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7 de agosto | 40 anos do Estatuto do Estrangeiro

07 ago 2020

Artigo arquivado em Datas comemorativas
e marcado com as tags Direitos Humanos, Estatuto do Estrangeiro, História, Imigrantes, Legislação, Lei de Imigração, Política, Refugiados

Tudo começou em meados de 1980, praticamente junto da visita do papa João Paulo II ao Brasil. E, de quebra, em meio ao contexto da Guerra Fria. Trata-se de um marco jurídico ocorrido há 40 anos neste dia 7 de agosto: promulgada sem emendas, sem consulta pública e com pouco tempo para apreciação por parte do Congresso, já que seu projeto fora encaminhado em regime de urgência, já ao fim da ditadura militar, pelo então presidente João Baptista Figueiredo, a Lei n.º 6.815/80 acabou informalmente chamada de “Estatuto do Estrangeiro”. Em meio a polêmicas, onde opunham-se ideias de protecionismo e de ajuda humanitária, sua complicada história se prolongou até 2017, data que marca sua substituição pela atual Lei de Migração.

De início, o projeto de Lei foi visto como excludente por parte da sociedade civil. Mesmo que pessoas de outras nacionalidades fossem relativamente poucas no pais, naquele momento, o texto da Lei via o imigrante como alguém potencialmente danoso ao país: ele deveria ter uma série de restrições de direitos, em nome da proteção à segurança nacional e ao trabalhador nacional. Caso entrasse no Brasil sem documentos, independentemente de suas justificativas, não poderia buscar regularização. O Conselho Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), sob a proteção do papa, chegou a classificar a medida de “anticristã”, tanto pela insustentabilidade que ela geraria à manutenção de boa parte dos missionários católicos no país quanto pelo tocante à instituição familiar: pais de filhos brasileiros, com mães brasileiras, por exemplo, podiam ser deportados. Mas, na imprensa, a insatisfação não se restringia a isso. A aprovação do Estatuto do Estrangeiro se deu por um mecanismo então em vigor, o chamado “decurso de prazo”, que estabelecia que, caducados os prazos de deliberação dos projetos de iniciativa presidencial na Câmara e no Senado, os mesmos deveriam ser aprovados.

Mesmo com a lei aprovada, em dezembro de 1981 outro texto legal, a Lei n.º 6.964, flexibilizou um pouco o Estatuto do Estrangeiro. Ali houve a inclusão do artigo 134, dispondo enfim sobre a possibilidade de regularização da situação de migrantes no país, possibilitando ao migrante não documentado o exercício de atividade remunerada e a livre locomoção no território nacional. Tal documentação se direcionava especificamente às pessoas vistas pelo Estado como mão de obra especializada, podendo ingressar e permanecer por meio de contratos de trabalho, ou para aquelas que possuíam filhos brasileiros ou eram casadas com brasileiros. Outra anistia seria anunciada em 1988: vigorando a atual Constituição Federal Brasileira, naquele ano, brasileiros e estrangeiros no Brasil foram equiparados quanto a seus direitos fundamentais. Resultado: o Estatuto do Estrangeiro teve parte do seu conteúdo não recepcionado pela nova ordem constitucional, já que até então imigrantes sem documentação não poderiam matricular nem ser matriculados em instituições de ensino. Ainda que novas anistias fossem estipuladas em 1998 e 2009, muitos imigrantes acabavam não conseguindo a regularização, seja pela falta de documentos consulares de seus países de origem ou pela escassez de recursos financeiros para o processo.

Anos mais tarde, propostas distintas quanto à migração iam sendo apreciadas e debatidas no Congresso. O Projeto de Lei do Senado nº 288/2013, visando reformar o modelo do Estatuto do Estrangeiro ao considerar o ponto de vista da pessoa que migra, incluindo os brasileiros no exterior, avançava com certa celeridade. Um anteprojeto de Lei de Migrações e Promoção dos Direitos dos Migrantes no Brasil foi escrito por uma comissão de especialistas montada pelo Ministério da Justiça. Foram então promovidas audiências públicas e diálogos com representantes de órgãos governamentais e de organizações internacionais, somados a especialistas e pesquisadores da área. Assim, nasceu o Projeto de Lei substitutivo n.º 2.516/2015 – nele, a perspectiva dos direitos humanos dava as caras. Visto como avanço por uns e como temeridade por outros, tal texto foi finalmente aprovado no dia 18 de abril de 2017, após debates entre senadores contrários e favoráveis à nova lei. A importância do tema das migrações internacionais para o Brasil assumiu, naquele momento, um tanto tardio, um caráter sem precedentes.

Mas quais eram as novidades, na Lei de 2017? Basicamente, a Lei de Migração contempla adequação à Constituição Federal de 1988, pelos princípios da igualdade e da não discriminação, em respeito à dignidade de toda a pessoa humana. A nova Lei de Migração implementou o cumprimento de obrigações internacionais ao Brasil, contemplando pela primeira vez na sua legislação o tema da apatridia. Fora isso, os casos de crianças desacompanhadas foram vistos com maior sensibilidade, mesmo tratamento dado às disposições quanto à proteção dos direitos dos brasileiros que vivem exterior. Passou a existir pleno reconhecimento de uma série de direitos ao migrante: à reunião familiar, à associação para fins lícitos, à educação pública, à abertura de conta bancária, ao amplo acesso à justiça e à assistência jurídica integral gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Ficava ainda criminalizada a xenofobia, a discriminação motivada pela nacionalidade e pela condição migratória. Em 24 de maio de 2017 o projeto foi sancionado como Lei nº 13.445/2017. A Lei de Migração vinha a lume, embora com vinte vetos.

Explore os documentos:

Aprovação da lei

Charge de Paulo Caruso, com ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel