 Gazeta de Notícias, 9 de outubro de 1885, p. 1.
23 MAGALHÃES JUNIOR, Raimundo. A vida turbulenta de José do Patrocínio. Rio de Janeiro: Sabiá, 1969, p. 121. Cf. SODRÉ, Nelson W., História da imprensa no Brasil. 4 ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, pp. 234-239.
24 . “Justo protesto”. Gazeta da Tarde, 8 de outubro de 1885, p.1.
25. Diário de Notícias, 6 de outubro de 1885, “A greve das hortaliças”, p. 1. No dia seguinte, novos versinhos foram publicados por Violino (pseudônimo de um dos redatores do jornal): “Não vem mais barco da roça / Parece verso...e é troça... / A greve continuou / Na barraca inaugurada; / Muito peru amuou / Quanta canoa encalhada! * Não são p’ra graça os barqueiros / Nem na pachorra são santos / Não lhes querem dar os cantos / Não dão eles... os canteiro s! * Era isso o que se esperava; / Não há’hinada de novo... / Pois eles, à fava...o povo! * Oh Cam’ra que te conservas / Nas encolhas, vê que estado! / Há um mercado p’ras ervas / Sem ervas para o mercado!”
26 O Paiz, 9 de outubro de 1885, p.1.
27 Gazeta de Notícias, 10 de outubro de 1885, p.1.
28 “A crise dos legumes”. Gazeta de Notícias, 10 de outubro de 1885, p.1.
29 “Crônica da semana”. Gazeta de Notícias, 11 de outubro de 1885, p. 1.
30 SALIBA, Elias Thomé. “A dimensão cômica da vida privada na República”. In: SEVCENKO, Nicolau. História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, vol. 3, p. 298. Cf. LUSTOSA, Isabel. Insultos impressos: a guerra dos jornalistas na Independência (1821-1823). São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
31. RAMOS, Ana Flávia Cernic. Política e humor nos últimos anos da Monarquia: a série “Balas de Estalo” (1883-1884). Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História da Unicamp, 2005, p. 8.
32. RAMOS, op. cit., p. 8-9; cf. PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. O carnaval das letras: literatura e folia no Rio de Janeiro do século XIX. 2.ed. rev. Campinas: Editora
da Unicamp, 2004, p.14.
33 Atente-se, por exemplo, para a charge publicada pela Revista Ilustrada, em 10 de outubro de 1885, representando um grupo de negras quitandeiras – que também vendiam seus produtos na Praça – “atacando” os vereadores, tido como os responsáveis pelas novas barracas e o desvantajoso contrato firmado entre os empresários e a Câmara Municipal.
34 SALIBA, op. cit., p. 297.
35 Conforme vem demonstrando estudos recentes, a imprensa tanto constitui memórias de um tempo – ao apresentar visões distintas de um mesmo fato, serve como fundamento para pensar e repensar a História –quanto desponta como agente histórico que intervém nos processos e episódios, e não apenas como um simples ingrediente do acontecimento, no dizer de Robert Darnton e Daniel Roche. NEVES, Lúcia Maria B. P.; MOREL, Marco & FERREIRA, Tânia Maria B. da C. (orgs.) História e imprensa: representações culturais e práticas de poder. Rio de Janeiro: DP&A/Faperj, 2006, p. 10.
36 Jornal do Commercio, 9 de outubro de 1885, p.4. A nota saiu com a seguinte assinatura: “Infelizes quitandeiros”.
37 “As barraquinhas e o cais da Doca”. Jornal do Commercio, 9 de outubro de 1885, p.4.
38 Idem.
39 “Monopólio escandaloso”. Diário de Notícias, 7 de outubro de 1885, p. 3.
40 “Ilma. Câmara Municipal”. Gazeta de Notícias, 10 de outubro de 1885, p.2.
41 AGCRJ, Códice 58-3-39, op. cit., folha 8.
42 Idem, folha 80.
43 Cf. O Paiz, 10 de outubro de 1885, p. 3; Diário de Notícias, “A greve das hortaliças”, 6 de outubro de 1885, p. 1. Lá pelo meio de seu poema, Violino dizia que: “Afinal toda a hortaliça/Marchou para o xilindró,/Entre um aipo e uma nabiça/Às ordens do carijó.” Em O Mequetrefe, o retrato de Carijó ainda vinha acompanhado das seguintes loas: “Dr. Pedro Augusto de Moura Carijó – Honramos hoje a primeira página do Mequetrefe com o retrato deste ilustre cidadão. É inútil repetir aqui quais os serviços prestados à polícia desta corte pelo Dr. Carijó. S.S. tornou-se um benemérito da população fluminense. O atual governo, reconhecendo o quão difícil fora substituir o 3º delegado de polícia, pediu-lhe que se conservasse nesse cargo, apesar da divergência política. Basta este fato para o elogio do digno brasileiro, que recomendamos às considerações dos nossos leitores”. O Mequetrefe, 10 de novembro de 1885, p.1.
44 “Crônica da semana”. Gazeta de Notícias, 11 de outubro de 1885, p.1.
45 DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 16-18.
46. Para uma análise da cobertura do movimento grevista pela imprensa, ver: FARIAS, Juliana Barreto. “Jornalismo e política: a imprensa na greve de pequenos lavradores e
quitandeiras das Praça das Marinhas, Rio de Janeiro/década de 1880”. In: Anais do VI Congresso Nacional de História da Mídia. Niterói, Maio/2008.
47 “A crise dos legumes”. Gazeta de Notícias, 11 de outubro de 1885, p. 1.
48 Nessa época, presidia o Conselho de Ministros o visconde de Sinimbu, e era ministro da Fazenda o futuro visconde de Ouro Preto. “Esse gabinete sucedera ao de Caxias, e representava a volta dos liberais ao poder, depois de anos de domínio conservador”. CARVALHO, José Murilo de. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.175. Cf. MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo saquarema: a formação do Estado imperial. 5 ed. São Paulo: Hucitec, 2004.
49 CARVALHO, op.cit, pp. 174-177.
50 Idem.
51 AGCRJ, Códice 58-3-39, op. cit., folha 96.
52 Jornal do Commercio, 26 de novembro de 1885. O aviso foi expedido pela Secretaria Municipal no dia 23 de novembro, sob a assinatura de J. A. de Magalhães Castro Sobrinho.
53 O Paiz, 9 de outubro de 1885, p.1.
54 O aviso foi expedido pela Secretaria Municipal no dia 23 de novembro, sob a assinatura de J. A. de Magalhães Castro Sobrinho, e publicado Jornal do Commercio, em 26 de novembro de 1885.
55 AGCRJ, Códice 46-1-5: Lavoura do município: mercadores da pequena lavoura (1833-1872), p. 48-51.
56 AGCRJ, Códice 46-1-9: Lavoura do municipio – pedidos de varios lavradores sobre a venda de produtos de sua terra (21 a 31 de dezembro de 1885), p. 58.
57 Capital da província do Rio de Janeiro desde 1835, a cidade de Niterói tinha seis freguesias: São João Baptista; São Lourenço; São Sebastião de Itaipu; São Gonçalo; Nossa Senhora da Conceição da Vargem (Jurujuba) e Nossa Senhora da Conceição de Cordeiros. Itaipu, São Gonçalo e Cordeiros ficavam nas áreas rurais e, até fins do século XVIII, estavam entre as principais produtoras de açúcar da capitania. Já as freguesias de São João e São Lourenço tornaram-se, ao longo do século XIX, o centro urbano da cidade de Niterói. Cf. MOTTA, MOTTA, Márcia M. Menendes. Pelas “bandas d’além”: fronteira fechada e arrendatários-escravistas em uma região policultora, 1808-1888. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História da UFF, 1989 e Almanak Laemmert, 1883, p. 418.
58 A expressão “sem terra” é usada por Márcia Motta para qualificar os lavradores despossuídos nas áreas rurais de Niterói, que arrendavam parcelas em grandes propriedades. MOTTA. Op. cit.
59 MOTTA. Op. cit., p. 68.
60 Idem, p. 133-135.
61 Estes casos são analisados em: MOTTA. Op. cit., pp. 74-75.
62 AGCRJ, Códice 46-1-7: Lavoura do município: pedidos de vários lavradores sobre a venda de produtos de sua terra, 1885,p. 164.
63 AGCRJ, Códice 46-1-7, op. cit., pp. 50, 52, 69, 71, 73, 75, 80 e 81. Os quatro lavradores também transportavam seus produtos na falua de propriedade de Antonio Rodrigues Costa, no Porto das Neves.
64. AGCRJ, Códice 46-1-12: Lavoura do município – pedidos de vários lavradores para venderem os produtos de sua terra (1 a 16 de dezembro de 1885), pp. 79-82; 126-129.
65 . De acordo com Márcia Motta, nas freguesias de São Gonçalo, Cordeiros e Itaipu,
200 hectares de terra eram suficientes para caracterizar uma propriedade como “fazenda”.
Como o território tinha extensão pequena e estava bem próximo da corte e da capital da província, possuir essa extensão de terreno constituía-se numa riqueza relativamente maior do que a mesma dimensão em regiões interioranas. MOTTA. Op. cit., pp. 133-134.
66. AGCRJ, Códice 46-1-12: Lavoura do município – pedidos de vários lavradores para
venderem os produtos de sua terra (1 a 16 de dezembro de 1885), p. 60.
67 AGCRJ, Códice 46-1-12: Lavoura do município – pedidos de vários lavradores para venderem os produtos de sua terra (1 a 16 de dezembro de 1885), p. 257.
68 Hoje existe no atual município de São Gonçalo um bairro chamado Porto da Madama. Outros bairros da região também conservam os nomes das antigas fazendas e localidades oitocentistas, como Engenho Pequeno, Boassú, Mutuá, Rocha, Pacheco.
69 No Almanak Laemmert de 1883, anunciava-se que o Porto da Madama recebia “quitandas todos os dias e transporta[va] para a corte”. Almanak Laemmert, 1883, p. 447.
70 MOTTA. Op. cit., p. 51-52.
71 AGCRJ, Códice 46-1-6: Lavoura do município (projetos, medidas de defesa, mercados da pequena lavoura, etc), pp. 16, 16v, 19, 19 v.
72 MOTTA, op. cit., pp. 52-53.
73 Idem.
74 Cf. BN, Almanak Laemmert, 1885, p. 1004.
75 Idem, p. 1005.
76 Não tenho como afirmar, tomando como base as informações do Almanak Laemmert, se Antonio Rodrigues Costa era proprietário ou somente um arrendatário do porto.
77 “As barracas do cais da doca”. Jornal do Commercio, 6 de outubro de 1885, p. 2.
78 AGCRJ, Códice 46-1-9: Lavoura do município – pedidos de vários lavradores sobre a venda de produtos de sua terra, 21 a 31 de dezembro de 1885, p. 275.
79 “A questão das barraquinhas”. Diário de Notícias, 11 de outubro de 1885, p.1.
80 SANTOS, Joaquim Justino Moura dos Santos. De freguesias rurais a subúrbio: Inhaúma e Irajá no município do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado em História Social, USP, 1996, p.155-157.
81 De acordo com Joaquim Justino Santos, a nova função da freguesia de Inhaúma como “área residencial para as classes trabalhadoras empregadas na cidade, então incorporada à vida de Inhaúma, encontrava-se em seu estágio mais preliminar. Tanto o ritmo como a proporção em que o fato ocorreu na região, entre os anos de 1870 e 1890, se deram em um grau bastante reduzido, em relação ao acelerado processo de ocupação urbana e ao enorme crescimento da população trabalhadora que se verificou nas três décadas seguintes”. SANTOS, op. cit., p. 237.
82 AGCRJ, Códice 46-1-9: Lavoura do município – pedidos de vários lavradores sobre a venda de produtos de sua terra (21 a 31 de dezembro de 1885)
83 SANTOS. Op. cit., p. 95.
84 SANTOS. Op. cit., p. 102.
85 GERSON, Brasil. História das ruas do Rio de Janeiro. 5 ed. Rio de Janeiro: Lacerda&Editores, 2000, pp. 366-367.
86 AGCRJ, Códice 46-1-9, op. cit., pp. 224-25; 243-46; 253-54.
87 Cf. AGCRJ, Códice 46-1-7, op. cit., pp. 73-75; Códice 46-1-9, op. cit., pp. 229-231.
88 MOTTA. Op. cit., pp. 94, 165-167.
89 SANTOS. Op. cit., p. 194.
90 A autora baseia-se nos Relatórios dos Ministérios dos Negócios do Império, apresentados à 2ª e 3ª sessão da 14ª Legislatura pelo Ministro e Secretario de Estado dos Negócios do Império. Rio de Janeiro: Imp. Nacional, 1870/1871. In: LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. História do Rio de Janeiro. Do capital comercial ao capital financeiro. Rio de Janeiro: Ibmec, 1978, pp. 415 e 423.
91 Arquivo Histórico do Itamarati. Diretoria Geral de Estatística – Censo de 1872, pp. 58 e seguintes.
92 MENEZES, Lená Medeiros de. “A presença portuguesa no Rio de Janeiro, segundo os censos de 1872, 1890, 1906 e 1920: dos números às trajetórias de vida”. Revista População e Sociedade. Porto: Edições Aforamentos, 2007, n.14/15, parte I. Sobre a imigração portuguesa no Rio, ver: RIBEIRO, Gladys Sabina. RIBEIRO, Gladys. “Cabras” e “pésde-chumbo”: os rolos do tempo. O antilusitanismo no Rio de Janeiro da República Velha. Niterói, Dissertação de Mestrado, Departamento de História, UFF, 1987.
93 MIYASAKA, Cristiane Regina. Viver nos subúrbios: a experiência dos trabalhadores de Inhaúma (Rio de Janeiro, 1890-1910). Dissertação de mestrado em História, Unicamp, 2008, p. 52.
94 Cf. AGCRJ, Códice 46-1-7. Op. cit., p. 195; Códice 46-1-11, op. cit., pp. 202-04.
95 LOBO. Op. cit., pp. 255 e 431.
96 Idem, p. 265. Em Campos existiam, na mesma época, 431 engenhos. Havia 58, na corte (regiões suburbanas); 38, em Itaboraí; 32, em Iguassú; e 25, em Niterói. Cf. SANTOS, Ana Maria dos. Vida econômica de Itaboraí no século XIX. Dissertação de mestrado em História, UFF, 1974.
97 “A questão das barraquinhas”. Diário de Notícias, 11 de outubro de 1885, p. 1.
98 “A questão das barraquinhas”. Cf. Diário de Notícias, 11 de outubro de 1885, p. 1; AGCRJ, Códice 46-1-7, op. cit., p. 197.
99 O Mequetrefe, 10 de outubro de 1885, p. 4.
100 O Mequetrefe, 10 de outubro de 1885, p. 4.
101 As imagens aparecem em: ERMAKOFF, George. O negro na fotografia brasileira do século XIX. Rio de Janeiro: George Ermakoff Casa Editorial, p. 142 e 143.
102. Sobre as negras minas quitandeiras, ver artigos de Carlos Eugênio L. Soares e Flávio
Gomes: SOARES, Carlos E. Líbano. “Comércio, nação e gênero: as negras minas quitan
deiras no Rio de Janeiro, 1835-1900”. In: FRAGOSO, J., MATTOS, H. M & SILVA,
F. C. (orgs.) Escritos sobre história e educação. Rio de Janeiro: Mauad/FAPERJ, 2001, pp. 401-415; “A ‘nação’ da mercancia: Condição feminina e as africanas da Costa da Mina, 1835-1900”. In: FARIAS, J. B., GOMES, Flávio S. & SOARES, C. E. No labirinto das nações: africanos e identidades no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005, pp. 193-247. GOMES, Flávio & SOARES, Carlos E. L. “‘Dizem as quitandeiras’... : ocupações e identidades étnicas numa cidade escravista: Rio de Janeiro, século XIX”. Acervo, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, julho/dezembro 2002, pp. 3-16.
103. SAMSON, Adèle Toussant. Uma parisiense no Brasil. 1849-1862. Rio de Janeiro: Capivara, 2003, pp. 76-78. Em 1859, Charles Ribeyrolles, um outro francês, também
dizia: “Gostais da África? Ide, pela manhã, ao mercado próximo do porto. Lá está ela, sentada, acocorada, ondulosa e tagarela, com o seu turbante de casimira, ou vestida de trapos, arrastando as rendas ou os andrajos. É uma curiosa e estranha galeria, onde a graça e o grotesco se misturam, Povo de Cã, debaixo de sua tenda”. RIBEYROLLES, Charles.
Brasil Pitoresco. Vol. 1. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1980, p. 203.
104 AGASSIZ, Luiz e Elizabeth Cary. Viagem ao Brasil. 1865-1866. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1975, p. 68.
105 Recorrendo aos estereótipos criados por viajantes, Mary Karasch apresenta uma síntese da imagem que os senhores criaram em torno dos pretos minas: “orgulhosos, indomáveis e corajosos, [que] falavam árabe e eram muçulmanos, alfabetizados, inteligentes e enérgicos, que trabalhavam duro para comprar sua liberdade”. Contudo, mesmo com tantas “qualidades positivas”, os proprietários temiam-nos como escravos, principalmente após a Revolta dos Malês de 1835, em Salvador. Como muitos migraram da capital baiana para o Rio de Janeiro, os proprietários cariocas temiam o potencial dos minas (em Salvador, mais conhecidos como nagôs) para revoltas, assassinatos de seus senhores e suicídios. KARASCH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro, 1808-1850. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2000, p. 64. Cf. SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A capoeira escrava e outras tradições rebeldes. Campinas: Editora da Unicamp, 2001.
106 SERLA, Eneida Maria Mercadante. Modos de ser em modos de ver: ciência e estética de africanos por viajantes europeus (Rio de Janeiro, ca. 1808-1850). Tese de doutorado apresentada ao Departamento de História da Unicamp. Campinas, 2006, p. 289.
107 Ver artigos de Carlos Eugênio Líbano Soares e Flávio dos Santos Gomes citados na nota 47; Cf. FARIAS, Juliana Barreto. “Ardis da liberdade: trabalho urbano, alforrias e identidades”. In: SOARES, Mariza de Carvalho. Rotas atlânticas da diáspora africana: da Baía do Benin ao Rio de Janeiro. Niterói: Eduff, 2007, pp. 225-56.
108. Como também já pude perceber num breve exame dessa documentação, os africanos minas faziam questão de indicar sua “nação” nos pedidos de arrendamentos e em
outros ofícios encaminhados à Câmara Municipal, mesmo que não existisse qualquer
obrigação neste sentido. Disposição bem diferente dos muitos portugueses e brasileiros também instalados por ali, que só eventualmente pareciam mencionar seus locais de
origem na documentação enviada à municipalidade.
109 Cf. AGCRJ, Códices 61-1-7; 61-1-9; 61-1-11; 61-1-12; Mercado da Candelária.
110 Cf. FARIAS, op. cit. Cf. ALENCASTRO, Luiz Felipe de. “Proletários e escravos: imigrantes portugueses e cativos africanos no Rio de Janeiro, 1850-1872”. Novos Estudos Cebrap, n. 21, julho/1988, pp. 30-56.
111 Essa prática não era nenhuma novidade, tanto para os comerciantes como para a municipalidade. Num ofício encaminhado à Câmara Municipal em 1869, o fiscal do Mercado falava do abuso de muitos indivíduos que, apesar de receberam licenças da municipalidade para comerciarem, ou quitandarem, junto ao lugar onde os roceiros estacionavam na Praça das Marinhas, prevaleciam-se “da faculdade de, por mais de uma transferência na licença, passarem a segundo possuidor a mesma, e isto mediante umas luvas que me consta serem de cerca de 200 mil réis”. AGCRJ, Códice 46-1-5: Lavoura do município: mercadores de pequena lavoura (1833-1872), p. 53.
112 . BN, O Mequetrefe, 10 de outubro de 1885, p.8.
113 . Para uma detalhada biografia sobre D. Obá, ver: SILVA, Eduardo. Dom Obá II D’África, o Príncipe do Povo. Vida, tempo e pensamento de um homem livre de cor. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
114 SILVA, op. cit., p. 124.
115 No dia 20 de outubro, por exemplo, uma sequência de ilustrações apresentava os escândalos que agitaram a corte naquele mês. Além da “questão das barraquinhas”, mostrada logo no primeiro quadro, também se comentou a guerra aos capoeiras, as encrencas envolvendo vereadores no Matadouro público e a visita do engenheiro Aarão Reis às obras que estavam sendo executadas em Quixadá, no Ceará. O Mequetrefe, 20 de outubro de 1885, p. 4.
116 . ACGRJ, Códice 58-3-39, op. cit., folha 50.
117 . Derivada do termo quimbundo mpumbu, a expressão pombeiro designava, no século XVI, negros e mestiços (escravos ou libertos) e também portugueses, emissários de comerciantes europeus, que se estabeleciam nos mercados litorâneos da costa centro-ocidental africana, trazendo cativos e mercadorias de áreas do interior de Angola, Benguela ou Congo. Mais tarde, indicaria ainda os atravessadores e vendedores ambulantes de peixe que atuavam em diferentes pontos da região. Mas a palavra não ficou restrita à sua área de origem, generalizando-se na África portuguesa e ganhando o Brasil, onde o comércio se desenvolvia em condições similares. Ao atravessar o Atlântico, contudo, iria adquirir ainda novos contornos. De “comerciantes do mato” do contexto angolano transformarse-iam, no Rio de Janeiro do século XIX, em “mercadores avulsos”. Cf. ZERON, Carlos Alberto. “Pombeiros e tangosmaos, intermediários do tráfico de escravos na África”. Actes du Colloque Passeurs Culturels – Mediadores Culturais, Lagos (Portugal), 9 a 11 de outubro de 1997. Lisboa: Fundação Callouste Gulbenkian, 1998; RODRIGUES, Jaime. De costa a costa: escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola do Rio de Janeiro (1780-1860). São Paulo: Companhia das Letras, 2005, pp. 98-107.
118. Entre os que assinaram os protestos, encontramos o inspetor do 10º Regimento
de Inhaúma, os inspetores do 3º e do 9º quarteirões da freguesia e ainda seu juiz de paz. AGCRJ, Códice 46-1-5: Lavoura do município: mercadores de pequena lavoura (18331872), p.48.
119 . AGCRJ, Códice 61-2-25: Mercado da Candelária (1881-1885), p. 28.
120 ACGRJ, Códice 58-3-39, op. cit., folha 124.
121 No Brasil do século XIX, as primeiras formas de paralisação do trabalho ficaram conhecidas como paredes.
122 Jornal do Commercio, 3 de maio de 1872, p. 3; Diário do Rio de Janeiro, 3 de maio de 1872. Cf. CRUZ, Maria Cecília Velasco. Virando o jogo: estivadores e carregadores no Rio de Janeiro da Primeira República. Tese (Doutorado), USP, São Paulo, 1998, p. 268. FARIAS, Juliana Barreto. “Descobrindo mapas dos minas: alforrias, trabalho urbano e identidades”. In: FARIAS, J. B., GOMES, Flávio dos S. & SOARES, Carlos Eugênio. No labirinto das nações: africanos e identidades no Rio de Janeiro, século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005, p. 128.
123. BATALHA, Cláudio H. M., SILVA, Fernando Teixeira da & FORTES, Alexandre (orgs.) Culturas de classe: identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas:
Editora da Unicamp, 2004, pp. 12-15.
Até fins da década de 1880, movimentos grevistas como este não eram as formas mais usuais de luta dos trabalhadores cariocas. Decerto que paralisações do trabalho já ocorriam na corte desde pelo menos meados do século XIX, envolvendo até mesmo escravos. Em 1857, os cativos que trabalhavam na Fábrica da Ponta D’Areia, um dos maiores estabelecimentos da cidade, de propriedade do visconde de Mauá, se recusaram a prosseguir com suas atividades. No ano seguinte, foi a vez dos tipógrafos pararem nas três folhas diárias da corte, naquela que já foi considerada “a primeira greve do Rio de Janeiro, talvez do Brasil”. Podemos citar ainda a luta dos caixeiros contra a abertura do comércio aos domingos em 1866 e a greve dos cocheiros da Botanical Garden Rail Road, em 1873, que exigiam a readmissão de companheiros demitidos1. Contudo, como destaca o historiador Marcelo Badaró, foi só a partir do final do século XIX que as greves se generalizaram no Rio, assumindo contornos de principal instrumento de classe. 2
Na greve da Praça das Marinhas, um grupo de mais de cem quitandeiros e pequenos agricultores das zonas suburbanas do município do Rio, das freguesias rurais de Niterói e de áreas mais afastadas da capital carioca tanto mediu forças com empresários e vereadores, quanto conseguiu redefinir as formas de pressão aceitáveis na defesa de seus interesses.3 Mas quem eram exatamente esses trabalhadores? Que interesses os uniam ou mesmo dividiam alguns deles? Como os protestos foram organizados naqueles dias? E por que o movimento mobilizou tanta gente, desde pequenos mercadores e vereadores, até consumidores, jornalistas e o próprio imperador D. Pedro II?
Examinando notícias, crônicas e ilustrações publicadas em revistas e jornais da corte (únicas fontes a registrar em detalhes o movimento grevista e hoje preservadas nos acervos de periódicos e de obras raras da Biblioteca Nacional) e também os debates travados pelos vereadores, os abaixo-assinados e as licenças enviados à Câmara Municipal (estes últimos organizados em códices no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro), é possível tanto acompanhar a “greve a la minute”, para usar os termos de um cronista da Gazeta de Notícias, como revelar personagens, atitudes e identidades muitas vezes sepultados pelo cotidiano do trabalho e da cidade, mas que muito dizem sobre a dinâmica da formação e dos conflitos de classes. Como lembra Michele Perrot, uma greve é uma relação dinâmica, que não só apresenta os homens e mulheres nela envolvidos, como também a classe dos empregadores, o Estado e a opinião pública, tal qual aparecem no espelho posto à sua frente pelos trabalhadores4.
No tabuleiro do mercado.
Desde pelo menos meados do século XVII, negras de tabuleiro e vendedores de peixe reuniam-se num pequeno e ruidoso mercado nas proximidades da Alfândega, entre a Rua do Mercado e a Praça das Marinhas. Mais conhecido como Mercado da Praia do Peixe, era uma espécie de “feira permanente”, que crescia ao acaso, sem um alinhamento definido5. Com o contínuo ajuntamento de novas bancas, o vice-rei Luiz de Vasconcellos ordenou, em 1789, que as barracas de peixe fossem reconstruídas com regularidade e simetria. Mas a algazarra dos vendedores, a lama e toda sorte de detritos que se amontoavam por ali não deixavam de desagradar boa parte da população. Alguns diziam que o “vozerio” era tal que perturbava as sessões no Senado da Câmara, que ficava logo ao lado6. Mesmo com os protestos e as determinações para que os vendedores fossem removidos para outro local, um novo mercado só começou a ser construído na década de 18307.
Com projeto do arquiteto francês Grandjean de Montigny, as obras do edifício da Praça do Mercado, também chamada de Mercado da Candelária, iniciaram-se em 1834, mas só foram concluídas em 1841. O acesso à praça era feito por quatro portões monumentais, um em cada face, conduzindo a ruas transversais que se cruzavam no centro, junto a um chafariz de pedra lavrada. Outras ruas calçadas acompanhavam as quatro faces, abrindo-se para elas tanto as lojas externas, como as do pavilhão central.
O mercado ocupava todo um quarteirão e dividia-se em três áreas: o centro, destinado para venda de hortaliças, legumes, aves e ovos; o lado do mar, para peixe fresco, seco e salgado; e o lado da rua (voltado para a Rua do Mercado e o Largo do Paço), para cereais, legumes, farinha e cebolas. De acordo com o regulamento aprovado pela Câmara Municipal em 1844, as cento e doze bancas e casas do prédio da praça podiam ser alugadas a cada semestre, por “pessoas livres e capazes” 8. Na Praça das Marinhas, em frente à doca contígua ao mercado, desembarcavam os gêneros da roça e o pescado que escravos e outros trabalhadores traziam em canoas de ganho, saveiros, faluas e barcos vindos das zonas suburbanas do Rio de Janeiro e das áreas rurais de Niterói.
Os gritos dos negros que transportavam cestos de peixes à beira mar faziam o norte-americano Thomas Ewbank lembrar de disputas muito semelhantes travadas no rio Níger (Lagos), na região da atual Nigéria.9
Bem próximo, lavradores, seus consignatários, negociantes e quitandeiras vendiam, revendiam e compravam “gêneros de primeira necessidade”, como frutas, ovos, legumes e cereais, “sem o menor abrigo, apenas algumas pequenas barracas volantes ou algum chapéu de sol”. 10 Segundo o fiscal nomeado para a Comissão de Licenças, alvarás, mercados públicos e Praça do Mercado da Câmara Municipal, J. Pereira Rego, cada toldo ou chapéu de sol montado na Praça das Marinhas deveria pagar uma licença anual de 100$000. Entre-tanto, ao fazer uma vistoria no local em 23 de fevereiro de 1865, constatou que muitos vendiam sem qualquer autorização. Pela relação da Secretária municipal, somente 35 toldos estariam licenciados. Contudo, naquela visita, ele anotou “49 armados, os quais, e talvez ainda mais, já ali existem desde o ano passado”. 11
Talvez por isso, numa tentativa de reordenar aquele espaço, quando a praça foi arrendada ao comendador Antonio José da Silva em 1869, três chalets abertos foram construídos nas marinhas, divididos em barracas com “comércio destinado à alimentação desta capital”. 12 Para ocupá-las, era necessário solicitar uma licença e pagar uma taxa anual à Câmara. Ainda assim, lavradores ou roceiros que quisessem continuar, “como antigamente, a venda de seus produtos” podiam se instalar no “espaço livre” reservado para eles, nos arredores do chalet erguido perto do Trapiche Maxwell, sem “ônus algum de locação ou qualquer outro”. 13 Mas essa nova reorganização pareceu desagradar alguns trabalhadores ali instalados. Em 23 de abril de 1876, dois pavilhões haviam sido parcialmente destruídos por um incêndio. Contrários à sua reconstrução, diversos negociantes e proprietários estabelecidos na Praça das Marinhas enviaram uma representação ao governo imperial, alegando que a falta de higiene e a transformação de algumas barracas em cortiços estavam condenando os chalets e concorrendo para a proliferação da febre amarela.
Nove dias depois, mais de 70 negociantes – entre os quais 18 quitandeiras – enviaram um outro abaixo-assinado à Câmara Municipal. Só que este grupo exigia a reconstrução dos pavilhões, que facilitavam bastante o “depósito, [a] guarda e [a] venda dos gêneros de primeira necessidade”. Alegavam que, desde o incêndio, “forçados a vender sem abrigo”, vinham sofrendo prejuízos, que acabavam revertidos para o público, “em parte pela alteração inevitável dos preços e falta de facilidades na compra de gêneros”.14 Em poucos meses, as súplicas foram atendidas e os pavilhões, reerguidos.
Petições e ofícios como esses eram bem comuns naquela época. Os comerciantes da praça, assim como outros trabalhadores da corte, não hesitavam em expressar seus protestos contra as ações da polícia ou as decisões da municipalidade que consideravam prejudicais a seus interesses. Mesmo que o exercício da cidadania fosse precário durante o Segundo Reinado, a população não deixava de criar expectativas sobre seus direitos e sempre encontrava caminhos para reivindicá-los. Quando se considerava, ou se fazia crer, cumpridora de seus deveres, a disposição para luta se tornava ainda maior. Como destaca Juliana Teixeira Souza, na medida em que davam conta de suas obrigações, esses trabalhadores urbanos desejavam que seus direitos fossem reconhecidos e resguardados pelos governantes. Em muitos casos, recorriam diretamente ao imperador, a quem caberia zelar pela paz, pela defesa e pelo proveito de todos os seus súditos15. Em outros, podiam mesmo lançar mão de protestos mais organizados e combativos, como aconteceu nos primeiros dias de outubro de 1885.
A greve
Tudo havia de fato começado no dia 5 de outubro daquele ano, com a inauguração das novas barracas para venda de hortaliças e legumes, construídas na Praça das Marinhas, à margem da doca do grande e movimentado Mercado da Candelária, em substituição aos chapéus de sol montados ali, ao lado dos chalets erguidos no local em 186916. De acordo com os empresários Bernardo de Oliveira Melo, Vital Vaz do Espírito Santo e Arthur Deodécio Nunes de Souza, do consórcio Oliveira & C., responsável pelo arrendamento do terreno, as 53 bancas, com armação de ferro e cobertura de lona impermeável, não só abrigariam os pequenos lavradores e consumidores do sol e da chuva, como promoveriam “um grande melhoramento para a salubridade local e até para os comerciantes”. Segundo os empresários, como o lugar vi-via em “contínuo lamaçal, quer no tempo seco, quer no tempo chuvoso”, as barracas trariam benefícios tanto para a “pequena agricultura” e para a “população desta Capital, a primeira da América do Sul”, como também para a sua “salubridade, a par do embelezamento de um dos pontos mais freqüentados, não só pelos seus habitantes, como por todos que aportam às plagas da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro”17. Mas para desfrutar de tal privilégio era necessário desembolsar uma diária de $400 réis.18 Só foi difícil encontrar alguém disposto a pagar essas quantias.
No dia da inauguração, enquanto os convidados dos empresários almoçavam e brindavam no Hotel Novo Mundo, uma greve já havia sido organizada na praça. Nenhum barraqueiro apareceu para oferecer legumes, aves, frutas e outros gêneros de consumo diário. No cais da doca das Marinhas, escravos, libertos e homens livres foram impedidos de descarregar produtos de canoas de ganho, saveiros e faluas vindos de Guaratiba, Pedra, Sepetiba e outros locais do Recôncavo. Dois negociantes de verduras, “depois de maduras reflexões”, resolveram ocupar duas das tão “faladas barraquinhas”. Mas não contavam com a determinação de seus “colegas de roça”, firmes no propósito de impedir que elas fossem usadas. Houve um certo rebuliço, e o comendador Rosário, ao saber do ocorrido, ali se apresentou com uma escolta policial, montada a cavalo e a pé. Mais tarde chegou o Dr. Carijó, 3º delegado, acompanhado de seu escrivão e do capitão Vieira; todos permaneceram na praça até adiantadas horas do dia. Mas “nada se deu”. Só o mesmo o Sr. Inocêncio Correia da Silva, subdelegado da freguesia de Itamby, em São João de Itaboraí, que, indignado, falou às massas “cobras e lagartos das barraquinhas”. Tanto discursou que o comendador Rosário fez lhe ver a inconveniência. Nem isso amainou sua língua, que só estancou mesmo quando ele foi afinal levado para a 5ª estação. Reconhecida sua inocência, logo foi posto em liberdade.
Mas a confusão já estava armada nas ruas e nas folhas impressas da corte. Na edição do Jornal do Commercio daquele 6 de outubro, era possível ler a petição que mais de cinquenta mercadores enviaram ao Ministério do Império, apelando ao imperador d. Pedro II. No documento, que trazia a assinatura “O Povo”, alegavam que “desde tempos imemoriais a Praça das Marinhas era destinada ao gozo do público, constituindo um logradouro, onde se tinha lugar e se realizava a feira do mercado”. Lembravam que já não lhes parecera regular o contrato de 1869, que também privara o “povo” de um espaço público. Contudo, naquela época, acabaram relevando o ato da Câmara, já que os chalets traziam à população e ao pequeno comércio de caráter mais fixo o “benefício do abrigo” e, além disso, deixava-lhes reservado o cais, “formado pelo espaço de 30 palmos a estreita rua entre a rampa da Doca e os chalets da Praça das Marinhas”. Só que agora não podiam aceitar que este pequeno e acanhado lugar fosse transformado em “possessão de empresários felizes, que pouco ou quase nada arriscam, mas em compensação contam auferir grandes, enormes proventos, com a exploração das barracas”.19
No mesmo dia, nas seções de “publicações a pedidos” de diversos jornais, como o Jornal do Commercio, Diário de Notícias, O Paiz e a Gazeta de Noticias, os concessionários apresentavam suas reclamações, destacando que era “evidente o interesse coletivo resultante [do contrato das barraquinhas]”. Por um lado, o público poderia consumir os produtos sem que durante longas horas ficassem expostos ao sol ou à chuva; e os comerciantes, por sua vez, mediante uma “módica contribuição”, teriam abrigo do tempo, lugar certo e “uma comodidade que não oferecia a promiscuidade de então”. 20 Acontece que poucos achavam aquela contribuição tão modesta assim. Ora, como as barraquinhas mediam um metro de largura por três de comprimento, e cada vendedor a dividiria com outros cinco, no final acabariam desembolsando 400 réis diários, ou doze mil réis mensais, “por um espaço insuficiente para conter o mais insignificante produto da pequena lavoura”. 21 Se levarmos em conta que muitos pagavam cerca de 15 mil réis anuais pelo arrendamento de pequenas roças, é possível ter uma ideia de quão elevada era a taxa cobrada.
Por isso mesmo a movimentação dos grevistas não cessava. Durante a madrugada do dia 7, as estacas de algumas barraquinhas foram arrancadas, e a polícia chegou a receber avisos de que homens armados de cacetes prometiam espancar os condutores de carroças que se animassem a trazer hortaliças para o mercado. Apesar das advertências, nada aconteceu naquela noite. Logo pela manhã alguns vereadores se dirigiram à praça para tentar falar com os pequenos lavradores. Mas não conseguiram firmar nenhum acordo. No dia seguinte, com a praça ainda deserta, mais de cem quitandeiros e mercadores das freguesias suburbanas decidiram “marchar” até a Rua do Ouvidor e recorrer às “folhas impressas”. Em frente à redação da Gazeta de Notícias, o comendador João Gomes Carneiro, discursando em nome dos grevistas, disse que os pequenos lavradores não tinham como suportar “o pesado ônus agora imposto pelo privilégio concedido, pois os gêneros alimentícios de primeira necessidade não dão margem a ganho suficiente para o pagamento exigido pelo aluguel das desnecessárias barracas”. Em breves palavras, um dos redatores da Gazeta arvorou-se representante dos jornais e revistas, afirmando que:
A imprensa faz seu indeclinável dever em estar ao lado dos que sofrem em seus direitos, e que nenhum móvel pode ter fora do interesse geral sempre superior e sagrado contra o monopólio ou privilégio capcioso, só favorável a alguns com manifesto e injusto prejuízo de muitos. 22
Seguindo pela Rua do Ouvidor, pararam à porta da Gazeta da Tarde e ali foram recebidos por seu diretor, o abolicionista José do Patrocínio23. Como tantos de seus colegas de imprensa, este fervoroso jornalista também apoiava a mobilização dos pequenos lavradores. Não hesitou, portanto, em levantar a voz contra o “esbulho” que tornava aqueles homens “vítimas da Câmara Municipal”:
Assim como os pequenos lavradores tinham a enxada e o ancinho como arado de trabalho, nós, os homens da imprensa, também filhos do povo, tínhamos a pena que para nós representa o papel daqueles instrumentos com qual afastamos a ciscalhada que tende a abafar os direitos do povo.24
E não faltavam jornal e jornalista para apoiarem os grevistas. Ainda que apresentassem perfis por vezes distintos, uns tendendo para uma postura mais conservadora, caso do Jornal do Commercio, outros mais liberais, como a Gazeta de Notícias, quase todos os periódicos da corte deixavam claro seu apoio ao movimento. Decerto que cada um tinha lá a sua maneira de noticiar e comentar. No Diário de Notícias, não faltavam críticas e gracejos, como os versinhos de Violino publicados logo nas primeiras páginas:
Entre as contristadoras,Esta notícia é atroz...Fizeram greve as cenouras,Estão em greve os quingombós.
Está hoje com seu azeiteA bela alface adorada...E quem vinagre lhe deiteTerá pronta uma salada
Voam pedras e cacetesJunto a Praça do MercadoOs purpúreos rabanetesFogem d’um para outro lado
A grave e sizuda abóboraQue é dos legumes o orgulhoRecursos mil pondo em obraQuer aplacar o barulho.
Maxixes feitos n´um bolo
Dançam todos à bolina,
Grita a batata: Haja rolo!Repreende a abóbora: Menina!
O abacaxi perde um olho,Perde uma lima o umbigo,Machuca um pé o repolho,- S’ tou passado! grita um figo.
O mamão machuca os dedos,Vê-se uma manga perdida...Os limões ficam azedos,Geme um jiló: Minha vida!
Afinal toda a hortaliça Manchou para o xilindró,Entre um aipo e uma nabiça Às ordens do Carijó.
A couve toda escamadaNão se meteu nas encolhas,E prometeu que a cambadaMandaria “pôr nas folhas”.
Finalmente houve o diaboEm toda a cidade se ouveQuem ontem sustentava o nabo:- Foi a maior greve qu’houve!25
Os gracejos se espalharam por outras folhas da corte e os protestos rapidamente passaram a ser chamados de “greve das hortaliças”, “conflagração de pepinos e abóboras”, “crise dos legumes”. Na seção “Entrelinhas” da Gazeta de Notícias, em que se comentavam os textos de outros jornais, o redator ressaltou, em 10 de outubro, como O Paiz vinha falando “com muita graça da revolta dos rabanetes e das cenouras”. E de fato, no dia anterior, o periódico fundado em 1884 também havia enveredado pelo humor, mas preferindo a prosa.
[...] os tomates, de rubros que eram, tornaram-se roxos, e promovem greves assustadoras [ileg.]. Querendo acompanhar as agressões próprias de toda situação nascente, a Ilustríssima atirou-se ao verde com unhas e dentes, e declarou a seus munícipes que, por algum tempo, ficava interrompido o regime vegetal. É ascético demais, e neste momento o que convém é alimentação sólida e substancial... Entretanto, não vê a Câmara que de envolta com o agrião foram-se também os farináceos! [...] 26
Entretanto, conforme sentenciava o redator da Gazeta, o “mau é que já o Diário de Notícias falou na greve das hortaliças, com a mesma graça e de mais a mais – em verso. O que é muito mais engraçado”.27 Ainda assim, os jornalistas da Gazeta de Notícias pareciam conjugar das intenções humorísticas de seus companheiros de imprensa, já que, naquela mesma edição, também usaram destes recursos para elaborar seus textos. Em artigo intitulado “A crise dos legumes”, os leitores eram informados que:
Ainda ontem era um deserto a linha das barracas na Praça das Marinhas, nem uma folha de alface para um canário, nem um legumesinho para a bela da carne cozida em família.
Mais adiante, prevendo a carestia dos gêneros alimentícios, em decorrência da paralisação das vendas na praça, lembravam que:
Em verdade, não sabemos se alguém sonhou com sete vacas magras e sete vacas gordas; mas o que é incontestável é que a população do Rio não fez provisão das hortaliças para o tempo da penúria, e nós entramos francamente na época da magreza28.
Para citar um último e ilustrativo exemplo, vejamos a crônica dominical da Gazeta, publicada em 11 de outubro. Ao relembrar os fatos que haviam marcado os últimos dias na cidade do Rio, o “cronista semanal”, que não assinava o texto, também se utilizava de uma linguagem galhofeira para criticar a própria zombaria da imprensa. Assim, dizia que
[...] a revolta do rabanete e a rebelião do nabo, a insistência do tomate em não aparecer e do repolho em ocultar-se, foram decantadas em prosa e verso. Estirados e sérios artigos de fundo, só agora provocados, depois de armadas as barraquinhas, fizeram pendant com as jovialidades do que procuram expor fatos e emitir alegremente e jocosamente. Abaixo o monopólio! – foi o grito da literatura humorística em artigos humorísticos e ligeiros.29
Decerto que essa veia humorística não era nenhuma novidade. Remetia a uma tradição que vinha do jornalismo satírico da Regência e dos folhetins cômicos do Segundo Reinado, mas que ganhou maior força com o desenvolvimento da imprensa e a proliferação das revistas ilustradas, especialmente no início da República. 30 Ademais, o processo de modernização dos periódicos, transformados em grandes empresas comerciais – interessadas cada vez mais em atingir a aceitação do público leitor e se tornar porta-vozes de uma “modernidade” na produção da notícia – levou à valorização de textos informativos sobre o cotidiano da população, os acontecimentos ditos “banais”, como o carnaval das ruas, as ocorrências policiais, os resultados do jogo do bicho. 31 Essas “notícias mundanas” eram quase sempre apresentadas em breves comentários, recheados de pequenos gracejos e ironias, recursos muito populares naquele momento. Fosse na crônica, numa peça de teatro ou em outro gênero qualquer, o certo mesmo é que esses artifícios pareciam agradar ao grande público, diversificado e ávido por uma compreensão rápida e mais simples das transformações vividas à sua volta32.
Mas esse apelo ao humor não significava, é claro, um olhar menos crítico e distante dos debates políticos. Como é possível observar nas entrelinhas dos versinhos de Violino ou nas imagens estampadas nos periódicos ilustrados durante a greve da Praça das Marinhas, não faltavam críticas a policiais e vereadores, que teriam interesses no contrato das barraquinhas, e mesmo à Câmara Municipal e ao governo imperial, acusados de não defender os direitos do “povo” 33. Assim, poderíamos dizer, parafraseando Elias Thomé Saliba, que formas típicas de representação do cômico – como jogos de contrastes, deslocamentos de significados, ligação entre o formal e o informal, trânsito entre o prescrito e o vivido, inversão da dimensão espaço-temporal – mostraram-se como recursos bem apropriados para retratar o movimento grevista de outubro de 1885. 34
Entretanto, essa foi apenas uma das formas de representação acionadas por jornalistas e leitores. Como verdadeiras arenas35, os jornais publicavam críticas inflamadas aos empresários do consórcio Oliveira & C., à Câmara Municipal e a seus vereadores, ao mesmo tempo em que abriam espaço para os próprios empresários e políticos esboçarem suas queixas e justificativas. Sem contar ainda a população da cidade do Rio e os pequenos lavradores, que diariamente apareciam nas páginas de “publicações a pedidos”. Presente em quase todos os diários, essa seção era constantemente utilizada pelos leitores para publicar qualquer tipo de assunto ou comentário de seu interesse, desde agradecimentos, pedidos de desculpas e textos poéticos, até desforras e cobranças de providências às autoridades municipais e imperiais. Atuando como um espaço mais democrático, abrigava tanto o ponto de vista do empresário, como o do quitandeiro, desde que se dispusesse de alguns réis para mandar imprimir suas opiniões. E os leitores não queriam simplesmente esboçar suas queixas ou apreciações sobre determinados assuntos. A intenção era também ser ouvido pelos representantes do poder constituído e compartilhar sua forma de encarar questões políticas, sociais e cotidianas com outras pessoas. Durante a greve na praça, a seção despontou como um dos lugares mais apropriados para esse tipo de comunicação com um público mais amplo.
Em 9 de outubro, por exemplo, leitores que se identificavam simplesmente como Infelizes quitandeiros, recorreram ao imperador d. Pedro II para denunciar dois escrivães, um filho e um genro de vereadores que tinham interesses no contrato das barraquinhas. No “a pedidos” do Jornal do Commercio, questionavam como poderiam “obter justiça os infelizes que têm de pagar aos protegidos contratantes todo o lucro de sua pequena indústria”. Além disso, como ficaria o “povo desta cidade” privado de um logradouro público, “que é dado de presente a quem vai dele utilizar para enriquecer-se, esbulhando do local de seu comercio aos desgraçados que hão de sujeitar-se a esse hediondo monopólio?” 36 Na mesma página, O Povo também fazia seu protesto, apontando os interesses de um “genro de vereador” e de um “funcionário da polícia” no “escandaloso contrato que tanto tem irritado a opinião pública”. 37 Revelava ainda que a “abundância policial” que se ostentava contra “pacíficos lavradores e produtores do Recôncavo que vêm à feira” só podia ser “indício da proteção que dá o prestígio daquele sócio que sabe o nome aos bois, que dá leis na casa de policia, onde é verdadeiro triunfo”. 38
Dois dias antes, um leitor que assinava como Um que não quer as barracas já havia feito denúncia semelhante no Diário de Notícias. Como fez questão de registrar, o “monopólio” imposto ali na praça tinha como sócio um vereador39. Diante de tantas acusações, o vereador Dr. Emílio da Fonseca se apressou em esclarecer, nas “Publicações a pedidos” da Gazeta de Notícias e do Jornal do Commercio, que fizera os maiores esforços para discutir os inconvenientes do contrato, “o que não pude conseguir, por me haverem negado a palavra”. Mas, agora, como ele já havia sido firmado pelo governo, cumpria respeitá-lo e evitar novas demandas, “sempre desastradas para a municipalidade” 40 .
Ninguém parecia querer dar “nome aos bois”. Contudo, folheando os papéis da Câmara, encontramos Augusto Nunes de Souza, vereador que tinha o mesmo sobrenome de um dos empresários do consórcio, Arthur Deodecio Nunes de Souza 41. Seriam os parentes referidos pelos “Infelizes quitandeiros”? É bem provável que houvesse mesmo algum parentesco entre eles.
Num dos ofícios enviados à municipalidade ainda no início de 1885, as acusações foram
ainda mais diretas. De acordo com o documento, na “imoralíssima questão das barraquinhas”, estava envolvido o vereador, “pai de um dos hoje conhecidos que fazem parte da comandita”.42 Já o funcionário de polícia talvez fosse de fato, como indicou um leitor de O Paiz, o delegado Carijó, figura tão presente nos jornais naqueles dias, seja nos versinhos de Violino, publicados no Diário de Notícias, seja no retrato-homenagem da capa d’O Mequetrefe43 .
Poderíamos citar muitos outros exemplos de queixas e esclarecimentos dos empresários, de políticos e policiais, de protestos de leitores e lavradores, já que reclames como estes se multiplicaram pelas páginas das folhas impressas. De qualquer maneira, a leitura em conjunto desses registros permite observar que, provavelmente, muitos desses leitores, sobretudo aqueles identificados como quitandeiros e pequenos lavradores, estiveram acompanhando de perto a movimentação dos grevistas pelas ruas da cidade. Só que certamente a principal fonte de informação para boa parte da população carioca era mesmo a imprensa. Como destacara o “cronista semanal” da Gazeta de Notícias, jornais e revistas diariamente vinham recheados de “grandes notícias a la minute”. 44
Decerto que boa parte dos moradores não podia ler diretamente essas notícias, já que muitos eram analfabetos. Mas nem por isso deixavam de tomar parte da repercussão da greve nos periódicos da corte. A tiragem de uma folha não dava a dimensão real de sua divulgação, uma vez que um mesmo exemplar passava de mãos em mãos. Além disso, era muito comum que notícias, folhetins, fofocas e anúncios fossem lidos em volta alta em ruas, esquinas e rodas de curiosos. Na Rua do Ouvidor, “a pequena grande artéria da vida nacional”, onde estava a grande imprensa – jornais como o Diário de Notícias, a Gazeta de Notícias, O Paiz, a Gazeta da Tarde e o Jornal do Commercio tinham suas sedes ali – muitos se valiam das edições do dia largadas nos cafés, já amareladas e amassadas de tanto manuseio. As conversas entreouvidas nas portas das redações também espalhavam as informações saídas dali dos periódicos.
Uma leitura mais atenta também deixa claro que praticamente todos da imprensa apoiavam uma postura legalista, uma “revolta pacífica”, excluindo qualquer atitude mais violenta. Ainda assim, para além de simplesmente noticiarem as disputas e discussões travadas naqueles dias de outubro, jornais e revistas ilustradas ampliaram sua dimensão e atuação política, influenciando a opinião pública e mesmo determinando o desenrolar do movimento grevista. Durante quase uma semana, diferentes “vozes” – ou “coletâneas de relatos”, como diria Robert Darnton45 – se confrontaram e muitas vezes se aproximaram nas páginas da imprensa carioca, naquele momento, um dos principais fóruns de debates políticos46.
E por isso mesmo, para evitar ainda mais barulho, o ministro do Império Ambrósio Leitão da Cunha, barão de Mamoré, ordenou que a Câmara suspendesse o contrato e a armação das barracas até que o impasse com os grevistas fosse resolvido. Chegou-se a acreditar que finalmente a Praça das Marinhas voltaria “ao seu antigo estado de coisas e as couves ao seu antigo preço”.47 Mas os ânimos estavam longe de amainar.
Na tarde de 8 de outubro, um grupo de lavradores da Penha não deixava que um só animal carregado ou qualquer carroça com legumes e verduras passasse pela ponte de Cascadura em direção à corte. Muitos tropeiros tiveram de voltar com suas cargas, recebendo daqueles homens algumas quantias para acudir as suas necessidades enquanto persistisse a greve. Durante a madrugada, treze barraquinhas foram inutilizadas na Praça das Marinhas. Na manhã de 9 de outubro, pequenos agricultores de Irajá, Inhaúma e Jacarepaguá dividiram-se em dois grupos: um, postado em diversos pontos da estrada, impedia a passagem de cargueiros e carroças que se dirigiam para a estação de trem da região; o outro, ali nas proximidades, armado de cacetes, proibia que os carregadores recebessem os carretos de cestos e hortaliças. Nenhum volume foi despachado na estação, que, diariamente, remetia mais de 500 caixas de verduras para a praça. Nos largos do Pedregulho, Benfica e Praia Pequena, cerca de cem homens, portando revólveres, punhais, foices e cacetes, também barravam os carregamentos que desciam de Inhaúma e Irajá. Quinze praças de polícia foram até ali para conter atos mais violentos. O conflito foi inevitável e resultou no ferimento de soldados e grevistas, e ainda na prisão de 17 homens.
Enquanto nas freguesias suburbanas muitos optavam por essas ações mais diretas, e mesmo violentas, no coração da corte, mais de duzentos lavradores preferiram reunir-se numa casa da Rua Ourives para discutir a “questão das barraquinhas”. Depois de muito falatório, decidiram aguardar deliberação da Câmara Municipal para tomar uma resolução definitiva. Contudo, garantiram que, se não pudessem voltar para seu lugar na Praça das Marinhas, ocupariam o centro e as ruas ao redor da Praça da Harmonia. Mas tal medida não foi necessária.
Talvez porque não quisesse sofrer mais um desgaste, como aquele de cinco anos antes, durante a Revolta do Vintém, D. Pedro II resolveu intervir nos conflitos armados na praça. Em fins de dezembro de 1879 e início de 1880, a revolta que tomou as ruas do Rio reuniu uma multidão (cerca de 4 mil pessoas chegaram a se concentrar no Largo do Paço) em protesto contra o aumento do preço dos bondes. Embora a lei que definiu esse novo valor tenha sido proposta pelo ministro da Fazenda e, em consequência, as escaramuças estivessem dirigidas ao gabinete ministerial48, e não propriamente ao imperador, a presença de instigadores republicanos entre os manifestantes conferiu ao movimento uma dimensão mais ampla, de verdadeira hostilidade à monarquia. 49 Cinco anos mais tarde, entre aqueles que apoiavam os pequenos lavradores em greve, estava o jornalista José do Patrocínio, um dos líderes republicanos que, em 1880, havia insuflado as massas em favor da revogação da medida. Portanto, não faltavam motivos para que d. Pedro II ficasse receoso naqueles dias de outubro de 1885. Na Gazeta da Tarde de 7 de outubro de 1885, Patrocínio, ao falar das desvantagens das novas barracas, aproveitava para criticar o regime imperial:
As barraquinhas vêm desse tráfico de privilégios, que tanto tem honrado o segundo império, e que é também providencialmente a larga brecha por onde há de entrar a onda popular para lavar o país da mancha de um governo, que não se respeita. 50
Diante de tamanha grita na imprensa e nas ruas, em 12 de outubro o imperador ordenou, por intermédio do barão de Mamoré, que os vereadores designassem “um local no litoral em que os referidos comerciantes possam expor à venda os seus produtos sem os vexames a que se sujeitou a concessão irrefletidamente feita para o assentamento das barracas, a qual infelizmente se firma em contrato bilateral, que cumpre respeitar em quanto, por muito acordo das partes contratuais não for ele rescindido”. 51
Parece que a determinação de um lugar próximo ao cais e a apenas quatro ou cinco braças daquele que foi arrendado a Oliveira & C. acalmou os pequenos lavradores, que suspenderam os protestos. Afora a licença anual que já pagavam à Câmara, não precisariam desembolsar qualquer outra quantia; só teriam mesmo que enviar novos requerimentos à Câmara para continuarem com seu negócio na praça. De acordo com o edital publicado no Jornal do Commercio de 26 de novembro de 1885, os mercadores, ou seus representantes legais, deviam, num prazo de 15 dias, a contar deste aviso, comparecer na Secretaria Municipal com suas solicitações, para terem seus nomes, gêneros de negócio e localidades a que pertenciam inscritos num livro especial. Em seguida, receberiam uma guia, que seria apresentada ao visto do fiscal respectivo, e assim poderiam exercer livremente sua “indústria”. Mas não seria permitido “a pessoa alguma de negócio, seja qual fosse o gênero, estacionar sem a devida licença nos lugares concedidos aos pequenos lavradores”, e nos demais pontos nas proximidades do mercado. 52
Quanto às novas barraquinhas de ferro, voltaram a ser armadas na Praça das Marinhas em 24 de outubro, e só aqueles que quisessem mesmo ocupá-las teriam que pagar os 400 réis diários. Os empresários do consórcio, por sua vez, tiveram que esperar até o ano de 1886 e as longas discussões na Câmara para terem os “direitos”, que julgavam perdidos com as mudanças no contra-to, ressarcidos.
Entre pequenos lavradores, quitandeiras e pombeiros
Uma rápida folheada pelas páginas da imprensa não revela muitos detalhes sobre os grevistas de 1885, nem tampouco sobre demais os trabalhadores da Praça das Marinhas. Ainda que vez ou outra seus nomes sejam mencionados, em geral eles são referidos, genericamente, como pequenos lavradores, mercadores, vendedores de hortaliças e legumes, roceiros ou quitandeiros. Num primeiro olhar, esses designativos parecem meros sinônimos, que se repetem e alternam em notas, editorais e comentários de leitores, sem um critério muito bem definido. No jornal O Paiz de 9 de outubro de 1885, por exemplo, são chamados de vendedores de frutas e hortaliças numa espécie de editorial publicado na primeira página, ao passo que no “Noticiário” da mesma edição são identificados como mercadores e lavradores53. Decerto que, em muitos casos, se trata mesmo de termos com significados idênticos, como, por exemplo, as expressões “lavradores” e “roceiros”. Contudo, um exame mais atento de outros registros impressos, sobretudo quando comparados aos textos da imprensa e às imagens produzidas no período, desvenda algumas nuances e diferenças entre essas categorias. Vejamos de início o caso dos pequenos lavradores.
Consultando a documentação sobre comércio de gêneros alimentícios guardada no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, sob a rubrica “Lavoura do município”, localizei seis códices com licenças manuscritas enviadas por lavradores à Câmara Municipal, todas no mês de dezembro de 1885. Antes dessa data, os registros eram bem esparsos. A explicação é simples. Até então, a Câmara só exigia dos comerciantes o pagamento de uma licença anual pelo aluguel da vaga em uma barraca ou num chapéu de sol na Praça das Marinhas. Entretanto, com a greve de outubro de 1885, os vereadores mais uma vez se viram diante da necessidade de ordenar e controlar os trabalhadores ali instalados.
Assim, depois de encerrado o movimento grevista, decidiram, em sessão do dia 19 de novembro, convidar os pequenos lavradores para que, no prazo de 15 dias, se inscrevessem, por si ou seus representantes legalmente habilitados, na Secretaria Municipal. Junto a seus requerimentos, deveriam ser anexados: “atestado da autoridade policial sobre identidade da pessoa; declaração da capitania do porto sobre a embarcação destinada ao transporte do gênero; e prova de propriedade, ou de arrendamento do solo cultivado”. Se tivessem comissários ou consignatários, era necessário incluir ainda uma procuração; licença do estabelecimento para depósito dos gêneros e certidão de licença municipal para o negócio54.
Boa parte dos negociantes inscritos no final de 1885 já estava no cais das Marinhas desde pelo menos a década de 187055. Sendo assim, essas licenças apresentam-se como as melhores fontes para conhecer os trabalhadores do pequeno comércio de gêneros alimentícios ocupados naquela área do grande Mercado da Candelária. Os pedidos por escrito incluíam informações sobre os locais de residência e lavoura, o tipo de transporte utilizado para conduzir os produtos, nomes de encarregados e, em alguns poucos casos, informações como nacionalidade, estado civil e idade do comerciante. Seguindo as recomendações da Câmara, os lavradores ainda apresentavam atestados de inspetores de quarteirão, procurações e documentos comprovando seu ofício e o lugar de residência, como escrituras de compra e venda de propriedade ou recibos de arrendamento de terrenos. Embora os vendedores quase sempre encaminhassem solicitações individuais, havia aqueles que optavam por fazê-las em conjunto. Como os portugueses Victorino Gonçalves Cabral e José Lucas de Almeida, arrendatários de um sítio na Estrada de Brás de Pina, na freguesia de Irajá, que, no dia 21 de dezembro de 1885, pediram à Câmara para serem
registrados como lavradores da praça.56
Nos seis volumes de manuscritos, identifiquei requerimentos de 315 lavradores, dos quais apenas três não indicavam o endereço de suas roças. Na Tabela 1, podemos acompanhar seus locais de residência e lavoura. Os moradores do município de Niterói constituíam uma maioria, totalizando 187 comerciantes. Neste grupo, destacavam-se as freguesias rurais de São Gonçalo (125) e Cordeiros (53). Logo em seguida, vinham as áreas suburbanas do município neutro do Rio de Janeiro, com 50 residentes em Irajá; 47, em Inhaúma, e 15, na Ilha do Governador. O Engenho Novo contava com apenas dois homens. Já Maricá e Itamby, na comarca de Itaboraí, juntos contabilizavam oito roceiros. E o município de Magé, somente dois.
Quase todos esses lugares eram áreas antigas de produção de açúcar que, para escapar da crise, voltaram-se para a policultura já em finais do século XVIII. Tanto nas freguesias suburbanas do Rio como nas áreas rurais de Niterói57 – regiões que mais concentravam os produtores representados no cais das Marinhas – as propriedades foram se especializando no fornecimento de mantimentos de “primeira necessidade” para os mercados da capital carioca. Pouco a pouco, seus velhos engenhos foram partilhados e alugados a agricultores “sem terra” 58. Para os grandes fazendeiros, era uma forma lucrativa de garantir uma renda anual, sem qualquer gasto de capital ou necessidade de reposição da mão-de-obra escrava. Com isso, ainda criavam um vantajoso vínculo de subordinação monetária com os lavradores.
Mas essa relação não significava uma total dependência dos arrendatários, que podiam decidir o que produzir em suas situações. Instalados em terras alheias, os pequenos lavradores cultivavam hortas e roças de mandioca, café, laranjas, limão, quase sempre atendendo à demanda do mercado do Rio de Janeiro. Em São Gonçalo e Cordeiros, contavam com o trabalho de poucos escravos e experimentavam novos técnicas de cultivo. Só que levavam uma vida simples. Suas casas tinham poucas mobílias: uma mesa, algumas cadeiras, às vezes camas e armários. Ao lado das moradas, construíam casas de farinhas, galinheiros, currais e até mesmo pequenas senzalas.59
E se até meados do século XIX os arrendamentos de terra representavam apenas uma renda a mais para os grandes proprietários, com o fim do tráfico transatlântico de escravos e a Lei de Terras, em 1850, tornaram-se uma exigência de sobrevivência. Mesmo assim o processo não foi automático. Como acontecia em outras regiões, a primeira solução para aqueles que resistiam ao parcelamento era o aumento da exploração da força de trabalho cativa. A longo prazo, essa estratégia implicava na perda da rentabilidade dos plantéis, principalmente em São Gonçalo e em Itaipu, onde o percentual de escravos produtivos jamais excedeu 50% do total60 .
Em 1885, entre os roceiros de São Gonçalo e Cordeiros que forneciam e vendiam seus gêneros na Praça das Marinhas, encontramos um grande número de “sem terra”. Dos 125 lavradores de São Gonçalo registrados, 103 apresentaram informações mais detalhadas sobre suas roças, anexando a seus requerimentos escrituras, declarações ou recibos de aluguel. Já em Cordeiros, foram 43. Pela Tabela 2, observamos que, na primeira freguesia, 74 (71,85%) eram arrendatários e 29 (28,5%), proprietários. Na segunda região, eram so-mente 4 proprietários (9, 5%) ao lado de 38 (90, 5%) locatários.
Em São Gonçalo, 30 propriedades foram mencionadas pelos lavradores que locavam pedaços de terras. Não havia grandes concentrações de arrendatários numa mesma fazenda. Em geral, as propriedades, bem próximas umas das outras, aparecem com um ou dois roceiros alugando situações, sítios ou datas de terras. Mas há casos como o da Fazenda Colubandê, que arrendava parcelas a nove lavradores inscritos. Logo em seguida, aparecem as fazenda de Itaúna e do Porto Novo, esta última de propriedade de João Manoel da Silva, com sete arrendatários cada uma.
Muitas fazendas eram antigas produtoras de cana-de-açúcar que, pouco a pouco, foram partilhadas e alugadas aos “sem terra” da região. Até a década de 1840, a Fazenda do Engenho Pequeno pertencia ao coronel Luiz de Frias Vasconcelos em sociedade com quatro irmãos. No inventário do coronel, falecido em 1843, estão relacionados 68 arrendatários, que deviam uma renda que oscilava entre dois e dez mil réis anuais. Neste grupo estava Ana Eleutéria, que ali mantinha uma pequena casa de pau a pique, dois escravos com mais de 40 anos e plantações, incluindo três mil pés de café, 100 pés de laranja “China”, uma “porção” de limeiras e 20 pés de laranjas seletas61.
Nos anos 1880, a fazenda já estava nas mãos de outros proprietários. Em outubro de 1883, o pequeno lavrador Antonio Alves Bello, inscrito como vendedor na Praça das Marinhas, comprou a quinta parte das terras do engenho que pertencia a dona Ana Rita de Magalhães, como herança de sua filha menor Francisca dos Prazeres Costa62. Dois anos depois, os roceiros João Miguel Letério, Francisco Soares Neves, Manoel Alves Pacheco e Delfino Ferreira Peixoto indicavam, em seus pedidos de inscrição à municipalidade do Rio de Janeiro, a Fazenda do Engenho Pequeno como seus locais de moradia e lavoura. Pelo aluguel de sítio e “larguezas” na propriedade, pagavam cerca de 50 mil réis anuais cada um.63
Na freguesia de Cordeiros, os lavradores-arrendatários indicaram 13 propriedades, nas quais também se observa pouca concentração de locatários. Entretanto, duas fazendas se destacam: a Fazenda do Coelho, com 13 registros, e a Fazenda de Ipihyba de Nossa Senhora da Boa Esperança, com oito. Como em São Gonçalo, aqui também se verifica um acelerado processo de parcelamento das terras. Na Fazenda do Coelho, de Rufino José de Almeida, sítios e terrenos estavam alugados por valores que variavam entre 15 e 100 mil réis. De outra parte, os quatro donos de terras na região que encaminharam pedidos à Câmara viviam nos lugares do Pacheco e do Anaya. Os irmãos João Soares do Rego e Luiz Soares do Rego eram sócios de propriedades no Anaya, que compraram a Antonio Fernandes Pinheiro. Próximas à Fazenda de Ipihyba e às terras de dona Felicidade da Glória, mãe dos dois lavradores, as fazendas não tinham um número certo de braças, mas comportavam casas e benfeitorias. João fornecia produtos de sua lavoura para serem vendidos no mercado das Marinhas por seu neto, Vítor Correa Machado. Já seu irmão Luis vendia ele mesmo na corte os gêneros que cultivava em sua data de terras.64
Pelas bandas de São Gonçalo, o número de roceiros proprietários era mais expressivo. Nas licenças remetidas à Câmara Municipal, os 29 donos de terra da região citaram 17 locais diferentes, entre os quais o Boassú, com quatro registros; o Mutuá, com três; e o Rocha, também com três. Eram quase sempre situações diminutas, que não chegavam a 50 hectares65. Prudêncio José de Almeida possuía terras próprias no Mutuá, com apenas 170 braças ( ou cerca de 6, 8 hectares) de testada, compradas por 3 contos de réis em 1883.66 No lugar das Sete Pontes, Manoel do Couto Pita tinha casa de vivenda e benfeitorias de plantações numa data de terras com somente 60 braças (uns 2,4 hectares) de frente e 300 braças (12 hectares) de fundos.67 Decerto que foram poucos os que indicaram dimensões exatas, mas o uso de expressões como “pequena data de terras”, “sitio” ou “situação com casa velha” permite entrever que se tratava mesmo de pequenas propriedades.
Mas também encontramos, nesse grupo, uns poucos fazendeiros que investiam em escravos e transportes para a condução dos gêneros até o outro lado da Baía. Quem se destacava era a proprietária Maria Gabriela Margarida Bazin Desmarest. Desde 1845, vivia numa fazenda de frente para o mar, no Novo Porto da Ponta de São Gonçalo, com casas de vivenda, diversas plantações, arvoredos e mais benfeitorias. Também possuía seis embarcações que usava para transportar os produtos para a corte. Na Praça das Marinhas, os gêneros de sua lavoura eram vendidos por seus empregados Joaquim da Costa Correa, José Maria Alves e Bernardo Mendes. Dali de suas terras e porto, logo chamado de Porto da Madama, numa referência à alcunha que a fazendeira ganhara 68, diariamente partiam para o mercado do Rio faluas e barcos carregados de frutas e legumes de mais de 70 roceiros de São Gonçalo e Cordeiros69.
Essas movimentações indicam que Margarida Desmarest tinha lá suas posses. Como ressalta Márcia Motta, a construção de um porto envolvia a utilização de capital bem superior à capacidade financeira de um pequeno produtor. Era necessário instalar pranchas de madeira que pudessem ser atracadas ao mar, ter uma estrutura de armazenamento da produção e ainda bar-cos para a condução das mercadorias. Dessa forma, não surpreende que, durante o século XIX, os portos daquelas áreas rurais de Niterói estivessem nas mãos daqueles que podiam arcar com as despesas de instalação antes mesmo do início da comercialização. Além disso, tais indivíduos deviam ter uma certa ascendência na capital carioca, com condições de exigir, da parte do governo, melhorias no desembarque do outro lado da baía.70
E foi justamente isso que a proprietária do Novo Porto de São Gonçalo reivindicou no dia 1º de agosto de 1878. Em ofício enviado à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, Dona Margarida reclamava do pequeno lugar que o antigo fiscal da Candelária, o Sr. Paulo Felizardo Cabral e Silva, lhe marcara na Praça das Marinhas. Vinha então “respeitosamente rogar a V. V. E. Exas. [os vereadores] se sirvão mandar que o actual fiscal dê ao supra-citado logar mais extensão ou demarque outro de modo a poderem ser convenientemente depositados os productos”. Na resposta formulada uns vinte dias depois, o novo fiscal, o Sr. Antonio Roiz de Sá, concordava com a fazendeira, atestando que, de fato, o espaço que lhe fora destinado era “por demais acanhado para a grande quantidade de gêneros que diariamente exporta para este mercado”. Assim, para atendê-la, sugeria que se fizesse uma “nova marcação de lugar, diminuindo-se aquelles que trazem ao mercado menos mercadorias, para satisfazer-se a supplicante que é de toda justiça”.
Acontece que os outros donos de portos em São Gonçalo, ao saberem que Margarida Desmarest pretendia alargar seu lugar, invadindo desse modo “direitos alheios”, encaminharam um abaixo-assinado à Câmara, naquele mesmo mês de agosto, exigindo que tal pretensão não fosse atendida, tendo em vista a “injustiça relativa” que acarretaria. Os vereadores concordaram com estes proprietários. No dia 10 de setembro, o fiscal Antonio de Sá anotou, no verso do próprio abaixo-assinado, que a Câmara havia indeferido o pedido de Dona Margarida e, desse modo, “satisfeito o que requerem os suplicantes”71.
Assinavam aquela petição Manoel Corrêa Torres, José Teixeira da Silva, Francisco Manoel Pires e Antonio Roiz Sobrinho. O primeiro era proprietário de uma falua, que partia do Porto da Ponte de São Gonçalo todos os dias, carregando os gêneros de pelo menos 12 lavradores inscritos na Câmara Municipal. José Teixeira também possuía, em sociedade com Antonio Pereira da Rosa, uma falua matriculada na Capitania do Porto sob número 290, que saía diariamente do Porto da Bandeira levando para o cais das Marinhas as mercadorias de 18 roceiros das freguesias de Cordeiros e São Gonçalo. Seus três empregados, Manuel Joaquim de Oliveira Caribó, José Maria de Almeida e Joaquim Luiz de Faria, também vendiam produtos no mercado da capital. Não localizei maiores informações sobre Francisco Manoel e Antonio Sobrinho. Contudo, perscrutando as licenças remetidas à municipalidade em dezembro de 1885, identifiquei outros donos de embarcações e também de portos em São Gonçalo.
Desde 1882, José Pinto da Rocha era dono de oito partes do Porto das Pedras. Além de fornecer e vender produtos da pequena lavoura no mercado das Marinhas por meio de seus empregados João Antonio da Silva e Adriano Portella da Silva, também transportava em seu barco as mercadorias de mais 22 lavradores. Outro que conduzia gêneros para a corte era Deolindo José de Sena, arrendatário de terras e um porto na Fazenda do Porto do Gradim, de propriedade de dona Maria Gertrudez Maria da Conceição Flores, pelos quais pagava um conto e 800 mil réis em 1884. Dono de uma falua registrada na Capitania, contava com 4 encarregados que vendiam os produtos de sua lavoura na cidade do Rio e ainda levava os de outros 26 lavradores.
Como observamos na Tabela 3, o transporte dos gêneros dos 168 lavradores de São Gonçalo e de Cordeiros registrados na Câmara em 1885 estava, basicamente, nas mãos de cinco proprietários de embarcações. À frente, vinha a fazendeira Maria Margarida Desmarest, carregando a produção de mais de 72 pequenos agricultores. Em seguida, estavam Deolindo José de Sena, com 26; José Pinto da Rocha, com 22; José Teixeira da Silva e Antonio Pereira da Rosa, com 18; e Manuel Corrêa Torres, com 12. Também se destacavam Antonio Rodrigues Costa (7) e Joaquim Lima Guimarães e Luis Carr Ribeiro (7). Outros levavam somente os gêneros de sua própria roça ou estavam a serviço de algum negociante.
Pesquisando inventários dessa região rural de Niterói, Márcia Motta constatou que os donos de portos eram também grandes proprietários de terras, sobretudo nas primeiras décadas do século XIX. Nesse quadro, os pequenos produtores, que eram também arrendatários daquelas fazendas e não tinham como comercializar livremente seus gêneros, acabavam submetidos aos negociantes/donos de portos. Dessa forma, criava-se uma forma indireta de dominação sobre as pequenas unidades produtivas ligadas à policultura.72 Mesmo sem ter como quantificar a participação dos grandes fazendeiros na comercialização e no financiamento da produção, Motta indica como, a partir dos anos 1860, os “sem terra” foram se tornando cada vez mais endividados com os proprietários.73
Nas licenças encaminhadas à municipalidade do Rio, verifiquei que, dos 14 proprietários de embarcações indicados pelos roceiros, apenas quatro eram donos de portos e/ou de propriedades. Como vimos, José Pinto da Rocha tinha oito partes no Porto das Pedras, que também era ocupado por José Antonio da Rocha74. Mas vivia em terreno arrendado. Joaquim Lima Guimarães tinha um sítio e alugava o Porto do Velho. Esta área de embarque ficava na Fazenda do Porto do Velho, de propriedade de Ignácio Frazão Varela, que também arrendava terrenos a quatro lavradores inscritos em 188575. Já Antonio Rodrigues Costa possuía três sítios e, como anunciado no Almanak Laemmert, trabalhava com cargas a frete no Porto das Neves.76 Só Margarida Desmarest era, ao mesmo tempo, proprietária de fazenda e do Novo Porto de São Gonçalo. E ainda tinha o lavrador José Lúcio de Menezes como locatário de casa e terreno em suas terras, pagando 144 mil réis anuais.
Certamente o novo cenário que se descortinava na década 1880, com um acelerado processo de parcelamento das grandes fazendas, também afetava as áreas de embarque de mercadorias, quase todas alugadas a lavradores proprietários de embarcações. Mas, se nem todos os grandes proprietários permaneciam à frente da comercialização da produção agrícola das freguesias de São Gonçalo e Cordeiros, pelo menos os donos de barcos e faluas que faziam o transporte dos gêneros continuavam diretamente envolvidos no que se passava no mercado da corte. Em 6 de outubro de 1885, o primeiro dia da greve da Praça das Marinhas, entre os 57 pequenos produtores que enviaram uma petição ao ministro do império, figuravam João Pereira Lima Guimarães, Luis Carr Ribeiro, Manoel Côrrea Torres, José Teixeira da Silva e Maria Margarida Bazin Desmarest (e também seu filho Carlos Francisco Desmarest), todos, como já vimos, donos de embarcações em São Gonçalo.77
Além disso, examinando os códices sobre a “lavoura do município”, constatei que o neto da Madama Margarida, Paulo José Leroux, estava autorizado, desde junho de 1875, a tratar dos negócios de sua avó, podendo fazer “toda e qualquer transação, inclusive compras, vendas, hipotecas ou qualquer alienação de bens móveis ou imóveis”78. Seguindo de perto essas determinações, Paulo José aparecia, em dezembro de 1885, como procurador de quase todos os roceiros que conduziam produtos nas embarcações de Margarida Desmarest. Dispondo dos documentos legais de 70 lavradores, podia inscrevê-los na Câmara Municipal do Rio, como fornecedores que vendiam “os produtos de sua lavoura no mercado público da corte”. E foi exatamente o que fez naquele mês de dezembro. Também vamos encontrá-lo defendendo os interesses de sua família de maneira mais incisiva. Em 10 de outubro de 1885, Leroux esteve à frente do movimento grevista das Marinhas, presidindo uma reunião com mais de 200 lavradores numa casa da Rua Ourives79. Mas deixemos essa questão para mais adiante.
Por ora, vale ressaltar ainda que, no conjunto de requerimentos analisados, também identifiquei proprietários em outras freguesias de Niterói. Em São Lourenço, mais próximo do centro urbano do município, cinco lavradores fizeram seus registros. Entre eles, dois proprietários de terras: Manoel Domingues Peres, que possuía um terreno com três casas edificadas à Rua do Galvão, no antigo terreno do Maruy; e Antonio de Souza Costa, com quatro datas de terras na Quebra do Fonseca. Neste terreno, ainda arrendava parcelas a outros três roceiros. Já o lavrador Antonio José Miranda tinha uma falua que saía do Porto de São Lourenço com produtos daqueles dois pequenos produtores e ainda outros tantos de sua própria roça. Em outro canto da área central da cidade, na freguesia de São João Batista, um único dono de terras se registrou, o sr. Candido Antunes dos Santos, que ocupava um pequeno pedaço (150 braças, ou cerca de 6 hectares) da Fazenda Santa Rosa, pelo qual pagou 5 contos de réis em 1883.
Atravessando a baía, duas regiões se destacavam como locais de moradia e lavoura dos roceiros registrados em 1885: Irajá e Inhaúma. No grupo de agricultores que vendiam gêneros no cais das Marinhas, 50 viviam na primeira freguesia e outros 47, na segunda. Assim como acontecia com as áreas rurais de Niterói, essas regiões suburbanas, nos arredores da cidade do Rio, também abasteciam o mercado consumidor carioca de gêneros agrícolas desde fins do século XVIII. Sem abandonar totalmente a produção açucareira, já nessa época os engenhos da região diversificaram seus cultivos, como uma forma de superar a crise que atingiu as exportações do açúcar e suprir a crescente demanda de alimentos na capital80 .
E os grandes proprietários dessas regiões já promoviam, nesse período, o arrendamento de suas terras a pequenos lavradores. À medida que crescia o fornecimento de mantimentos e outros produtos aos mercados da corte, novas fazendas iam sendo retalhadas e os escravos, substituídos por trabalhadores livres. Nas primeiras décadas do século XIX, o Engenho de Dentro, o Engenho da Pedra e o do Capão do Bispo, por exemplo, estavam divididos em parcelas alugadas a pequenos agricultores. Assim como em Niterói, esse recurso surgia como opção para boa parte dos senhores de engenho que, num contexto de crise, conseguiam manter suas propriedades e rendas, sem ter que realizar maiores investimentos de capital. E, por estarem muito próximos dos portos, da capital carioca e de seu crescente mercado consumidor, tornavam-se donos de terras cada vez mais valorizadas na zona rural. Pelas mesmas razões, os arrendatários locais também desfrutavam de posição privilegiada, sobretudo quando comparados a seus concorrentes nas áreas rurais mais distantes do centro urbano.
Em 1858, com a instalação da ferrovia D. Pedro II, cruzando terras em Cascadura, Engenho de Dentro, Piedade, Cupertino e Encantado, as fazendas se tornaram ainda mais valorizadas. Mais tarde, muitos proprietários tomaram a iniciativa de desmembrá-las parcialmente em loteamentos arruados para moradias. Pouco a pouco, às margens das estações ferroviárias e da estrada de Santa Cruz, foram se formando os primeiros bairros residenciais de Inhaúma, ocupados sobretudo por trabalhadores da cidade do Rio81. Mas esse processo ficou restrito à região oeste da freguesia. Em outros cantos, os antigos engenhos continuavam desmembrados em pequenas fazendas e sítios. E nem mesmo a inauguração da Estrada do Norte (depois Leopoldina), em 1886, alterou a vida rural dessas áreas.
Em Irajá, ainda predominavam as áreas agrícolas que abasteciam a capital carioca. Velhas fazendas, como a do Vigário Geral, a do Provedor e a de Nazaré, permaneciam em atividade. Sem contar os novos estabelecimentos ligados à agricultura, possivelmente originários das partilhas realizadas em parte dos antigos engenhos e/ou da atribuição de outros nomes aos já existentes, como as fazendas de Boa Esperança, do Thibau e do Frutuoso.
Podemos perceber um pouco desse cenário observando os locais de moradia dos lavradores inscritos na Câmara em 1885. Do conjunto de 97 registros de Irajá e Inhaúma, 47 (48,5%) contém algum tipo de informação sobre as roças, tais como endereço, nome do proprietário e valores do aluguel. O restante apenas incluía atestados de inspetores de quarteirão, confirmando que eram de fato “lavradores e moradores naquela freguesia”. Certamente porque quase todos eram apenas arrendatários das fazendas. Na Tabela 4, vemos que somente seis roceiros de Inhaúma eram donos de terras. Na Estrada da Penha, João do Rego Medeiros possuía uma situação na fazenda de dona Carolina Josepha Pinto. Já Antonio Carvalho Ribeiro tinha duas propriedades (uma delas arrendada) na estrada da Tapera82. Como não anexaram escrituras ou documentos mais detalhados, não temos como dimensionar o tamanho das propriedades ou mesmo obter informações sobre benfeitorias e gêneros cultivados.
Entre os arrendatários de Inhaúma, verificamos que o Engenho da Pedra foi citado por seis lavradores. O Campo dos Cardosos, por quatro; e a Estrada da Penha e Manguinhos, por três, cada um. Outros locais, como Pilares, o Campo de Bonsucesso, a Serra do Marreco e o Porto de Inhaúma, foram mencionados por apenas um ou dois locatários. Embora aqui também se observe poucos roceiros concentrados numa mesma propriedade, as fazendas indicadas ficavam bem próximas umas das outras. Nas bordas da Baía da Guanabara, o Engenho da Pedra ocupava, junto com o Engenho de Nossa Senhora da Ajuda, praticamente todo o litoral de Irajá e Inhaúma nas primeiras décadas do século XVIII. Dali, seguindo pelo rio Escorrimão – que cortava suas terras – chegava-se a Manguinhos. Ao sul, estendendo-se até as proximidades da Praia Pequena (hoje no bairro de Benfica), ficava o Engenho Novo. Ainda tinha a estrada da Penha (atual avenida Suburbana), que também atravessava seu terreno. Como ressalta Joaquim Justino dos Santos, o Engenho da Pedra “era o mais favorecido dentre os engenhos da freguesia, pelas diferentes formas de comunicação da época com a cidade”.83
Na vizinha Irajá, também notamos poucos arrendatários aglutinados numa mesma propriedade. Entre os endereços mais citados, estavam a Penha (4); a estrada de Brás de Pina (3), a estrada do Portela (3) e a fazenda do Sr. Cordovil (3). E assim como em Inhaúma, em geral essas propriedades, antigas produtoras de cana-de-açúcar, também ficavam uma ao lado da outra. O engenho do Provedor Francisco Cordovil de Siqueira, por exemplo, limitava-se com os rios Irajá e Brás de Pina, englobando as terras onde agora estão localizados os bairros de Cordovil, Parada de Lucas e Vista Alegre.84
Conforme vimos, apenas alguns roceiros de Inhaúma inscritos em 1885 eram proprietários de terras nessas áreas suburbanas do município neutro. Entretanto, muitos conduziam os gêneros de suas roças em embarcações próprias. Bem diferente das freguesias rurais de Niterói, em Irajá e Inhaúma o transporte de mercadorias encontrava-se mais pulverizado. Desfrutando de grande facilidade marítima, os agricultores do Recôncavo da Guanabara contavam com pequenos portos espalhados desde a Praia Pequena (mais tarde chamada de Praia de Benfica) até a desemborcadura da Pavuna, destacando-se o famoso porto de Maria Angu e o Porto do Velho em Irajá.85
Nos requerimentos enviados à Câmara Municipal, os lavradores dessas freguesias rurais citaram, para cada região, cerca de quinze barcos diferentes saindo todos os dias para o mercado da corte. Não é possível saber exatamente de que pontos do litoral de Inhaúma e Irajá partiam, uma vez que não forneceram essas informações. Ainda assim, examinando esses registros em conjunto, constatei outras situações que se repetiam ali. Por exemplo: havia muitos casos em que o lavrador conduzia, em barco próprio, tanto os gêneros de sua roça, como os de seus vizinhos. Era assim com José Marques, dono do bote 996 e morador no Engenho da Pedra, em Inhaúma. Diariamente ele partia para a Praça das Marinhas levando os produtos de sua lavoura e ainda as verduras e frutas que Joaquim da Rocha e Silva, Joaquim Antonio do Couto e João Alves Romarinz cultivavam em seus sítios arrendados no Engenho da Pedra.86
Também era muito comum que dois ou mais roceiros tivessem embarcações “em sociedade”. O português Manoel José Gomes e o espanhol Bento Martins, que alugavam uma situação na Fazenda de dona Ana Quintão, em Inhaúma, eram donos do bote 1082, onde carregavam os produtos de suas terras e também os dos lavradores portugueses Antonio Lamas e Vicente Alves da Fonseca, ambos moradores na mesma freguesia. Como abordarei em detalhes mais adiante, boa parte dos pequenos agricultores de Irajá e Inhaúma (e especialmente desta última área) era de imigrantes de Portugal. Demonstrando uma forte solidariedade, eles se uniam para apresentar suas solicitações à Câmara e vender frutas, legumes e verduras na praça, e também se tornavam sócios no transporte marítimo, embarcando seus gêneros e os de outros “companheiros”.
Ao comparar os dados sobre Irajá e Inhaúma com aqueles relativos às freguesias rurais de Niterói, constatamos que, de forma muito similar, as duas áreas – com a crise nas exportações do açúcar – especializaram-se no fornecimento de mantimentos de “primeira necessidade” para os mercados do Rio de Janeiro. Além disso, seus antigos engenhos foram, pouco a pouco, partilhados e alugados a pequenos agricultores. Mas algumas diferenças ficam evidentes num olhar mais atento. Se nas zonas suburbanas do município neutro as terras passaram por um crescente processo de valorização, sobretudo pela proximidade com o centro consumidor e o desenvolvimento do trans-porte ferroviário, o mesmo não se verificou em São Gonçalo e Cordeiros.
Para acompanhar um pouco desse processo, basta cotejar os valores dos aluguéis cobrados em cada região. Mesmo não dispondo de informações precisas sobre o tamanho dos terrenos arrendados, sabemos que se tratava, nos dois casos, de roças pequenas, descritas como “sítios”, “pedaços”, “situações” ou “datas”. Assim, é possível verificar, por exemplo, que – em dezembro de 1885 – o lavrador Manoel Alves Pacheco pagava 50 mil réis por um ano de arrendamento de “sítio e larguezas” nas terras da Fazenda do Engenho Pequeno, em São Gonçalo. No mesmo período, o português João Albino Machado desembolsava 52 mil réis por quatro meses de aluguel de um sítio na Penha, em Inhaúma87. Certamente os valores cobrados dependiam do tamanho e da localização das terras. Ainda assim, observamos que, enquanto nas áreas rurais de Niterói as taxas giravam em torno de 20 a 80 mil réis anuais, na zona suburbana do Rio os roceiros pagavam por volta de 15 mil réis mensais.
Por outro lado, nas duas regiões a escravidão encontrava-se em franca decadência. Em princípios do século XIX, tanto os pequenos proprietários como os chamados “sem terra” das freguesias de São Gonçalo e Cordeiros utilizavam o trabalho escravo nas suas unidades produtivas, o que lhes garantia uma razoável autonomia frente aos grandes fazendeiros. Os cativos, embora já velhos, auxiliavam em tarefas importantes, como o cuidado com cultivos, a organização e a limpeza da horta ou a alimentação de porcos e galinhas. Contudo, com o fim do tráfico negreiro, a compra de escravos passou a exigir uma considerável soma de dinheiro. Aos poucos, a renovação da escravaria foi se tornando impossível. Não obstante, às vésperas da Abolição, alguns ainda mantinham um ou dois cativos, num esforço de preservarem a autonomia anteriormente usufruída.88
Em Irajá e Inhaúma, o cenário era um pouco diferente. Como acontecia em Niterói, até mesmo os arrendatários mais pobres tinham um ou dois escravos. Contudo, já nas primeiras décadas do século XIX eles foram sendo substituídos por trabalhadores livres, que logo passaram a predominar ali. De acordo com Joaquim Justino dos Santos, paulatinamente os locatários foram se tornando não escravistas. Ao mesmo tempo, crescia a participação de pessoas livres e libertas nos serviços de transportes, no pequeno comércio e nas atividades mais especializadas nas fazendas.89
De maneira geral, há poucas referências à presença de escravos nos registros de 1885. O agricultor Manoel Antonio da Silva era dono de uma fazenda no Boassú, em São Gonçalo, e tinha cinco cativos, todos de “nação africana”, solteiros, com mais de 40 anos e do “serviço da roça”. Na mesma freguesia, Luiz Martins da Costa Guimarães era proprietário da metade da fazenda do Mutuá, de parte da casa de vivenda, de criados (provavelmente escravos) e senzalas. Também moradora da região, a lavradora Dona Leopoldina Bernarda de Assis possuía casas, benfeitorias de lavoura, terras, móveis e escravos (só não sabemos quantos). Para as áreas suburbanas do município neutro, ninguém mencionou que tinha cativos labutando em suas plantações.
Entre todas as licenças compiladas, somente um lavrador, Rufino José de Almeida, cita seu escravo como encarregado de vender produtos na Praça das Marinhas. Outros 33 agricultores mencionaram 43 empregados e comissários que também trabalhavam para eles no mercado e no transporte de mercadorias, mas não indicaram seu status legal. Nesse grupo, 22 encarregados eram de São Gonçalo (a maior parte executando tarefas para os donos de embarcações, sobretudo como carregadores e remadores) ; seis eram de Cordeiros; seis, de São Lourenço; e quatro, da Ilha do Governador. Outros locais, como Irajá, Maricá e Itaboraí, aparecem com apenas um cada. Nenhum comissário foi registrado em Inhaúma.
Embora não apontem se esses trabalhadores eram de fato escravos, libertos ou homens livres, é bem provável que existissem cativos e forros nesse conjunto. Em suas análises sobre as duas regiões, Motta e Santos lembram que, mesmo constituindo uma pequena minoria nessa época, alguns roceiros ainda mantinham pelo menos um escravo labutando em suas terras. Seriam então esses consignatários escravos dos pequenos lavradores? Com as informações apresentadas até aqui, não tenho como confirmar essa hipótese. Entretanto, é possível afirmar que seis desses empregados eram filhos dos próprios lavradores. Manoel Domingues Peres, dono de um terreno com três casas edificadas à Rua do Galvão, na freguesia de São Lourenço de Niterói, indicou seus dois filhos, Manoel Domingues Peres Junior e Antonio Domingues Peres, como vendedores dos produtos de sua roça no cais das Marinhas. Já Manuel Joaquim Ferreira, que também estacionava seus gêneros no mercado, era filho de João Pereira Ferreira, único lavrador da zona rural carioca que registrou um consignatário.
De outra parte, esses registros permitem verificar como os escravos em Irajá e Inhaúma estavam sendo suplantados por trabalhadores livres, especial-mente portugueses, conforme havia assinalado Joaquim Justino dos Santos. Tomando como bases os dados apresentados por Eulália Lobo para os anos de 1870 e 1871, sabemos que, dos 1.200 lavradores registrados na freguesia de Inhaúma, 735 eram livres (677 homens e 58 mulheres) e 465, escravos (407 homens e 58 mulheres). Por sua vez, em Irajá todos os 565 lavradores eram livres (490 do sexo masculino e 75 do feminino).90
Nessa época os imigrantes lusitanos já se destacavam nessas freguesias. De acordo com o Censo de 1872, a população geral da cidade do Rio de Janeiro alcançava o total de 274.972 indivíduos, dos quais 226.033 eram livres e 48.939, cativos. Dentre os livres, 73. 310, ou cerca de 1/3 da população, eram estrangeiros. E os portugueses constituíam uma esmagadora maioria nesse grupo, totalizando 55 933 pessoas, o que correspondia a 76, 29% da colônia estrangeira e 24,74% do total da população livre na cidade. 91 Como ressalta Lená Menezes, desde o término do comércio negreiro – e principalmente a partir dos anos 1870 – o processo imigratório estabeleceria dialética profunda com o da Abolição, tanto no campo quanto na cidade. Assim, as últimas décadas do Oitocentos foram marcadas por considerável aumento populacional, decorrente sobretudo dos processos internos de deslocamento e da imigração europeia, orientada no sentido da substituição do trabalho escravo na lavoura e nos ofícios urbanos. Embora os portugueses tenham se concentrando nas freguesias urbanas da cidade – como Santana, Sacramento e Santa Rita – já nessa época observa-se um movimento para as áreas de fronteira agrícola ou pesca, situadas nas zonas rurais do município neutro92. Em 1890, por exemplo, cerca de 19% dos 17.448 moradores de Inhaúma eram estrangeiros. Entre eles, contava-se 2.745 imigrantes de Portugal, o que representava 83% da colônia estrangeira que vivia na freguesia 93.
Ao solicitarem suas licenças na Câmara em 1885, os lavradores portugueses das zonas rurais do município do Rio fizeram questão de indicar sua nacionalidade e, em alguns casos, também sua idade e seu estado civil. Bem diferente de outras áreas, onde os pequenos agricultores não mencionaram sua procedência. Dessa forma, dos 97 roceiros de Inhaúma e Irajá matriculados naquele ano, 46 eram portugueses. Destes, 30 moravam na primeira freguesia, onde foram citados 14 endereços diferentes. Oito lavradores indicaram o Campo dos Cardosos e a Estrada da Penha. Outros locais, como a Estrada do Bonsucesso, a Serra do Marreco e Manguinhos, foram apontados por so-mente um ou dois. De Irajá, vinham outros 16 lusitanos, que também eram vizinhos, em lugares como o terceiro e o quinto quarteirões.
Quem sabe por essa proximidade, e sobretudo pelos fortes laços de solidariedade e identidade, muitos optassem por se inscrever em dupla. Há pelo menos 12 situações desse tipo. Os portugueses Miguel Antonio e Albino Miguel informaram, em seu requerimento, que eram moradores e lavradores no Campo dos Cardosos e possuíam a terça parte do bote 1054, onde carregavam produtos até o mercado das Marinhas. Seus vizinhos Antonio Lamas e Francisco Rodrigues, também procedentes de Portugal, trabalhavam juntos na praça e transportavam os gêneros da roça na embarcação de outro conterrâneo, o roceiro Manoel José Gomes, em sociedade com o espanhol Bento Martins94. Cabe mencionar ainda que nove portugueses informaram sua idade (a média ficava entre 30-40 anos) e oito falaram de seu estado civil (a maior parte era de casados).
Para finalizar a análise dos registros de inscrição dos pequenos lavradores, vale citar outras duas regiões que se destacaram, nem tanto por questões quantitativas, mas principalmente por incrementarem algumas discussões levantadas até aqui. Também na região suburbana do Rio, a Ilha do Governador – bem no meio da Baía da Guanabara – foi apontada como local de residência e lavoura por 18 agricultores. Como nas outras áreas examinadas, a produção canavieira foi sendo substituída por novos cultivos, destacando-se a produção de hortaliças, que abastecia a capital carioca. Em princípios da década de 1870, havia pelo menos 116 lavradores registrados na freguesia, dos quais 59 eram escravos e 57, livres.95 Mas, bem diferente dos agricultores das freguesias de São Gonçalo e da zona suburbana do Rio, os da Ilha do Governador não forneceram, nas inscrições remetidas à Câmara Municipal, maiores detalhes sobre suas terras e cultivos. Dessa forma, não foi possível realizar um exame tão acurado como o que foi feito para as outras áreas. De qualquer maneira, para efeitos comparativos, importa assinalar que – muito semelhante ao que ocorria em Inhaúma – os lavradores tendiam a criar sociedades para transportar e vender suas mercadorias na corte. E, conforme vimos, alguns também mantinham comissários no mercado da corte.
Do outro lado da Baía, a vila de Maricá, na comarca de Itaboraí, era mais uma a aparecer na lista de moradia dos roceiros. Com a expansão da produção canavieira na província fluminense (especialmente em Campos), as grandes fazendas de Maricá se voltaram para o cultivo de café. Mandioca, milho, feijão, legumes e frutas ocupavam lugar secundário, abastecendo os mercados de Niterói e da capital carioca. Ainda assim, em 1852, 13 engenhos continuavam em funcionamento.96 Como na Ilha do Governador, os dados sobre os lavradores que trabalhavam – ou tinham representantes – no cais das Marinhas são escassos. Ressalto então que, dos cinco inscritos em 1885, três eram vizinhos e proprietários de pequenas situações. Entre eles, estava Manoel Antonio Dias Galvão, com dois encarregados que conduziam “cargas de criação” até
o mercado da capital. Para comprovar que era mesmo dono de uma pequena fazenda, Galvão anexou a seu requerimento uma extensa carta de adjudicação passada em seu favor em agosto de 1880.
Até os anos de 1870, ele morava no termo do Alecrim, ali mesmo em Maricá. Por essa época, outro lavrador da região, Joaquim Pereira da Costa, lhe devia um conto e 800 mil réis, além dos prêmios estipulados por uma letra de terra aceita em 25 de fevereiro de 1876. Como haviam se passado mais de três anos e Costa nem saldava a dívida, nem aparecia para uma conciliação, Manoel Galvão decidiu cobrar a quantia em juízo. O resultado foi a penhora de todos os seus bens e a transferência de posse para Galvão. A descrição do patrimônio de Joaquim da Costa feita pelos oficiais de justiça permite visualizar um pouco da vida dos pequenos produtores da vila de Maricá na década de 1870.
Bem no alto da Serra do Cambory, a situação contava com uma casa de vivenda grande e velha, coberta de telhas e caiada, com dois quartos e mais dependências. Logo ao lado, uma outra construção abrigava a cozinha. Subindo o terreiro, onde ficava o trem de farinha, havia mais uma casa, também com dois quartos. Grudada a esta, ficava a senzala. Eram quatro os escravos que viviam ali: o preto Marcolino; a crioula Eva; a preta de nação Thomazia, já bem idosa, e o crioulo Bernardo, que estava aleijado. Ainda havia mais três edificações na propriedade, numa das quais residia Fernando Cardoso de Carvalho. Ao redor, contavam-se cafezais (que chegavam a quase 2 mil pés), laranjais, bananeiras, seis jabuticabeiras grandes, sete limoeiros e 12 enxertos novos, que davam fruto. A lista de bens ainda incluía móveis (mesas, cadeiras, bancos, tamboretes, baús, armários); instrumentos de trabalho (pilões, engenho de mandioca, terno de fazer farinha, fornalha, roda de cevar mandioca, prensa de dois furos, machado, foices, cangalhas) e outros objetos, como tábuas, portas e janelas. Tudo somado valia 2: 413$600.
Entre os 312 lavradores inscritos em dezembro de 1885, somente Manoel Antonio Galvão apresentou um documento tão detalhado sobre as terras que cultivava desde meados dos anos 1870. Não sabemos se, depois de quase dez anos, a fazenda mantinha essa mesma disposição. De qualquer maneira, a descrição é próxima daquela feita por Márcia Motta para as freguesias rurais de Niterói, a partir dos inventários de pequenos agricultores. Eram quase sempre propriedades pequenas ou medianas, com plantações diversificadas, com utilização de técnicas para incrementar a produção e um número pequeno de escravos. Como vimos na análise conjunta dos registros das principais regiões mencionados pelos roceiros-vendedores, em meados da década de 1880, com a escravidão em crise, a maior parte dos lavradores que vendia seus produtos na corte alugava diminutos pedaços de terras, contando somente com seu próprio trabalho e, às vezes, com parentes, vizinhos e outros companheiros.
Mas quem desse grupo havia de fato participado do movimento grevista de 1885? Como destaquei logo no início, as folhas de inscrição foram enviadas à Câmara após o fim da greve – em dezembro de 1885. Portanto, não é possível afirmar que foram exatamente esses trabalhadores que organizaram a movimentação daqueles dias de outubro. Não obstante, conforme também assinalei anteriormente, muitos já haviam participado de outros protestos na Praça das Marinhas. Além disso, confrontando os registros enviados à mu-nicipalidade com as notícias sobre a greve publicadas na imprensa, consegui identificar pelo menos 28 indivíduos que teriam participado do movimento.
Já vimos que vários donos de embarcações de São Gonçalo assinaram a petição remetida ao Ministério do Império em 6 de outubro, primeiro dia do movimento grevista. Nesse grupo, estava a proprietária Margarida Bazin Desmarest, que também foi representada por seu filho Carlos Francisco Desmarest e seu neto Paulo José Leroux.
Este último teve uma atuação ainda mais direta, comandando uma reunião com cerca de duzentos lavradores numa casa na Rua do Ourives. As informações sobre essa assembleia são sucintas. De acordo com o Diário de Notícias de 7 de outubro, Leroux mostrava-se bem articulado, falando contra as barraquinhas e anunciando que já havia combinado com a empresa da Praça da Harmonia para que as vendas fossem transferidas para o local, caso o impasse com a Câmara e os empresários não fosse resolvido.97 Ainda esmiuçando a petição encaminhada ao governo, verifiquei que, entre os 57 lavradores que organizaram este abaixo-assinado, estavam 20 que residiam na freguesia de São Gonçalo. Destes, pelo menos seis eram consignatários dos proprietários de barcos na região. Também havia três roceiros de Cordeiros, um outro de Itaboraí (que era consignatário), um da Ilha do Governador e um de Irajá. Esses dados vêm mais uma vez confirmar que os pequenos proprietários de embarcações, que monopolizavam o transporte de mercadorias das áreas rurais de Niterói para a corte, estavam diretamente envolvidos na greve da praça.
Por outro lado, também encontrei, nos registros da imprensa, uma lista com os nomes de 17 pequenos lavradores detidos nos largos do Pedregulho, Benfica e Praia Pequena (freguesias de Irajá e Inháuma), no dia 11 de outubro de 1885. Levados para a Casa de Detenção, não ficariam nem cinco dias ali. Embora o Arquivo do Estado do Rio de Janeiro guarde diversos volumes com as fichas de entrada de presos na Detenção, justamente o período de outubro de 1885 não consta da documentação conservada. Assim, não foi possível identificar em detalhes esse grupo de grevistas. Porém, cotejando a relação de presos publicada no Diário de Noticias com as licenças enviadas à municipalidade em dezembro daquele ano, localizei um único lavrador, o português José Maria Soares, morador em Pilares, em Inhaúma, e também dono, em sociedade com o conterrâneo José Manoel Ribeiro, da terça parte de um bote.98
Mesmo sem ter maiores informações sobre outros lavradores-grevistas dessas áreas suburbanas do Rio, consegui perceber – a partir do noticiário sobre a greve – que aqueles que optaram por ações mais diretas, e até mesmo violentas, vinham dessas regiões. De outra parte, os roceiros das freguesias rurais de Niterói – entre os quais a maior parte dos pequenos proprietários de terras e/ou embarcações registrados na Câmara – adotaram uma postura mais “pacífica”, preferindo encaminhar abaixo-assinados ou negociar acordos com vereadores e empresários.
***
Um outro grupo de trabalhadores, que praticamente não aparecia na documentação enviada à Câmara Municipal, também se destacou no noticiário sobre o movimento grevista. Entre os inscritos em dezembro de 1885, encontramos apenas sete mulheres registradas, todas pequenas lavradoras das áreas rurais de Niterói. Quase sempre viuvas, que davam continuidade aos negócios de seus falecidos maridos e tinham consignatários vendendo seus gêneros no cais das Marinhas. Contudo, um olhar mais atento para revistas e jornais ilustrados, fotografias e também alguns documentos municipais evidencia a presença de mulheres negras, vendedoras de quitandas, que também atuaram na greve armada no mercado.
No dia 10 de outubro de 1885, o jornal O Mequetrefe publicou uma sequência de quadros ilustrados (semelhante a uma história em quadrinhos) retratando os conflitos da Praça das Marinhas (ver pg. 137). No primeiro quadro, vemos como era a praça “há poucos dias” do movimento grevista. Como é dito na legenda, “aí, os pequenos lavradores traziam diariamente os produtos do seu aturado trabalho, abastecendo a população com os legumes indispensáveis” 99.
Observando atentamente as imagens, identificamos os antigos chapéus de sol (que seriam substituídos pelas polêmicas barraquinhas), cestos com legumes e frutas e uma pequena multidão que incluía fregueses (senhoras bem vestidas acompanhadas de seus maridos de fraque e cartola, empregadas domésticas, etc), pequenos lavradores (quase sempre caracterizados com cavanhaques, chapéus e pés descalços) e ainda negras quitandeiras, acocoradas junto de seus cestos e tabuleiros, ostentando turbantes e vestindo saias rendadas. Mas esse burburinho logo foi interrompido pela “especulação” que veio “atravancar a praça com umas relés barracas, transformando um logradouro público em fonte de receita e exigindo uma exorbitância pelo aluguel”. Ao invés de fazerem uma “greve revolucionária”, uma “conflagração de pepinos e abóboras”, os pequenos mercadores resolveram adotar “medidas pacíficas”: além de deixar em paz as “celebérrimas barracas de leguminosa memória”, foram “pacificamente pedir garantias para o seu pequeno comércio” ao Jornal do Commercio, à Gazeta de Notícias, à Gazeta da Tarde...
Fechando a cobertura da greve, o Mequetrefe lembrava galhofeiramente, nos últimos quadros da sequencia ilustrada, aqueles que também haviam sido diretamente afetados pelas “relés barracas”. Numa mesa de jantar, um senhor carrancudo come um beef sem salada, o que nitidamente lhe parecia “insuportável”. Logo ao lado, duas negras quitandeiras, uma delas equilibrando um tabuleiro à cabeça e com um bebê amarrado às costas, entabulam a
seguinte conversa:
– Eh! Eh! gente!...tá vendo máma?
– Agola, di qui nosso [sic] vai vive?100
A presença dessas vendedoras, com os sinais diacríticos característicos das mulheres africanas, como o uso de turbante, pano da Costa e tabuleiro, não é apenas um mero detalhe, uma vez que, além de evidenciar a diversidade étnica e de gênero presente ali, também revela um outro olhar sobre aquele espaço social. Se os grandes jornais da corte praticamente não faziam referências a essas mulheres, quando da movimentação grevista, e os registros do Mequetrefe pareciam exceções à regra, outros documentos iconográficos demonstram que quitandeiras e pequenos lavradores já marcavam as relações de trabalho na Praça das Marinhas desde pelo menos meados do século XIX.
Por volta de 1875, o fotógrafo Marc Ferrez registrou vendedoras negras no interior do mercado, nos seus arredores e no cais das Marinhas101 . Tanto a mercadora da Praça do Mercado, como as outras quitandeiras fotografadas apresentam os sinais já evidenciados nos quadros d’O Mequetrefe: turbantes e panos da Costa. Contudo, enquanto a primeira, uma negra livre (só pessoas livres podiam alugar bancas ali no interior), está vestida com trajes mais “aprumados” e ainda dispunha de diversos colares, as demais, certamente escravas, usavam saias e panos mais simples e mantinham os pés descalços.
Essas imagens são bem próximas das descrições das africanas minas, que pareciam dominar o mercado de vendas ambulantes no Rio de Janeiro, feitas por viajantes estrangeiros e também constantes de anúncios de fugas de cativas publicados nos jornais da capital, de documentos municipais e de outras ilustrações oitocentistas102. Veja-se, por exemplo, os registros da francesa Adèle Toussant-Samson, em sua passagem pela cidade na década de 1850:
Na frente do palácio [Paço], encontra-se o Mercado, que é realmente um dos locais mais pitorescos da cidade. Ali, grandes negras Minas, com a cabeça ornada de uma peça de musselina formando turbante, o rosto todo cheio de incisões, usando uma blusa e uma saia por toda vestimenta, estão acocoradas em esteiras junto de suas frutas e de seus legumes; ao lado delas estão seus negrinhos, inteiramente nus.
Aquelas cujos filhos ainda mamam carregam-nos atados às costas por um grande
pedaço de pano raiado de todas as cores, com o qual fazem dar duas ou três voltas em torno do corpo, depois de ter previamente posto o filho contra suas costas, os pés e os braços afastados [...]103 .
Os naturalistas Luiz e Elizabeth Agassiz, chegados ao Rio em 1865, também foram seduzidos pelo “exotismo” e distinção das quitandeiras minas, que sempre traziam “a cabeça coberta com um alto turbante de musselina e um longo xale de cores brilhantes, ora cruzados sobre os seios ora negligentemente atirados ao ombro”. Depois de encontrá-las nas proximidades da Praça do Mercado, Elizabeth registraria que
[...] esses negros atléticos, de rosto distinto e tipo mais nobre que o dos negros dos Estados Unidos, são os minas, originários da província da Mina na África Ocidental. É uma raça possante, e as mulheres em particular têm formas muito belas e porte quase nobre. Sinto grande prazer em contemplá-las na rua ou no mercado, onde se vêem em grande número, pois as empregam mais como vendedoras de frutas e legumes que como criadas.”104
É certo que essas imagens e estereótipos eram, em parte, reflexo ou releituras do olhar senhorial, que tinha os minas como superiores e, ao mesmo tempo, como potenciais vetores das temidas revoltas escravas.105 Além disso, também indicavam a existência de uma rede de autores que produziam suas obras partindo de filtros, intenções e formatos variados em torno de uma mesma realidade social, cujos sujeitos lhes ofereciam desafios e opções de registro.106 Contudo, examinando outros documentos das primeiras décadas do século XIX, como registros de prisão na Casa de Detenção, anúncios de escravos fugidos publicados na imprensa e ofícios municipais, confirmamos que os minas de fato se destacavam entre os quitandeiros africanos que perambulavam pelas ruas ou estacionavam em alguns pontos fixos da cidade107. No Diário de Notícias de 16 de julho de 1836, um senhor anunciava:
Fugiu no dia 29 de junho passado uma preta de nação mina, ladina, bem falante, com sinais seguintes: alta, magra, proporcionada, bonita, bem feita, e com bons dentes, levou camisa de algodão americano, vestido de riscadinho escuro, um lenço no pescoço e outro amarrado na cabeça, à maneira costumeira das pretas da Bahia, e um pano de riscado da costa com que se costuma embrulhar; ela anda pela cidade porque foi encontrada na Rua do Ouvidor e no largo do Capim em companhia de uma outra preta mina que vende galinhas no largo do Capim e tem casa no Valongo, onde mora.
De outra parte, os africanos dessa “nação” também se destacavam entre os arrendatários das bancas na Praça do Mercado, muitos dos quais portugueses e brasileiros brancos. Numa pesquisa preliminar feita nos 17 códices sobre o Mercado da Candelária guardados no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, e nas listas de mercadores da praça publicadas anualmente no Almanak Laemmert entre o período de 1844 e 1889, verifiquei que, durante mais de vinte anos, todo um corredor do mercado estava ocupado por homens e mulheres da Costa da Mina108. Há histórias como a do forro Luiz Laville, que arrendava a banca 41, uma pequena quitanda de verduras iniciada por sua mulher, a preta mina Felicidade Maria da Conceição. Vendendo peixe na barraca 77, a preta forra mina Rosa Maria Rocha dava continuidade ao negócio de seu marido e companheiro de “nação”, Antonio Francisco Ramos, falecido em 1852. Já a liberta mina Emília Soares do Patrocínio, ao lado de seu marido, o também mina Joaquim Manuel Pereira, era locatária de três barracas para venda de aves e verduras e ainda possuía outros três tabuleiros, com os quais suas escravas mercadejavam ali na praça e pelas ruas da cidade109 .
Em 1885, não encontramos tantos africanos assim no Rio de Janeiro e as quitandas há muito já estavam ocupadas por seus descendentes e também por trabalhadores brancos, especialmente os imigrantes portugueses.110 Assim, quando a categoria é mencionada nos grandes jornais que noticiavam a movimentação de outubro, não localizamos referências explícitas às especificidades étnicas de tempos passados. Além disso, podemos supor que as quitandeiras que teriam participado da greve eram consignatárias dos pequenos lavradores, um costume comum na praça111, ou então, e isso é sugerido pelo próprio Mequetrefe, que se encaminhavam até ali para comprarem os gêneros que venderiam pelas ruas da cidade.
No entanto, como a própria sequência de ilustrações do Mequetrefe deixa entrever, a participação dessas vendedoras estava longe de ser apenas esporádica. No quadro em que se retrata a luta “pacífica” armada pelos grevistas, vemos um homem discursando sobre montes de laranjas, enquanto outros mercadores e quitandeiras, em pé ou sentados sobre cestos, frutas e legumes, estão atentos ouvindo. Se nos quadros seguintes não encontramos mulheres caminhando até a Rua do Ouvidor para pedir apoio aos jornais da corte, isso não quer dizer, necessariamente, que elas não participassem da organização dos protestos, ou mesmo influíssem nas resoluções tomadas. Uma outra charge, publicada no jornal ilustrado naquele mesmo 10 de outubro de 1885, fornece mais pistas para essa hipótese.
Ocupando uma página inteira da publicação e intitulada “O que é ser príncipe!”, apresenta o encontro de uma quitandeira, reproduzida com seu tabuleiro de frutas, e um negro elegante, trajando fraque, cartola e luvas, trazendo à mão bengala e guarda-chuva, e ainda ostentando sobre o nariz um pince-nez. Trava-se então o seguinte diálogo:
– Abença? ...Home, esse greve, esse greve!...Um!...tá bão...Vossucê percisa fazê o escrevê a imperadô, desse cosa q si chama ballaquinha que tá lá na Plaça.
– Oh!...vai acabar. Já tenho alguns artigos prontos!112
A figura elegante que se dispõe a ajudar a quitandeira era ninguém menos que Dom Obá II D´África, o famoso “Príncipe do Povo” das ruas do Rio de Janeiro. Este filho de africano forro, batizado como Cândido da Fonseca Galvão, era um baiano da cidade de Lençóis, que participou como oficial do Exército brasileiro na Guerra do Paraguai e depois veio viver entre a gente da “Pequena África” na capital carioca. Transitando por espaços diversos, era um líder popular, reverenciado e sustentado pela comunidade negra da corte. Considerado “meio amalucado” pela elite, era o primeiro a chegar às audiências públicas que o imperador D. Pedro II concedia aos sábados na Quinta da Boa Vista e tinha voz ativa na imprensa da época113. Como é possível observar em diferentes registros, seu “reinado” estava circunscrito a uma parcela da população africana, crioula e miscigenada, composta tipicamente por escravos, libertos e homens livres. Entre esse grupo, destacavam-se as quitandeiras do Largo da Sé e os negros minas, que, “convencidos de sua hierarquia, prestavam-lhe homenagens reais, beijando-lhe a mão, que ele trazia sempre enluvada”.114 Além dessas reverências, os súditos do Príncipe do Povo também lhe ofertavam tributos, com os quais ele se mantinha e aproveitava para divulgar suas ideias na imprensa, seja com matéria paga ou, mais raramente, com folheto avulso.
Não temos como atestar se os desenhistas e redatores do Mequetrefe real-mente presenciaram um encontro entre Dom Obá e a quitandeira da Praça das Marinhas. Embora isso tenha sido perfeitamente possível, descobrir a veracidade desse fato talvez não seja o mais importante aqui. De todo modo, cabe ressaltar que a representação desse encontro, que se valia do tom galhofeiro característico do periódico, demonstra que as negras quitandeiras, quem sabe alguma preta mina, não só estavam presentes na praça e no próprio movimento de outubro de 1885, como sua atuação política provavelmente estava longe de ser episódica. Nos dias que se seguiram à publicação daquelas ilustrações, só muito raramente O Mequetrefe voltou ao tema da greve, em pequenas notas ou em registros mais amplos sobre o conturbado mês de outubro115. Mas ainda é possível atestar a participação dessas vendedoras analisando outras fontes.
Na Revista Illustrada daquele mês de outubro, uma sequência de pequenos quadros, sob o título de “Greve dos legumes” (Fig. 5), criticava, com seu costumeiro olhar zombeteiro, a carestia dos alimentos que assolava a cidade, como consequência do movimento grevista. Os legumes estavam um “despropósito”. Fregueses reclamavam que uma omelete valia vinte mil réis. E brincos de rabanetes e chapéus com legumes já estavam virando “jóias” e “presentes” disputados. Para castigar os vereadores, que “lograram” um logradouro público, sugeriam um castigo exemplar: fechá-los num quarto com meia dúzia de furiosas quitandeiras. Se depois de dez minutos não endoidecessem, seria porque tomaram “o expediente de atirar-se pela janela”. Como se pode notar nos dois quadros que retratam a “revolta” das negras vendedoras (Fig. 6), a caracterização dessas mulheres também seguia as imagens vistas anteriormente: turbantes e panos da costa atados à cintura.
Recorrendo às atas das sessões da Câmara Municipal de 1884, quando os
vereadores já discutiam os termos do contrato das barraquinhas, localizamos mais indícios sobre a presença dessas mulheres na Praça das Marinhas. De acordo com um dos vereadores presente à sessão de 4 de dezembro, a “grita levantada” por alguns jornais não se guiava pelas queixas dos lavradores, simplesmente porque eram raros os que estacionavam na praça. A maior parte só desembarcava seus gêneros ali para que as quitandeiras os vendessem. Os verdadeiros instigadores da greve de 1885 eram “alguns especuladores bem conhecidos”, que exigiam de “grande número de quitandeiras, que estacionam seus tabuleiros ou cestas junto às portas externas da Praça do Mercado, a capitação mensal de trinta a quarenta mil réis”. Segundo um dos vereadores, seria essa verdadeira razão da “celeuma levantada contra os concessionários”, que não vinha dos lavradores ou das quitandeiras que paravam na praça, já que a contribuição que deviam pagar era muito inferior aos ônus que estavam sujeitos.116
Com o desenrolar do movimento grevista, ficou claro que a situação não era bem assim. Os registros analisados até aqui permitem afirmar que os protestos de outubro de 1885 foram levados adiante por pequenos lavradores (que eram também vendedores dos produtos cultivados em suas terras e, muitas vezes, condutores das embarcações) e por quitandeiras, entre as quais algumas que trabalhavam para os próprios roceiros. No meio deles, certamente estavam também outros vendedores ambulantes e também alguns pombeiros.
Como constatei na documentação municipal e na imprensa, os pequenos lavradores e as quitandeiras muitas vezes disputavam espaço com os chamados pombeiros, “mercadores avulsos” que ofereciam principalmente peixe fresco pelas ruas e mercados da cidade, e atuavam como prepostos de pequenos comerciantes e lavradores117. No início do século XIX, eram sobretudo os cativos das “nações” mina, cabinda e congo que se ocupavam do “negócio de pombear”. Mas, a partir da década de 1850, libertos africanos e crioulos, brasileiros brancos, portugueses e até mesmo chineses também passaram a se dedicar a este ramo do pequeno comércio. E desde pelo menos os anos 1860 já se observam conflitos entre eles e alguns dos roceiros instalados no cais das Marinhas.
Num abaixo-assinado enviado à Câmara em novembro de 1869, lavradores de Inhaúma e Irajá, todos “cidadãos brasileiros e portugueses”, reclamavam das licenças que a municipalidade tinha concedido aos pombeiros e especuladores, “a maior parte vadios e sem domicílio, que vantagem nenhuma oferecem ao país”. Ao ocuparem os grandes chapéus de sol colocados ali na praça, eles acabavam usurpando-lhes espaço e consumidores.118 E mesmo empresários e alguns vereadores também reclamavam desses vendedores ambulantes. Em 1881, o comendador Antonio José da Silva, arrendatário das bancas da Praça do Mercado e dos chapéus de sol nas Marinhas, pedia que a Câmara proibisse as “imundas tábuas [para venda de peixe] que ali existem dos pombeiros que nada pagam de aluguel nem de direitos à Ilma. Câmara”, e ainda promovem “abusos e imundícies”.119 Quatro anos depois, os empresários do consórcio Oliveira & C. exigiam, depois de terminada a greve, que os vereadores adotassem medidas que garantissem os direitos dos pequenos lavradores ao “referido lugar que lhes foi concedido, de modo a distingui-los perfeitamente dos chamados pombeiros, que promiscuamente procuram localizarem-se no logradouro para aqueles destinado”.120
Assim, parece que os pombeiros não só disputavam espaço com os pequenos lavradores, como angariavam antipatias com os concessionários da praça, talvez porque gozassem de liberdade para ali “fazer o seu negócio”. Quem sabe também os roceiros, em sua maioria portugueses e brasileiros brancos, estivessem envolvidos em disputas étnicas e raciais com os pombeiros (muitos dos quais certamente descendentes de africanos), aproveitando assim o conflito de outubro de 1885 para resolver questões antigas? Certamente esta é uma possibilidade, já que, desde a década de 1870, a competição por espaço no mercado de trabalho urbano e também pela sobrevivência na cidade acirrava rivalidades entre africanos e imigrantes europeus. Em maio de 1872, por exemplo, cinquenta “pretos ganhadores”, que costumavam carregar carne-seca em canoas até a Praça das Marinhas, brigaram com 12 trabalhadores brancos “ocupados naquele mesmo serviço”. Poucos dias antes, os pretos haviam exigi-do um aumento de vinte réis aos donos da carne-seca. Como não quisessem se sujeitar a essa exigência, os patrões resolveram chamar trabalhadores brancos. Inconformados com a nova situação, os ganhadores voltaram às 12 horas do dia 2 de maio, “armados de cacetes e um deles com uma foice”, assaltaram os novos trabalhadores, travando-se “luta renhida”, só debelada após a atuação de um capitão e de praças da guarda urbana. Ao noticiar a contenda, o Diário do Rio de Janeiro destacara que os pretos carregadores teriam feito “uma pare-de” 121, “à moda da Costa da Mina”, o que acabou provocando a prisão de sete escravos e um negro liberto. 122
Seja como for, constatamos que, sem dúvida, a greve de outubro de 1885 foi armada por pequenos lavradores das áreas rurais do Rio de Janeiro e de Niterói, e também por quitandeiras, entre as quais muitas que trabalhavam para aqueles mercadores. Para além da experiência em comum na labuta cotidiana no grande mercado da Corte, boa parte estava unida por laços de amizade, vizinhança, familiares ou étnicos. Nem sempre os interesses desses trabalhadores do pequeno comércio estavam tão alinhados. Ainda assim, reinventando velhas tradições culturais e políticas e reforçando identidades, iam definindo os contornos da classe de pequenos comerciantes ocupados no grande mercado de gêneros alimentícios da capital do Império.
Como nos últimos anos vem mostrando a historiografia sobre os movimentos operários, a diversidade, a divisão e os conflitos internos são características sempre presentes na formação da classe trabalhadora. Unidade e cisão coabitam a classe, e a análise desses dois aspectos deve sempre ser contextualizada e submetida à lógica da mudança histórica. Conforme enfatizam os organizadores do livro Culturas de classe, devemos dar conta da diversidade das atitudes sociais de acordo com sua variabilidade no tempo, sem deixar de abordar também os mecanismos inte(g)rativos que dão forma e conteúdo a valores culturais compartilhados. “Afinal, tanto elementos sociais e culturais desagregadores quanto estratégias de resolução ou atenuação dos conflitos em busca de unidade fazem parte das experiências vividas pelas coletividades operárias” 123.
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NOTAS
1. CF. GOMES, Flávio dos Santos. “História, protesto e cultura política no Brasil escravista”. In: SOUZA, José Prata de. (org.) Escravidão: ofícios e liberdade. Rio de Janeiro: Aperj, 1998, p. 66. LINHARES, Hermínio. Contribuição à história das lutas operárias no Brasil. 2ed. São Paulo: Alfa-Ômega, 1977, p. 3. MATTOS, Marcelo Badaró. “Greves e repressão policial aos sindicatos no processo de formação da classe trabalhadora carioca (1850-1910)”. In: MATTOS, M. B. (org). Trabalhadores em greve, polícia em guarda. Greves e repressão policial na formação da classe trabalhadora carioca. Rio de Janeiro: Bom Texto/Faperj, 2004, p.33. POPINIGIS, Fabiane. Proletários de casaca: trabalhadores do comércio carioca. Campinas: Editora da Unicamp, 2007. Para Salvador, ver: REIS, João J. “A greve negra de 1857 na Bahia”. Revista USP, 18, 1993, pp. 8-21.
2 MATTOS. Op. cit., p.33.
3 Cf. FORTES, Alexandre. “O direito, a lei e a ordem. Greves e mobilizações gerais na Porto Alegre da primeira República”. In: LARA, Silvia H. & MENDONÇA, Joseli Maria Nunes Mendonça. Direitos e justiça no Brasil. Ensaios de história social. Campinas: Editora da Unicamp, 2006, p. 344.
4. PERROT, Michele. Workers on strike, 1871-1890. Nova Haven/Londres: Yale University, 1987, pp. 4-5. Cf. MATTOS, Marcelo Badaró. Experiências comuns: escravizados e livres na formação da classe trabalhadora carioca. Tese apresentada para concurso de professor titular de História do Brasil da UFF, 2005.
5 CORACY, Vivaldo. Memórias da cidade do Rio de Janeiro. 3 ed. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1988, p.60. Em 1638, a Câmara do Rio estabeleceu que os pescadores venderiam suas mercadorias no trecho que compreendia a Praia de Nossa Senhora do Carmo até a porta do Governador, ou seja, entre a atual Praça XV e a Rua da Alfândega. Cf. FRIDMAN, Sergio A. & GORBERG, Samuel. Mercados no Rio de Janeiro. 1834-1962. Rio de Janeiro: S. Gorberg, 2003, p. 2.
6 Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (doravante AGCRJ), Ofício da Secretaria de Estado de Negócios para o Senado da Câmara de 21/04/1823.
7 Cf. FRIDMAN & GORBERG, Op. cit., p. 12. CORACY, op. cit.
8 Almanak Laemmert,1844, p. 239. Cf. Regulamento da Praça do Mercado, apresentado em sessão da Câmara Municipal de 17 de novembro de 1843 e publicado em edital no dia 20 de agosto de 1844, transcrito em: FRIDMAN & GORBERG, op. cit., pp. 14-23.
9 EWBANK, Thomas. A vida no Brasil, ou diário de uma visita ao país do cacau e das palmeiras. Rio de Janeiro: Conquista, 1973, p. 84.
10 AGCRJ, Códice 61-2-17: Mercado da Candelária (1870-1879), p.28.
11 AGCRJ, 61-2-11: Mercado da Candelária (1869), p. 10.
12 Almanak Laemmert, 1875, pp. 839-840.
13 AGCRJ, Códice 61-2-17: Mercado da Candelária (1870-1879), p.28.
14 AGCRJ, Códice 46-1-6: Lavoura do município – Projetos, medidas de defesa, mercados da pequena lavoura, etc., p. 5-7.
15 SOUZA, Juliana Teixeira. A autoridade municipal na corte imperial: enfrentamentos e negociações na regulação do comércio de gêneros (1840-1889). Tese de doutorado apresenta ao Departamento de História da Unicamp, Campinas, 2007, pp. 190-193.
16 . A reconstrução dos acontecimentos apresentada a seguir está em diversos jornais e revistas publicados no período, guardados no acervo de periódicos e periódicos raros da Biblioteca Nacional, como O Diário de Notícias, O Paiz, Jornal do Commercio, Gazeta de Notícias, O Mequetrefe, Revista Illustrada, entre outros.
17. AGCRJ, Códice 58-3-39, “Barracas na praça das Marinhas e à margem do caes da
doca da praça do Mercado, em substituição aos ‘chapeos de sol’”, colocados na mesma área”, folha 4.
18. O consórcio Oliveira & C. deveria, para construir as barracas e explorar o local, pagar
uma joia de 20:000$000, locação de 5:000$000 anualmente, além de outras obrigações, como: asseio do terreno, consertos, arborização – gastos superiores a 50:000$000 no 1o biênio, e no resto do prazo em cerca de 18:000$000 anual. AGCRJ, Códice 58-3-39, “Barracas na praça das Marinhas e à margem do caes da doca da praça do Mercado, em substituição aos ‘chapeos de sol’”, colocados na mesma área”, folha 2.
19 Jornal do Commercio, “A barraca do cais da doca”, 6 de outubro de 1885, p. 2.
20 Jornal do Commercio, Gazeta de Notícias, O Paiz, Diário de Notícias, “As barracas da Praça das Marinhas e a greve”. 6 de outubro de 1885. Uma opinião bem próxima à dos vereadores, que aprovaram o contrato em sessão de 30 de outubro de 1884, por reconhecerem que “as vantagens que resultarão desse melhoramento, não só para a fiscalização, como para a higiene daquele local na dita Praça”. AGCRJ, Códice 58-3-39, op. cit., folha 8.
21 Idem, folha 33.
22 Gazeta de Notícias, 9 de outubro de 1885, p. 1.
23 MAGALHÃES JUNIOR, Raimundo. A vida turbulenta de José do Patrocínio. Rio de Janeiro: Sabiá, 1969, p. 121. Cf. SODRÉ, Nelson W., História da imprensa no Brasil. 4 ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, pp. 234-239.
24 . “Justo protesto”. Gazeta da Tarde, 8 de outubro de 1885, p.1.
25. Diário de Notícias, 6 de outubro de 1885, “A greve das hortaliças”, p. 1. No dia seguinte, novos versinhos foram publicados por Violino (pseudônimo de um dos redatores do jornal): “Não vem mais barco da roça / Parece verso...e é troça... / A greve continuou / Na barraca inaugurada; / Muito peru amuou / Quanta canoa encalhada! * Não são p’ra graça os barqueiros / Nem na pachorra são santos / Não lhes querem dar os cantos / Não dão eles... os canteiro s! * Era isso o que se esperava; / Não há’hinada de novo... / Pois eles, à fava...o povo! * Oh Cam’ra que te conservas / Nas encolhas, vê que estado! / Há um mercado p’ras ervas / Sem ervas para o mercado!”
26 O Paiz, 9 de outubro de 1885, p.1.
27 Gazeta de Notícias, 10 de outubro de 1885, p.1.
28 “A crise dos legumes”. Gazeta de Notícias, 10 de outubro de 1885, p.1.
29 “Crônica da semana”. Gazeta de Notícias, 11 de outubro de 1885, p. 1.
30 SALIBA, Elias Thomé. “A dimensão cômica da vida privada na República”. In: SEVCENKO, Nicolau. História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, vol. 3, p. 298. Cf. LUSTOSA, Isabel. Insultos impressos: a guerra dos jornalistas na Independência (1821-1823). São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
31. RAMOS, Ana Flávia Cernic. Política e humor nos últimos anos da Monarquia: a série “Balas de Estalo” (1883-1884). Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História da Unicamp, 2005, p. 8.
32. RAMOS, op. cit., p. 8-9; cf. PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. O carnaval das letras: literatura e folia no Rio de Janeiro do século XIX. 2.ed. rev. Campinas: Editora
da Unicamp, 2004, p.14.
33 Atente-se, por exemplo, para a charge publicada pela Revista Ilustrada, em 10 de outubro de 1885, representando um grupo de negras quitandeiras – que também vendiam seus produtos na Praça – “atacando” os vereadores, tido como os responsáveis pelas novas barracas e o desvantajoso contrato firmado entre os empresários e a Câmara Municipal.
34 SALIBA, op. cit., p. 297.
35 Conforme vem demonstrando estudos recentes, a imprensa tanto constitui memórias de um tempo – ao apresentar visões distintas de um mesmo fato, serve como fundamento para pensar e repensar a História –quanto desponta como agente histórico que intervém nos processos e episódios, e não apenas como um simples ingrediente do acontecimento, no dizer de Robert Darnton e Daniel Roche. NEVES, Lúcia Maria B. P.; MOREL, Marco & FERREIRA, Tânia Maria B. da C. (orgs.) História e imprensa: representações culturais e práticas de poder. Rio de Janeiro: DP&A/Faperj, 2006, p. 10.
36 Jornal do Commercio, 9 de outubro de 1885, p.4. A nota saiu com a seguinte assinatura: “Infelizes quitandeiros”.
37 “As barraquinhas e o cais da Doca”. Jornal do Commercio, 9 de outubro de 1885, p.4.
38 Idem.
39 “Monopólio escandaloso”. Diário de Notícias, 7 de outubro de 1885, p. 3.
40 “Ilma. Câmara Municipal”. Gazeta de Notícias, 10 de outubro de 1885, p.2.
41 AGCRJ, Códice 58-3-39, op. cit., folha 8.
42 Idem, folha 80.
43 Cf. O Paiz, 10 de outubro de 1885, p. 3; Diário de Notícias, “A greve das hortaliças”, 6 de outubro de 1885, p. 1. Lá pelo meio de seu poema, Violino dizia que: “Afinal toda a hortaliça/Marchou para o xilindró,/Entre um aipo e uma nabiça/Às ordens do carijó.” Em O Mequetrefe, o retrato de Carijó ainda vinha acompanhado das seguintes loas: “Dr. Pedro Augusto de Moura Carijó – Honramos hoje a primeira página do Mequetrefe com o retrato deste ilustre cidadão. É inútil repetir aqui quais os serviços prestados à polícia desta corte pelo Dr. Carijó. S.S. tornou-se um benemérito da população fluminense. O atual governo, reconhecendo o quão difícil fora substituir o 3º delegado de polícia, pediu-lhe que se conservasse nesse cargo, apesar da divergência política. Basta este fato para o elogio do digno brasileiro, que recomendamos às considerações dos nossos leitores”. O Mequetrefe, 10 de novembro de 1885, p.1.
44 “Crônica da semana”. Gazeta de Notícias, 11 de outubro de 1885, p.1.
45 DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 16-18.
46. Para uma análise da cobertura do movimento grevista pela imprensa, ver: FARIAS, Juliana Barreto. “Jornalismo e política: a imprensa na greve de pequenos lavradores e
quitandeiras das Praça das Marinhas, Rio de Janeiro/década de 1880”. In: Anais do VI Congresso Nacional de História da Mídia. Niterói, Maio/2008.
47 “A crise dos legumes”. Gazeta de Notícias, 11 de outubro de 1885, p. 1.
48 Nessa época, presidia o Conselho de Ministros o visconde de Sinimbu, e era ministro da Fazenda o futuro visconde de Ouro Preto. “Esse gabinete sucedera ao de Caxias, e representava a volta dos liberais ao poder, depois de anos de domínio conservador”. CARVALHO, José Murilo de. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p.175. Cf. MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo saquarema: a formação do Estado imperial. 5 ed. São Paulo: Hucitec, 2004.
49 CARVALHO, op.cit, pp. 174-177.
50 Idem.
51 AGCRJ, Códice 58-3-39, op. cit., folha 96.
52 Jornal do Commercio, 26 de novembro de 1885. O aviso foi expedido pela Secretaria Municipal no dia 23 de novembro, sob a assinatura de J. A. de Magalhães Castro Sobrinho.
53 O Paiz, 9 de outubro de 1885, p.1.
54 O aviso foi expedido pela Secretaria Municipal no dia 23 de novembro, sob a assinatura de J. A. de Magalhães Castro Sobrinho, e publicado Jornal do Commercio, em 26 de novembro de 1885.
55 AGCRJ, Códice 46-1-5: Lavoura do município: mercadores da pequena lavoura (1833-1872), p. 48-51.
56 AGCRJ, Códice 46-1-9: Lavoura do municipio – pedidos de varios lavradores sobre a venda de produtos de sua terra (21 a 31 de dezembro de 1885), p. 58.
57 Capital da província do Rio de Janeiro desde 1835, a cidade de Niterói tinha seis freguesias: São João Baptista; São Lourenço; São Sebastião de Itaipu; São Gonçalo; Nossa Senhora da Conceição da Vargem (Jurujuba) e Nossa Senhora da Conceição de Cordeiros. Itaipu, São Gonçalo e Cordeiros ficavam nas áreas rurais e, até fins do século XVIII, estavam entre as principais produtoras de açúcar da capitania. Já as freguesias de São João e São Lourenço tornaram-se, ao longo do século XIX, o centro urbano da cidade de Niterói. Cf. MOTTA, MOTTA, Márcia M. Menendes. Pelas “bandas d’além”: fronteira fechada e arrendatários-escravistas em uma região policultora, 1808-1888. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História da UFF, 1989 e Almanak Laemmert, 1883, p. 418.
58 A expressão “sem terra” é usada por Márcia Motta para qualificar os lavradores despossuídos nas áreas rurais de Niterói, que arrendavam parcelas em grandes propriedades. MOTTA. Op. cit.
59 MOTTA. Op. cit., p. 68.
60 Idem, p. 133-135.
61 Estes casos são analisados em: MOTTA. Op. cit., pp. 74-75.
62 AGCRJ, Códice 46-1-7: Lavoura do município: pedidos de vários lavradores sobre a venda de produtos de sua terra, 1885,p. 164.
63 AGCRJ, Códice 46-1-7, op. cit., pp. 50, 52, 69, 71, 73, 75, 80 e 81. Os quatro lavradores também transportavam seus produtos na falua de propriedade de Antonio Rodrigues Costa, no Porto das Neves.
64. AGCRJ, Códice 46-1-12: Lavoura do município – pedidos de vários lavradores para venderem os produtos de sua terra (1 a 16 de dezembro de 1885), pp. 79-82; 126-129.
65 . De acordo com Márcia Motta, nas freguesias de São Gonçalo, Cordeiros e Itaipu,
200 hectares de terra eram suficientes para caracterizar uma propriedade como “fazenda”.
Como o território tinha extensão pequena e estava bem próximo da corte e da capital da província, possuir essa extensão de terreno constituía-se numa riqueza relativamente maior do que a mesma dimensão em regiões interioranas. MOTTA. Op. cit., pp. 133-134.
66. AGCRJ, Códice 46-1-12: Lavoura do município – pedidos de vários lavradores para
venderem os produtos de sua terra (1 a 16 de dezembro de 1885), p. 60.
67 AGCRJ, Códice 46-1-12: Lavoura do município – pedidos de vários lavradores para venderem os produtos de sua terra (1 a 16 de dezembro de 1885), p. 257.
68 Hoje existe no atual município de São Gonçalo um bairro chamado Porto da Madama. Outros bairros da região também conservam os nomes das antigas fazendas e localidades oitocentistas, como Engenho Pequeno, Boassú, Mutuá, Rocha, Pacheco.
69 No Almanak Laemmert de 1883, anunciava-se que o Porto da Madama recebia “quitandas todos os dias e transporta[va] para a corte”. Almanak Laemmert, 1883, p. 447.
70 MOTTA. Op. cit., p. 51-52.
71 AGCRJ, Códice 46-1-6: Lavoura do município (projetos, medidas de defesa, mercados da pequena lavoura, etc), pp. 16, 16v, 19, 19 v.
72 MOTTA, op. cit., pp. 52-53.
73 Idem.
74 Cf. BN, Almanak Laemmert, 1885, p. 1004.
75 Idem, p. 1005.
76 Não tenho como afirmar, tomando como base as informações do Almanak Laemmert, se Antonio Rodrigues Costa era proprietário ou somente um arrendatário do porto.
77 “As barracas do cais da doca”. Jornal do Commercio, 6 de outubro de 1885, p. 2.
78 AGCRJ, Códice 46-1-9: Lavoura do município – pedidos de vários lavradores sobre a venda de produtos de sua terra, 21 a 31 de dezembro de 1885, p. 275.
79 “A questão das barraquinhas”. Diário de Notícias, 11 de outubro de 1885, p.1.
80 SANTOS, Joaquim Justino Moura dos Santos. De freguesias rurais a subúrbio: Inhaúma e Irajá no município do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado em História Social, USP, 1996, p.155-157.
81 De acordo com Joaquim Justino Santos, a nova função da freguesia de Inhaúma como “área residencial para as classes trabalhadoras empregadas na cidade, então incorporada à vida de Inhaúma, encontrava-se em seu estágio mais preliminar. Tanto o ritmo como a proporção em que o fato ocorreu na região, entre os anos de 1870 e 1890, se deram em um grau bastante reduzido, em relação ao acelerado processo de ocupação urbana e ao enorme crescimento da população trabalhadora que se verificou nas três décadas seguintes”. SANTOS, op. cit., p. 237.
82 AGCRJ, Códice 46-1-9: Lavoura do município – pedidos de vários lavradores sobre a venda de produtos de sua terra (21 a 31 de dezembro de 1885)
83 SANTOS. Op. cit., p. 95.
84 SANTOS. Op. cit., p. 102.
85 GERSON, Brasil. História das ruas do Rio de Janeiro. 5 ed. Rio de Janeiro: Lacerda&Editores, 2000, pp. 366-367.
86 AGCRJ, Códice 46-1-9, op. cit., pp. 224-25; 243-46; 253-54.
87 Cf. AGCRJ, Códice 46-1-7, op. cit., pp. 73-75; Códice 46-1-9, op. cit., pp. 229-231.
88 MOTTA. Op. cit., pp. 94, 165-167.
89 SANTOS. Op. cit., p. 194.
90 A autora baseia-se nos Relatórios dos Ministérios dos Negócios do Império, apresentados à 2ª e 3ª sessão da 14ª Legislatura pelo Ministro e Secretario de Estado dos Negócios do Império. Rio de Janeiro: Imp. Nacional, 1870/1871. In: LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. História do Rio de Janeiro. Do capital comercial ao capital financeiro. Rio de Janeiro: Ibmec, 1978, pp. 415 e 423.
91 Arquivo Histórico do Itamarati. Diretoria Geral de Estatística – Censo de 1872, pp. 58 e seguintes.
92 MENEZES, Lená Medeiros de. “A presença portuguesa no Rio de Janeiro, segundo os censos de 1872, 1890, 1906 e 1920: dos números às trajetórias de vida”. Revista População e Sociedade. Porto: Edições Aforamentos, 2007, n.14/15, parte I. Sobre a imigração portuguesa no Rio, ver: RIBEIRO, Gladys Sabina. RIBEIRO, Gladys. “Cabras” e “pésde-chumbo”: os rolos do tempo. O antilusitanismo no Rio de Janeiro da República Velha. Niterói, Dissertação de Mestrado, Departamento de História, UFF, 1987.
93 MIYASAKA, Cristiane Regina. Viver nos subúrbios: a experiência dos trabalhadores de Inhaúma (Rio de Janeiro, 1890-1910). Dissertação de mestrado em História, Unicamp, 2008, p. 52.
94 Cf. AGCRJ, Códice 46-1-7. Op. cit., p. 195; Códice 46-1-11, op. cit., pp. 202-04.
95 LOBO. Op. cit., pp. 255 e 431.
96 Idem, p. 265. Em Campos existiam, na mesma época, 431 engenhos. Havia 58, na corte (regiões suburbanas); 38, em Itaboraí; 32, em Iguassú; e 25, em Niterói. Cf. SANTOS, Ana Maria dos. Vida econômica de Itaboraí no século XIX. Dissertação de mestrado em História, UFF, 1974.
97 “A questão das barraquinhas”. Diário de Notícias, 11 de outubro de 1885, p. 1.
98 “A questão das barraquinhas”. Cf. Diário de Notícias, 11 de outubro de 1885, p. 1; AGCRJ, Códice 46-1-7, op. cit., p. 197.
99 O Mequetrefe, 10 de outubro de 1885, p. 4.
100 O Mequetrefe, 10 de outubro de 1885, p. 4.
101 As imagens aparecem em: ERMAKOFF, George. O negro na fotografia brasileira do século XIX. Rio de Janeiro: George Ermakoff Casa Editorial, p. 142 e 143.
102. Sobre as negras minas quitandeiras, ver artigos de Carlos Eugênio L. Soares e Flávio
Gomes: SOARES, Carlos E. Líbano. “Comércio, nação e gênero: as negras minas quitan
deiras no Rio de Janeiro, 1835-1900”. In: FRAGOSO, J., MATTOS, H. M & SILVA,
F. C. (orgs.) Escritos sobre história e educação. Rio de Janeiro: Mauad/FAPERJ, 2001, pp. 401-415; “A ‘nação’ da mercancia: Condição feminina e as africanas da Costa da Mina, 1835-1900”. In: FARIAS, J. B., GOMES, Flávio S. & SOARES, C. E. No labirinto das nações: africanos e identidades no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005, pp. 193-247. GOMES, Flávio & SOARES, Carlos E. L. “‘Dizem as quitandeiras’... : ocupações e identidades étnicas numa cidade escravista: Rio de Janeiro, século XIX”. Acervo, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, julho/dezembro 2002, pp. 3-16.
103. SAMSON, Adèle Toussant. Uma parisiense no Brasil. 1849-1862. Rio de Janeiro: Capivara, 2003, pp. 76-78. Em 1859, Charles Ribeyrolles, um outro francês, também
dizia: “Gostais da África? Ide, pela manhã, ao mercado próximo do porto. Lá está ela, sentada, acocorada, ondulosa e tagarela, com o seu turbante de casimira, ou vestida de trapos, arrastando as rendas ou os andrajos. É uma curiosa e estranha galeria, onde a graça e o grotesco se misturam, Povo de Cã, debaixo de sua tenda”. RIBEYROLLES, Charles.
Brasil Pitoresco. Vol. 1. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1980, p. 203.
104 AGASSIZ, Luiz e Elizabeth Cary. Viagem ao Brasil. 1865-1866. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1975, p. 68.
105 Recorrendo aos estereótipos criados por viajantes, Mary Karasch apresenta uma síntese da imagem que os senhores criaram em torno dos pretos minas: “orgulhosos, indomáveis e corajosos, [que] falavam árabe e eram muçulmanos, alfabetizados, inteligentes e enérgicos, que trabalhavam duro para comprar sua liberdade”. Contudo, mesmo com tantas “qualidades positivas”, os proprietários temiam-nos como escravos, principalmente após a Revolta dos Malês de 1835, em Salvador. Como muitos migraram da capital baiana para o Rio de Janeiro, os proprietários cariocas temiam o potencial dos minas (em Salvador, mais conhecidos como nagôs) para revoltas, assassinatos de seus senhores e suicídios. KARASCH, Mary. A vida dos escravos no Rio de Janeiro, 1808-1850. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2000, p. 64. Cf. SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A capoeira escrava e outras tradições rebeldes. Campinas: Editora da Unicamp, 2001.
106 SERLA, Eneida Maria Mercadante. Modos de ser em modos de ver: ciência e estética de africanos por viajantes europeus (Rio de Janeiro, ca. 1808-1850). Tese de doutorado apresentada ao Departamento de História da Unicamp. Campinas, 2006, p. 289.
107 Ver artigos de Carlos Eugênio Líbano Soares e Flávio dos Santos Gomes citados na nota 47; Cf. FARIAS, Juliana Barreto. “Ardis da liberdade: trabalho urbano, alforrias e identidades”. In: SOARES, Mariza de Carvalho. Rotas atlânticas da diáspora africana: da Baía do Benin ao Rio de Janeiro. Niterói: Eduff, 2007, pp. 225-56.
108. Como também já pude perceber num breve exame dessa documentação, os africanos minas faziam questão de indicar sua “nação” nos pedidos de arrendamentos e em
outros ofícios encaminhados à Câmara Municipal, mesmo que não existisse qualquer
obrigação neste sentido. Disposição bem diferente dos muitos portugueses e brasileiros também instalados por ali, que só eventualmente pareciam mencionar seus locais de
origem na documentação enviada à municipalidade.
109 Cf. AGCRJ, Códices 61-1-7; 61-1-9; 61-1-11; 61-1-12; Mercado da Candelária.
110 Cf. FARIAS, op. cit. Cf. ALENCASTRO, Luiz Felipe de. “Proletários e escravos: imigrantes portugueses e cativos africanos no Rio de Janeiro, 1850-1872”. Novos Estudos Cebrap, n. 21, julho/1988, pp. 30-56.
111 Essa prática não era nenhuma novidade, tanto para os comerciantes como para a municipalidade. Num ofício encaminhado à Câmara Municipal em 1869, o fiscal do Mercado falava do abuso de muitos indivíduos que, apesar de receberam licenças da municipalidade para comerciarem, ou quitandarem, junto ao lugar onde os roceiros estacionavam na Praça das Marinhas, prevaleciam-se “da faculdade de, por mais de uma transferência na licença, passarem a segundo possuidor a mesma, e isto mediante umas luvas que me consta serem de cerca de 200 mil réis”. AGCRJ, Códice 46-1-5: Lavoura do município: mercadores de pequena lavoura (1833-1872), p. 53.
112 . BN, O Mequetrefe, 10 de outubro de 1885, p.8.
113 . Para uma detalhada biografia sobre D. Obá, ver: SILVA, Eduardo. Dom Obá II D’África, o Príncipe do Povo. Vida, tempo e pensamento de um homem livre de cor. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
114 SILVA, op. cit., p. 124.
115 No dia 20 de outubro, por exemplo, uma sequência de ilustrações apresentava os escândalos que agitaram a corte naquele mês. Além da “questão das barraquinhas”, mostrada logo no primeiro quadro, também se comentou a guerra aos capoeiras, as encrencas envolvendo vereadores no Matadouro público e a visita do engenheiro Aarão Reis às obras que estavam sendo executadas em Quixadá, no Ceará. O Mequetrefe, 20 de outubro de 1885, p. 4.
116 . ACGRJ, Códice 58-3-39, op. cit., folha 50.
117 . Derivada do termo quimbundo mpumbu, a expressão pombeiro designava, no século XVI, negros e mestiços (escravos ou libertos) e também portugueses, emissários de comerciantes europeus, que se estabeleciam nos mercados litorâneos da costa centro-ocidental africana, trazendo cativos e mercadorias de áreas do interior de Angola, Benguela ou Congo. Mais tarde, indicaria ainda os atravessadores e vendedores ambulantes de peixe que atuavam em diferentes pontos da região. Mas a palavra não ficou restrita à sua área de origem, generalizando-se na África portuguesa e ganhando o Brasil, onde o comércio se desenvolvia em condições similares. Ao atravessar o Atlântico, contudo, iria adquirir ainda novos contornos. De “comerciantes do mato” do contexto angolano transformarse-iam, no Rio de Janeiro do século XIX, em “mercadores avulsos”. Cf. ZERON, Carlos Alberto. “Pombeiros e tangosmaos, intermediários do tráfico de escravos na África”. Actes du Colloque Passeurs Culturels – Mediadores Culturais, Lagos (Portugal), 9 a 11 de outubro de 1997. Lisboa: Fundação Callouste Gulbenkian, 1998; RODRIGUES, Jaime. De costa a costa: escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola do Rio de Janeiro (1780-1860). São Paulo: Companhia das Letras, 2005, pp. 98-107.
118. Entre os que assinaram os protestos, encontramos o inspetor do 10º Regimento
de Inhaúma, os inspetores do 3º e do 9º quarteirões da freguesia e ainda seu juiz de paz. AGCRJ, Códice 46-1-5: Lavoura do município: mercadores de pequena lavoura (18331872), p.48.
119 . AGCRJ, Códice 61-2-25: Mercado da Candelária (1881-1885), p. 28.
120 ACGRJ, Códice 58-3-39, op. cit., folha 124.
121 No Brasil do século XIX, as primeiras formas de paralisação do trabalho ficaram conhecidas como paredes.
122 Jornal do Commercio, 3 de maio de 1872, p. 3; Diário do Rio de Janeiro, 3 de maio de 1872. Cf. CRUZ, Maria Cecília Velasco. Virando o jogo: estivadores e carregadores no Rio de Janeiro da Primeira República. Tese (Doutorado), USP, São Paulo, 1998, p. 268. FARIAS, Juliana Barreto. “Descobrindo mapas dos minas: alforrias, trabalho urbano e identidades”. In: FARIAS, J. B., GOMES, Flávio dos S. & SOARES, Carlos Eugênio. No labirinto das nações: africanos e identidades no Rio de Janeiro, século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005, p. 128.
123. BATALHA, Cláudio H. M., SILVA, Fernando Teixeira da & FORTES, Alexandre (orgs.) Culturas de classe: identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas:
Editora da Unicamp, 2004, pp. 12-15.
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