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Acervo da BN | A última de Samuel Wainer

02 jul 2021

Artigo arquivado em Acervo da BN
e marcado com as tags Getúlio Vargas, Imprensa Brasileira, Política, Samuel Wainer, Secult, Última Hora

Última Hora foi um dos mais importantes jornais de grande circulação da história da imprensa brasileira. Fundado no Rio de Janeiro (RJ) em 12 de junho de 1951 pelo jornalista Samuel Wainer – que já havia se destacado por sua atuação na revista Diretrizes –, não era lá grande exemplo de isenção: foi um diário de tamanho standard que tinha o objetivo explícito de apoiar o segundo governo de Getúlio Vargas, de quem obtivera favores políticos. Ainda assim foi uma folha revolucionária no jornalismo brasileiro, tanto do ponto de vista técnico quanto do trabalhista. Continuou sendo editada mesmo após o suicídio do presidente, em 1954, mas veio a enfrentar sérias dificuldades com o regime militar, que se instaurou em 1964. Em 1971, acabou sendo vendida a um grupo empresarial ligado à empreiteira Metropolitana, capitaneado por Maurício Nunes de Alencar, que, em 1969, buscando agradar o governo e obter contrapartidas para a construtora, já havia arrendado outro jornal hostil aos interesses dos militares, transformando-o num órgão inofensivo para o poder: o Correio da Manhã. Saindo então pela Arca Editora S.A., do empresário Ary de Carvalho, no período entre 1973 e 1987, Última Hora foi em seguida vendida a José Nunes Filho, que o manteve até 26 de julho de 1991. O resumo dessa trajetória, afinal, não dá conta da complexidade de Última Hora.

Ao lançar seu bem-sucedido diário, Samuel Wainer, de origem humilde, desafiou o círculo fechado das poderosas famílias proprietárias de grandes jornais do eixo Rio-São Paulo, que então guiavam as linhas da política jornalística. O surgimento do periódico, além disso, proporcionou uma valorização à carreira profissional do jornalista, através dos altos salários disponibilizados por Wainer para atrair bons profissionais de outros órgãos de imprensa. Todavia, a respeito da Última Hora, foram suas introduções técnicas no campo jornalístico brasileiro os fatores mais ressaltados pela historiografia da imprensa. Nelson Werneck Sodré, na “História da imprensa no Brasil”, aponta que

Não é possível esquecer (...) as inovações introduzidas em jornal por Samuel Wainer, cuja aprendizagem, em Diretrizes, durante a ditadura (do Estado Novo), permitiram-lhe, ao fundar o vespertino Última Hora, em 1951, apresentar uma folha vibrante, graficamente modelar, revolucionária em seus métodos e informar e até de opinar. (p. 395)

Carlos Eduardo Leal, em verbete sobre a Última Hora no “Dicionário histórico- biográfico brasileiro pós-1930”, corrobora: a folha revolucionou a imprensa nacional de sua época ao introduzir “técnicas de comunicação de massa até então desconhecidas no Brasil. A importância desse aspecto técnico do jornal é ressaltada nos depoimentos de sua antiga equipe, segundo a qual Última Hora foi fundada para ser ‘a Volta Redonda da imprensa brasileira’” (p. 5.829).

A Última Hora, em verdade, foi fruto de um contexto. Juntamente com o Diário Carioca, o Correio da Manhã, o Jornal do Brasil e a Tribuna da Imprensa, a folha de Samuel Wainer marcou o início da fase industrial da imprensa brasileira. A publicação foi por cerca de 13 anos um dos principais diários da capital fluminense, diretamente concorrendo com O Globo em determinados períodos. Tinha, em sua redação, uma central de informações exclusiva para assuntos de interesse nacional. Possuía um jornalismo opinativo, interpretativo e participativo, além de contar com alta qualidade de impressão, mas, devido ao seu caráter popular, habitualmente rendia-se ao sensacionalismo (apesar de Samuel Wainer negar esta tendência no livro “Minha razão de viver”). Com forte noticiário político voltado para a grande maioria da população, o periódico cobria temas caros às camadas populares: efemérides cariocas, problemas de infraestrutura, acidentes, crimes, etc., sem deixar de lado o entretenimento e concursos com distribuição de brindes. Sua renomada redação policial funcionava 24 horas por dia. Seu noticiário esportivo, ademais, era audacioso e inovador, principalmente pelas sequências fotográficas – na Copa do Mundo de futebol de 1970 o jornal lançou um suplemento tabloide chamado “Jornal da Copa”, que contava apenas com matérias de agências.

Última Hora chegou a contar com “irmãos” regionais, jornais homônimos em Brasília (DF), São Paulo (SP) – este já desde 1952 –, Porto Alegre (RS), Curitiba (PR), Belo Horizonte (MG), Recife (PE), Santos (SP), Campinas (SP), Niterói (RJ), Bauru (SP) e no ABC Paulista, todos criados por Samuel Wainer e dirigidos por jornalistas locais. A comunicação entre estes e o jornal matriz funcionava de forma simples: uma edição nacional era rodada no Rio, seguindo para ser complementada nos pontos regionais. A chamada Rede Nacional de Última Hora começou a ser articulada por volta de 1955, após o lançamento de uma edição matutina da edição carioca. Na ocasião, Vargas não estava mais no poder, mas a influência que seu mandato tivera sobre os investimentos da folha se refletia na boa qualidade da publicação e na expansão do empreendimento. A rede, oficialmente organizada em 1961, afinal, foi inovadora no sentido da regionalização de cada jornal: ao contrário do que Assis Chateaubriand fazia nos Diários Associados, Wainer buscava dar identidades próprias e específicas para cada Última Hora regional. Importante destacar também outro produto da Empresa Editora Última Hora S. A.: o tabloide semanal ilustrado Flan, publicado a partir de 12 de abril de 1953, com trabalhos do desenhista Darel. Dirigido por Marques Rebelo, Flan foi publicado apenas até a 36ª edição, deixando de circular em 13 de dezembro de 1953, mas fez certo sucesso: tendo tiragem de 150 mil exemplares, chegou a rivalizar com O Cruzeiro, dos Associados, uma das maiores revistas da história da imprensa brasileira.

Samuel Wainer estreitara suas relações com Vargas entre 1949 e 1951, quando acompanhara sua candidatura para uma série de reportagens para a revista O Cruzeiro, de Assis Chateaubriand, então opositor ao retorno do estadista à presidência. Dessa relação, que unia os interesses tanto do candidato quanto do jornalista, já que à época Wainer estava descontente sob o comando de Chateaubriand, nasceu Última Hora, que durante o governo Vargas seria mantido por empréstimos em troca de favores políticos.

Ao que consta, foi logo após ganhar as eleições de 1950 que Vargas perguntou a Wainer se lhe interessaria possuir um jornal. À resposta afirmativa, o jornalista obteve um empréstimo junto ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal, que possibilitou a compra do prédio – projetado por Eduardo Reidy na avenida Presidente Vargas – e do campo gráfico do Diário Carioca, outra grande publicação da época, que nem por isso foi fechada. O acordo foi fechado com Horácio de Carvalho Júnior, proprietário do jornal e da empresa gráfica Érica, que o rodava: por 30 milhões de cruzeiros, Wainer ficaria com todas as ações da Érica, que até então estavam em posse de Aluísio Sales, além de assumir as dívidas do Diário Carioca e da gráfica no Banco do Brasil e na Caixa Econômica – que, garantidas pelo imóvel e pelas oficinas, estavam a 22 milhões de cruzeiros. Apesar de contar com a influência de Getúlio Vargas, Wainer não obteve subsídios diretamente do governo. Alzira Vargas do Amaral Peixoto, filha e secretária do presidente, deixava claro ao jornalista que tanto ela quanto seu pai apoiariam seu projeto desde que recursos oficiais não fossem empregados. Restavam, portanto, financiadores privados. Primeiro, o banqueiro Válter Moreira Salles, cujo banco era o principal credor da Érica, emprestou 10 milhões de cruzeiros a Wainer, tendo as ações que este adquiriria de Aluísio Sales como garantia. Em seguida, Ricardo Jaffet e Euvaldo Lodi emprestaram ao jornalista, cada um, a mesma quantia que Moreira Salles. Ambos eram figuras diretamente ligadas a Vargas: o primeiro era então o presidente tanto do Banco do Brasil quanto de um dos grupos econômicos mais poderosos de São Paulo; o segundo, industrial mineiro que presidia a Confederação Nacional da Indústria. Com esses 30 milhões em mãos e já detendo as instalações da Érica, nas palavras de Carlos Eduardo Leal,

Wainer solicitou um empréstimo de 26 milhões de cruzeiros ao Banco do Brasil, a ser rigorosamente aplicado na complementação do equipamento gráfico e em obras no prédio, investimentos esses que dariam à nova empresa condições operacionais de maior eficiência econômica. Esse empréstimo, mais a absorção pelo Banco do Brasil da dívida com a Caixa Econômica, seriam garantidos com a hipoteca do imóvel e o penhor dos equipamentos gráficos. Segundo Thomas Skidmore, esse empréstimo do Banco do Brasil teria sido aprovado por Getúlio Vargas. (p. 5.830)

A compra totalizava um gasto de 64 milhões de cruzeiros, sendo que os 22 da dívida do Diário Carioca teriam prazo de até 15 anos para pagamento junto aos bancos. Para Wainer, então, dinheiro não era problema: o jornalista conseguira ainda um empréstimo adicional de três milhões de cruzeiros junto ao Banco Hipotecário de Crédito Real, a serem pagos futuramente através de publicidade, por influência direta do então recém- empossado governador mineiro: Juscelino Kubitschek de Oliveira. A transação entre Wainer e Horácio de Carvalho Júnior, todavia, não extinguira o Diário Carioca: por contrato, ao desocupar o prédio da Érica, o jornal ainda seria impresso por Samuel Wainer por mais dois anos. Governador do Rio de Janeiro à época do lançamento de Última Hora, Ernâni Amaral Peixoto, genro de Vargas, não se opôs nem favoreceu a negociação entre Wainer e o Diário Carioca, apesar de a compra da gráfica Érica ter sido a salvação do último, um jornal de oposição a seu governo. Estava fundada, então, a Empresa Editora Última Hora S. A.

Desde seu lançamento politicamente situado mais à esquerda que à direita, não raro explorando questões sindicais e trabalhistas sem abdicar de sentimentos nacionalistas e de uma postura populista, Última Hora era, em geral, favorável aos interesses do trabalhador. Isso refletia, na verdade, parte da cartilha política getulista. Adotava-se, naturalmente, uma linha política favorável ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e contrária ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Segundo Carlos Eduardo Leal, Wainer imprimia um caráter antioligárquico a sua folha, buscando ser não um porta-voz do governo, mas um mediador entre este e o grande público:

Wainer apresentava Vargas como “o poder contra o poder”, a contraditória figura política que, embora na presidência da República, empenhava-se em lutar contra “a classe dirigente brasileira” na qual estariam congregados os “verdadeiros elementos do poder”. Última Hora pretendia ser, portanto, “um jornal de oposição à classe dirigente e a favor de um governo”, um governo que em última análise representava a tendência popular. Entretanto, ainda que tivesse procurado enfatizar as preocupações do povo – identificando-se assim com a própria política de Getúlio –, Wainer reconheceria mais tarde que seu jornal foi incapaz de atingir as camadas populares. (p. 5.829)

Muito pela importância adquirida através de Juscelino Kubitschek, Samuel Wainer conseguiu reunir uma equipe de ponta para a redação de Última Hora: Otávio Malta – que se tornaria editor-geral –, João Etcheverry, Edmar Morel, Medeiros Lima, Nabor Caires de Brito, entre outros, incluindo Andrés Guevara, até então no jornal portenho La Crítica, um dos mais importantes diagramadores argentinos, que, muito pelo seu trabalho no jornal de Wainer, ao lado do artista plástico Augusto Rodrigues, introduziria técnicas inovadoras de diagramação e paginação no mercado editorial brasileiro. Na parte administrativa, apesar do caráter antioligárquico da folha (ou talvez justamente por isso), Wainer colocara Luís Fernando Bocaiúva Cunha e Armando Daut d’Oliveira, figuras de famílias tradicionais, vinculadas ao poder, de alguma forma. Cerca de um ano após a fundação da Última Hora no Rio apareceria sua versão paulista, financiada por Francisco Matarazzo, e de certa forma uma contrapartida ao investimento feito por Ricardo Jaffet.

Quem lesse a primeira edição de Última Hora, nas bancas na tarde de 12 de junho de 1951, se depararia, logo de início, com uma carta de Getúlio Vargas endereçada a Samuel Wainer, parabenizando-o pelo aparecimento do jornal e discorrendo sobre o que julgava ser bom jornalismo. Além da carta, transformada em editorial, esta edição de estreia trazia o programa político da folha, onde a mesma se propunha a defender a soberania e o desenvolvimento econômico brasileiros, repudiando o avanço do capital estrangeiro sobre a nação. Como Wainer associava o “nacional” ao “popular”, na capa desse mesmo primeiro número transparecia a luta do periódico pelos interesses populares: uma manchete denunciava “Nova tragédia a qualquer momento”, referindo- se ao mau estado de conservação dos trilhos e dos dormentes da Central do Brasil. Em edições posteriores, Última Hora organizou um júri composto por “chefes de família e donas de casa”, na sede do Social Ramos Clube, para julgar “crimes contra a economia popular” – no primeiro de uma série de julgamentos, um açougueiro local que roubava no preço acabou condenado. Depois, uma reportagem de José Montenegro – “Cemitério dos vivos” – denunciaria maus tratos no atendimento a internos do Hospital Psiquiátrico Pedro II. E em seguida, preocupado com a média de 650 ações de despejo movidas mensalmente no Rio, o jornal organizou uma campanha a favor dos direitos dos inquilinos, onde levantava a bandeira de uma nova Lei do Inquilinato.

Essas críticas e denúncias trazidas à tona pela Última Hora tinham, afinal, um diferencial: eram em geral ouvidas por Getúlio Vargas, que emitia ordens para que se apurassem os fatos e se regularizassem as situações. Essa era a contrapartida que o jornal tinha, dado o seu papel de porta-voz do governo. No verbete de Carlos Eduardo Leal transcreve-se um interessante bilhete emitido pelo presidente ao chefe do Gabinete Civil de Vargas, Lourival Fontes, contendo instruções que deviam ser repassadas a Samuel Wainer:

“Dizer ao Wainer que o número do jornal dele, que li hoje, só tratava de esporte. Nada havia para alentar ao povo a ao Congresso, bem como as informações sobre entrada de gêneros, aumento de transportes etc., a fim de desfazer a campanha adversária de que o governo está parado. E argumentar com o que está sendo feito. O programa deste ano é o equilíbrio orçamentário, sem o qual não poderá haver o barateamento da vida”. Mais adiante Getúlio acrescentava que “os jornais da oposição, principalmente o Diário Carioca e os do Ademar, timbram em atribuir ao governo os desastres da Central. É preciso tomar a sério a defesa deste, através da Última Hora. Mostrar que a eletrificação da Central ficou parada, nada se adquiriu no governo passado. Tudo está velho, gasto e suportando um peso superior às suas possibilidades. O governo atual está procurando melhorar a situação dos transportes em geral. Falar nos trabalhos da Comissão Mista, reaparelhamento geral das estradas de ferro, dos portos de navegação. O diretor da Central vem pleiteando junto à Comissão Mista que se dê prioridade ao fornecimento de novas unidades elétricas para o transporte suburbano. O chefe do governo está empenhado neste sentido e tomando providências com brevidade possível”. (p. 5.831)

A tiragem inicial de Última Hora foi de 15 a 16 mil exemplares diários até setembro de 1951, mas já no mês de novembro do mesmo ano essa marca subiu para 50 mil. Após o carnaval de 1952, o jornal passou a rodar 100 mil exemplares diários, sendo que às segundas-feiras a tiragem passava dos 150 mil. Um dos motivos de tanto sucesso foi um plano bolado por João Etcheverry: mantendo o rigor popular da folha, nos primeiros momentos de Última Hora, em face a problemas financeiros detectados precocemente, foi colocada em prática uma fórmula promocional que acabou concretizando uma das marcas do diário: seu investimento em sua publicidade, através do lançamento de outdoors, espetáculos musicais e concursos com distribuição de prêmios, tudo sob a marca Última Hora. Mas, em outro plano, as inovações técnicas introduzidas pelo periódico no jornalismo brasileiro eram também um grande atrativo. Ao passo em que suas características gráficas tornavam-no competitivo frente a outras folhas, Samuel Wainer e sua equipe tiveram sucesso ao estabelecer uma forma inovadora de relação entre o leitor e o diário, numa fórmula editorial dinâmica, que o diferenciava dos demais jornais e ao mesmo tempo fugia à concorrência com o rádio e a televisão, que impunham a rapidez e a valorização imagética na cobertura do acontecimento. Como vespertino, aliás, Última Hora contemplava as notícias dos grandes matutinos apresentando certo aprofundamento e atualização nos fatos.

Durante a década de 1950, sobretudo a partir de 1953, por conta de sua linha política e de seu alto poder competitivo, quase toda a imprensa carioca voltou-se contra Última Hora, mesmo tratamento dispensado a Vargas. Wainer, então, comprou briga com seus concorrentes, tanto no âmbito do mercado editorial quanto em termos políticos; nesse contexto, seus principais rivais foram figuras da imprensa ligadas à União Democrática Nacional (UDN), especialmente Carlos Lacerda, dono da Tribuna da Imprensa, e Assis Chateaubriand, proprietário dos Diários Associados e ex-patrão de Wainer. A intenção de ambos, e do restante da imprensa liberal ligada ao udenismo, era de trazer à tona ligações de Getúlio Vargas, ou membros de sua família, ao órgão de comunicação, criando-se situação em que o presidente poderia ser enquadrado em crime de favorecimento e, por fim, realizar um processo de impeachment. Com Última Hora no centro das atenções da grande polêmica da imprensa brasileira em 1953, cabe ressaltar que, na contramão, Rafael Correia de Oliveira, no Diário de Notícias, acusava os Associados de terem se aproveitado mais do crédito oficial do que Wainer, apontando para um problema maior, não restrito a apenas uma empresa de comunicação. Apesar de Chateaubriand, à época, dever mais do que seu antigo funcionário aos cofres públicos, a campanha contra Wainer marcou a opinião pública, abalando, de fato, o governo.

Naquele ano, todavia, Lacerda começou a acusar o diretor de Última Hora pelo fato de ter nascido na Bessarábia, atual Moldávia, país então pertencente à União Soviética. Isso, além de jogar Wainer na fogueira da onda anticomunista da época, esbarrava no artigo 160 da Constituição de 1946, que impede estrangeiros de possuir ou dirigir órgãos de imprensa no Brasil. Em seguida, os empréstimos conseguidos pelo jornalista junto ao Banco do Brasil passaram a ser acusados como irregulares, sustentando-se que teriam sido frutos de favoritismo – essa polêmica se desenvolveu numa campanha que sustentava que Última Hora teria recolhido ilegalmente quase 250 milhões de cruzeiros antigos, gerando, assim, uma comissão parlamentar de inquérito na Câmara dos Deputados, em abril de 1953, para apurar os financiamentos e transações do jornal. Tais investigações focaram não apenas a Empresa Editora Última Hora S.A., mas outras três que Wainer então detinha, naquele momento: a Érica Editora de Revista e Publicações S.A., a Companhia Paulista Editora de Jornais S.A. e a Rádio Clube do Brasil. A CPI não só seria coberta tendenciosamente pelos veículos de Chateaubriand e Lacerda como este vinha regularmente atacar Wainer nas então poderosas Rede Tupi de Televisão e Rádio Globo. Tal campanha ainda contava com deputados da oposição com grande conhecimento jurídico, caso de um trio qualificado como a “Banda de Música” da UDN nas páginas de Última Hora: Afonso Arinos de Melo Franco, Prado Kelly e Raul Fernandes. Segundo Carlos Eduardo Leal, esse grupo recebia suporte jurídico da firma norte-americana Momsen, que além de ter um cunhado de Afonso Arinos, José Tomás Nabuco, como sócio, era ligada à Standard Oil. O advogado Fernando Cícero Veloso, genro do financista Valentim Bouças, então diretor do ramo da IBM no Brasil, a Hollerith, era um dos principais membros desse escritório (p. 5.831).

A coligação PSD-PTB, de situação, indicou os deputados Ulisses Guimarães e Frota Aguiar para a defesa da Última Hora, mas, ao que consta, Guimarães teria se mostrado pouco combativo e, em certo momento da CPI, Aguiar migrou para a oposição, deixando-a praticamente em controla da UDN. Em paralelo, Wainer contra-atacava a partir da ligação desta com a Momsen. Durante os trabalhos, formalmente acusou o escritório de disponibilizar aos representantes do partido opositor e a outros deputados coligados informações contra suas empresas, com o adicional de que um dos advogados da Momsen, Ernâni Mesquita, também era advogado do jornal, tendo acesso, portanto, a documentos contábeis da Última Hora. Em 19 de julho de 1953, ao ler um depoimento de defesa frente à CPI – que seria mais tarde intitulado “Livro branco da imprensa amarela” – Wainer expunha detalhes sobre as atividades de seu jornal principal e da gráfica Érica, mas, recusando-se a divulgar o nome de seus financiadores, acabou sendo preso por 15 dias por desacato ao Congresso. Com dez dias de detenção no quartel- general da Polícia Militar do Rio, o jornalista acabou sendo solto por habeas-corpus. Durante esse período turbulento, Luís Fernando Bocaiúva Cunha assumiu o lugar de Wainer na presidência do jornal, comandando uma série de matarias contra Assis Chateaubriand e seus Diários Associados, denunciando uma série de escândalos.

Ao fim da CPI, em 18 de novembro de 1953, não foram levadas em conta as denúncias das dívidas não saldadas por Assis Chateaubriand e Roberto Marinho junto ao Banco do Brasil e as Caixas Econômicas de São Paulo. Segundo Werneck Sodré, a UDN e as empresas jornalísticas a ela ligadas não defendiam exatamente a ética jornalística ou seus próprios interesses nesse processo, mas os interesses de monopólios estrangeiros, que alimentavam diversos filões da mídia através de publicidade (p. 403) e não tinham interesses na continuidade de Getúlio Vargas no poder. Por outro lado, a CPI não identificou nenhuma influência cabal de Vargas sobre o suposto favoritismo ao empreendimento de Samuel Wainer foi comprovada e a tentativa de forçar o impeachment foi frustrada; entretanto, apontava-se privilégio às empresas por parte da direção do Banco do Brasil, ou seja, Ricardo Jaffet, seu presidente.

Em 12 de outubro, Bocaiúva passava a presidência da Última Hora ao então ministro do Trabalho, Danton Coelho. Mas a situação piorava: ao início de 1954 Getúlio comunicava a Wainer que a situação a que se encontrava o governo impunha a quitação imediata de suas dívidas junto ao Banco do Brasil, atrasadas, por sinal. O ministro da Fazenda Osvaldo Aranha deu, dias depois, ordem ao banco para que executasse o diário, dando ao mesmo um prazo de 24 horas para o pagamento do débito. Wainer teve que agir: buscando uma extensão de oito dias no prazo e a inclusão de todos os outros jornais nacionais devedores do Banco do Brasil na execução, procurou Alzira e Benjamin Vargas. Por pouco, Última Hora conseguiu sobreviver à crise, contraindo novo empréstimo, dessa vez de Francisco Matarazzo, Ricardo Jaffet e Ernesto Simões Filho, ex-ministro da Educação.

O fogo cerrado entre Wainer, Lacerda, Chateaubriand e outros, que já vinha prejudicando tanto Última Hora, atingiu um novo patamar após o crítico agosto de 1954. Com o atentado à bala que matou o major-aviador Rubens Vaz e feriu Carlos Lacerda à porta de sua residência, em Copacabana, a oposição ganhou forças. Em meio à instauração do caos no ambiente político, Vargas recorreu a Wainer, pedido ao jornalista a manchete-declaração “Só morto sairei do Catete”. Após o suicídio de Getúlio Vargas imediatamente em seguida, na madrugada entre 23 e 24 de agosto de 1954, Última Hora não só publicou a manchete como a complementou instantes depois de recebê-la – “Ele cumpriu sua palavra: só morto sairei do Catete” –, compondo uma das primeiras páginas mais marcantes da história da imprensa brasileira. Único jornal do Rio de Janeiro a circular naquele 24 de agosto, já que todos os outros vinham pedindo a cabeça de Vargas e foram impedidos de publicar por populares revoltados (quando não depredados), o periódico de Samuel Wainer publicou ainda o editorial “Pela ordem”, basicamente pedindo ao povo brasileiro que mantivesse a calma, já que era através do desespero que os inimigos do presidente procuravam minar a manifestação popular. Última Hora, afinal, fez jus à tiragem que teve naquele dia: setecentos mil exemplares.

Sem Vargas, o jornal que o apoiava perdia seu principal aliado. A campanha contra quem tivesse ligações com seu mandato continuava, fortalecida, ainda encabeçada por Carlos Lacerda e outros nomes fortes da UDN, e a Última Hora voltava à mira. Anunciantes passam a boicotar a publicação, que teve que reduzir sua tiragem para 12 mil exemplares diários e entrou de vez na crise financeira que vinha evitando. Ainda assim, uma série de reportagens de Edmar Morel sobre as deploráveis condições em que se encontravam as penitenciárias cariocas, repleta de fotos chocantes, alavancou as vendas da folha, que manteve tiragem de 330 mil exemplares, temporariamente. Isso fez com que Última Hora investisse na publicação de grandes e profundas reportagens denunciativas. Nesse gênero, o jornal passou a apontar irregularidades em diversos planos: acusava desde leite misturado com água ou contaminado por urina humana a um escândalo de furtos no Banco do Brasil, passando por venda de entorpecentes por parte de clínicas de institutos de aposentadoria e pensões, distribuição de milhões de cruzeiros em subvenções inexistentes a sociedades beneficentes, uma fábrica de diplomas dentro do Ministério da Educação, etc. Tamanho sucesso, entretanto, apenas evitou o fechamento do jornal, que, em 1955, teve que abandonar sua sede na avenida Presidente Vargas por um prédio simples na rua Sotero dos Reis, em São Cristóvão, onde antes funcionara um depósito de leite.

Ao passo em que Carlos Lacerda movia campanha pedindo o fechamento do jornal de Samuel Wainer, ainda tomando-o por comunista, em sua nova fase, Última Hora teve coerência política com seu passado, passando a fazer oposição ao mandato de João Café Filho. Tendo o governo julgado que o jornal fazia uma campanha que afrontava as forças armadas, uma reunião foi convocada entre o chefe do Gabinete Militar da Presidência da República, os ministros da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica e Clemente Mariani Bittencourt, então presidente do Banco do Brasil, para discutir sobre a eventual extinção de Última Hora, que, segundo Mariani, tinha um total de 113 milhões de cruzeiros em débitos hipotecários concernentes à compra de papel por parte da gráfica Érica. O fechamento da folha não ocorreu apenas por um parecer do ministro da Justiça, Seabra Fagundes, que julgava o ato inconstitucional, posição respeitada por Café Filho. Ainda assim, um mês após a derrubada do presidente o estado do jornal foi agravado quando, em outubro de 1955, Wainer foi preso novamente, dessa vez pela acusação que vinha sendo a ele dirigida há dois anos: o fato de ser um estrangeiro dirigindo um órgão de comunicação.

Depois de Café Filho um dos articuladores da fundação de Última Hora chegaria à presidência da República: Juscelino Kubitschek. Isso ocasionou certa estabilidade para o jornal, que, conforme apoiava incondicionalmente a construção de Brasília, mantendo lá um repórter permanentemente, aos poucos ia se recuperando, mas sem mostrar o mesmo vigor de antes. Foi durante o mandato de JK que Samuel Wainer reassumiu a direção do jornal, em abril de 1959 – até essa data Sérgio Lima e Silva havia ocupado o cargo, desde maio de 1957, quando substituiu Danton Coelho. No início da década de 1960 Última Hora contava com cerca de 1.500 funcionários e uma tiragem de cerca de 350 mil exemplares diários – mas esse número era o total das edições homônimas da cadeia espalhadas pelo Brasil. Wainer então acumulava o cargo de diretor-presidente da rede com a direção da Última Hora paulista, este dividido com Josimar Moreira. Luís Fernando Bocaiúva Cunha era o vice-presidente do grupo e a edição carioca, carro- chefe da cadeia, ficava sob a responsabilidade de Paulo Silveira.

Quando dos debates para a sucessão presidencial, Última Hora optou por respaldar a candidatura do marechal Henrique Teixeira Lott, anteriormente responsável pelo contragolpe preventivo que garantiu a posse de Juscelino Kubitschek, no final de 1955. No entanto, o periódico mantinha seu compromisso com o PTB, apoiando, portanto, João Goulart para a vice-presidência e Sérgio Magalhães para o governo da Guanabara. De qualquer maneira, Última Hora não fez oposição cerrada ao governo de Jânio Quadros, após sua vitória no pleito: o jornal via com bons olhos algumas das medidas do presidente, como a política de aproximação entre o Brasil e países vivendo regimes socialistas. Com a renúncia de Quadros, nada mais natural que a folha de Samuel Wainer entrasse em choque novamente com a UDN e setores militares ao defender a legalidade, ou seja, a posse de João Goulart.

Durante o mandato de Jango Última Hora, em respeito à sua linha trabalhista, o defendeu incondicionalmente, inclusive durante o turbulento mês de março de 1964, momento em que quase toda a imprensa nacional voltava-se contra o presidente por conta da Revolta dos Marinheiros e do Comício da Central do Brasil, também conhecido como Comício das Reformas, amplamente coberto e celebrado pelo jornal, ocasião em que Jango expunha os decretos que determinavam a estatização de refinarias de petróleo particulares e a desapropriação de terras próximas a açudes e rodovias federais para cedê-las a lavradores, gerando grande descontentamento de setores liberais. Nesse sentido, o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) chegou a fazer uma campanha para o boicote de grandes empresas à publicidade de Última Hora – no entanto, iniciativas de médio e pequeno porte que ali anunciavam, favorecidas pelo público-alvo do jornal, teriam feito pressão contrária à do IBAD.

Com o golpe militar entre 31 de março e 1º de abril de 1964 Última Hora foi empastelada e Samuel Wainer, tendo seus direitos políticos cassados, foi obrigado a buscar exílio, deixando o jornal sob a direção do advogado Heriberto de Miranda Jordão, que a 31 de janeiro de 1965 a passa a Danton Jobim. Durante essa curta fase, em que Jordão era assessorado por jornalistas tradicionais da folha – Luís Fernando Bocaiúva Cunha, João Etcheverry, João Pinheiro Neto, Paulo Silveira e o “cônego” Dutra, Última Hora tentou adotar uma linha apolítica, mas, em algumas ocasiões, teve que fazer certas concessões para não ser fechada à força. Com a ausência de Wainer e a situação politicamente adversa frente à ditadura, a folha cai em profunda crise, mas, quando Danton Jobim reassume a direção, o jornal recupera um pouco da sua saúde financeira. Foi durante esse período em que Última Hora passou a contar, em sua seção “Jornal do mundo”, com reproduções de reportagens e artigos de grandes publicações internacionais, como Le Monde, New Statesman, L’Express e L’Evènement.

Nessa época os jornais regionais da marca Última Hora começaram, aos poucos, a ser vendidos ou fechados. A publicação original carioca se mantém firme, apesar da crise, mas não costumava sair com mais de 15 páginas: uma das consequências da ditadura foi uma crise interna na principal publicação de Samuel Wainer, conforme sua equipe se esforçava por continuar com a mesma estrutura dos tempos áureos do periódico ao mesmo tempo em que o boicote por parte de anunciantes aumentava progressivamente. Assumindo a chefia da redação, Jânio de Freitas buscou recuperar Última Hora sem abrir mão da tradição política da folha, fazendo, portanto, oposição ao mandato de Humberto Castelo Branco e à “linha dura” do Exército. Depois de Artur da Costa e Silva assumir a presidência o jornal mantinha o fôlego, fincando oposição à política econômica do ministro da Fazenda Delfim Neto – ou seja, sustentando os benefícios da redistribuição de renda e sendo contra a abertura ao capital estrangeiro –, expondo denúncias de torturas a presos políticos e questionando a concentração de poder em lideranças militares. Foi nessa fase, em que Última Hora se recuperava financeiramente, voltando a ter grandes tiragens, que Samuel Wainer retornou ao Brasil, em 1968.

De volta a seu posto, Wainer não conseguiria manter a linha editorial de seu jornal como outrora: na verdade, tocaria a publicação por cerca de cinco anos, agonizando em dívidas e pagamentos atrasados. Assim que chegou, o proprietário de Última Hora se desentendeu com Jânio de Freitas, levando este a desligar-se do periódico. Pouco adiante, em virtude do Ato Institucional Número 5 (AI-5), em 13 de dezembro de 1968 uma equipe de censores militares passou a controlar diretamente a redação. Wainer decidiu submeter-se ao regime, pelo menos até que conseguisse vender o jornal por um bom preço. O que aconteceu em 27 de abril de 1971, quando o título Última Hora foi vendida a um grupo liderado por Maurício Nunes de Alencar ligado à grande empreiteira nacional Metropolitana, que tinha, por sua vez, laços com o poder. O mesmo grupo, operando através da razão social Editora Comunicações Sistemas Gráficos, havia arrendado em 1969 outro jornal incômodo à ditadura, o Correio da Manhã, transformando-o em um veículo subserviente ao governo militar.

Com a venda do título, Samuel Wainer desmantelou a redação, o departamento fotográfico, o arquivo e outros setores do jornal; como, em paralelo, apenas três dos antigos funcionários da folha foram mantidos pelos novos donos, a nova Última Hora era praticamente outro periódico, funcionando então sob a direção de Reinaldo Jardim e instalado na Rua Gomes Freire, no bairro da Lapa. Assim, a nova folha iniciou sua trajetória dando respaldo a uma meta do grupo que o detinha: defender a candidatura do coronel Mário Andreazza, ministro dos Transportes durante o governo de Emílio Garrastazu Médici, à presidência. Malfadada a campanha, Ari de Carvalho comprou o jornal no ano de 1973, passando Última Hora, então, a ser um produto da firma Arca S.A.

Sob a direção de Ari de Carvalho, o jornal continuou governista, como na fase anterior, quando era ligado à empreiteira Metropolitana. Nesse sentido, Última Hora acabou encampando o processo de distensão política de Ernesto Geisel, quando os militares de oposição à “linha dura” venceram as eleições legislativas de 1974, chegando a apoiar um conjunto de medidas baixadas pelo governo como reação à não obtenção de 2/3 dos votos necessários no Congresso para a aprovação de uma emenda constitucional que visava a reforma do Judiciário, o chamado “pacote de abril” de 1977. Tendo o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) rejeitado essas medidas, o Congresso foi fechado por 14 dias, aprovando o pacote quando de sua reabertura. Nas palavras de Carlos Eduardo Leal,

Última Hora, na expectativa da implantação das medidas de abril, por meio da coluna “Hora H”, afirmou que o país contaria “com as suas forças vivas para a implantação de impulso renovador capaz de tornar realidade o modelo brasileiro”, e que as reformas na área política eram “lúcidas e realísticas” e permitiriam que o Brasil prosseguisse “em sua caminhada de potência emergente, ao abrigo de crises de rejeição”. E num momento subsequente ao pronunciamento do presidente Ernesto Geisel, o editorial “Nova realidade política” sustentou que “o presidente (...) reabriu os caminhos para convivência política no país – suspensa em razão da recusa do MDB em aprovar o projeto de reformulação do Judiciário – e preconizou a solução de um ‘diálogo alto’ entre os partidos”. O fechamento do Congresso não teria significado uma punição a ele próprio, já que a Arena, o partido governista, apoiou maciçamente a emenda, e portanto “não seria capaz de merecer qualquer reparo seu comportamento no Congresso”. Para a Última Hora, “a posição da Arena não teria o significado de um gesto de docilidade e de cega obediência, mas o de um partido amadurecido e consciente do país, num dado momento de sua história, quando não são raras as dificuldades que enfrenta para afirmar-se como potência”. Apesar da recusa oposicionista ter sido matizada como uma atitude legítima, decorrente “do que não pareceu conveniente, oportuno ou de interesse partidário”, a Última Hora concluía afirmando que a partir do lançamento do pacote o país passaria a viver “a plenitude da atuação dos três poderes (...), interdependentes, mas harmônicos entre si”. (p. 5.833)

Depois disso, a posição que Última Hora tomou frente à reabertura democrática foi apática. Indefinido com relação aos acontecimentos, praticamente atendo-se à narração dos fatos, o jornal, na verdade, caía em qualidade. Ainda em 1977, no mês de setembro, o Jornal do Brasil publicava uma notícia escandalosa: Última Hora teria tentado extorquir 500 mil cruzeiros da família de Michel Frank, apelidado na imprensa de “tubarão branco”, acusado do homicídio de Cláudia Lessin, para não dar grande destaque ao caso em suas páginas. Em julho do ano seguinte o ministro das Comunicações Euclides Quandt de Oliveira interpelaria dos diretores do jornal pela publicação de acusações movidas contra ele por Kurt Mirow, industrial mais conhecido pela publicação de “A ditadura dos cartéis”. Em verdade, Última Hora adentrava uma fase mais sensacionalista, reflexo de uma crise tanto financeira quanto editorial: tentando se dirigir a um público grande, tendendo ao jovem, leitor de revistas de variedades, morador das periferias e, em geral, descontente com a ditadura, o jornal procurava contemplar grupos às vezes díspares, sem se aprofundar em nenhum, atraindo a atenção, não raro, mais por suas manchetes chocantes. Politicamente ameno – nem pró nem contra a ditadura mesmo quando outros jornais de grande circulação já tinha segurança suficiente para bater de frente com o regime –, o diário trataria com amenidade e desinteresse mesmo o atentado à bomba de 1º de maio de 1981, num espetáculo de música popular no Riocentro, promovido pelo Centro Brasil Democrático (CEBRADE), ligado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Imerso numa crise que já durava a totalidade da década de 1970, o periódico dava sinais de que sua falência não tardaria.

A partir do início de 1983 o vice-presidente de Última Hora passou a ser o tenente- coronel Kurt Pessek, ligado à linha dura do Exército no contexto da disputa entre os militares para a sucessão a Ernesto Geisel, sendo grande aliado do general Hugo Abreu – ambos eram contra a candidatura de João Baptista Figueiredo, então chefe do Serviço Nacional de Informação (SNI), à presidência. Apesar do histórico de Pessek, que estava à frente da Última Hora de Brasília, que ainda funcionava, o militar tentava se mostrar comprometido com a redemocratização, ambivalência que se refletia na direção política do jornal, que continuava nunca se posicionando de forma clara, procurando agradar a todos e sendo condescendente à ditadura, que já vivia seus últimos momentos. Assim, apesar de se declarar favorável às manifestações pedindo eleições diretas para presidente da República, iniciadas no final de 1983, Última Hora acabou aceitando as determinações oficiais que malograram a campanha.

As dificuldades financeiras e administrativas da folha a levaram a uma tentativa desesperada de atrair um público de elite. Uma ampla reforma editorial foi iniciada, então, em novembro de 1984, capitaneada pelo vice-presidente executivo da Arca, Válter Fontoura. O jornal fixou novos projetos editoriais e aumentou sua tiragem. Contando com a contratação de articulistas, ademais, Última Hora passou a ter um caráter de jornal de opinião. Em contrapartida, a edição de Brasília foi vendida a Luís Estêvão e Sérgio Naya em junho de 1985 – Kurt Pessek, já promovido a coronel, continuou em sua direção.

Ao início de 1986, já com José Sarney na presidência da República, Última Hora aplaudiu a reforma econômica inerente ao Plano Cruzado, sobretudo no que concernia ao combate da inflação, chegando mesmo a declarar grande confiança no sucesso da Nova República. Em seguida, em face aos problemas de ajuste na nova moeda, a folha reconheceu que a questão não estava resolvida e começou a questionar alguns dos sucessos propagandeados pelo governo.

No ano seguinte, 1987, Última Hora voltou a fazer jus a seu título ao mudar sua circulação para a tarde, já que até então vinha circulando como matutino. Procurava ocupar um espaço deixado em aberto, já que na imprensa carioca de então não havia vespertinos. Mas os resultados não foram bons. Ari de Carvalho, dono do periódico desde 1973, decidiu vender a publicação ao empresário José Nunes Filho, que ficou à frente do empreendimento por cerca de quatro anos: Última Hora circulou até 26 de julho de 1991, quando faliu por determinação da Justiça, dada uma dívida que batia a marca de 450 milhões de cruzeiros. Figurou, enfim, como o último dos jornais cariocas de grande circulação surgidos na década de 1950 a interromper a sua circulação. O fim da Última Hora sob a administração de Wainer marcou o início de uma nova fase da imprensa brasileira: a consolidação e o fortalecimento (para não dizer o monopólio) de grandes corporações multimídia.

Ao longo de sua existência, Última Hora contou com o trabalho de inúmeros colunistas, colaboradores, editores, desenhistas, repórteres e outros profissionais. Além dos já citados, alguns desses foram Rubem Braga, Apparício Torelli (Barão de Itararé), Emiliano Di Cavalcanti, Nelson Rodrigues, Luís Costa, Antônio Gabriel Nássara, Adalgisa Nery, Vinícius de Moraes, Marques Rebelo, Augusto Rodrigues, Tarso de Castro, Sérgio Porto, Evaristo de Moraes Filho, Moacir Werneck de Castro, Leda Brandão Rau, Maurício Azêdo, Nelson Pereira dos Santos, Alex Viany, Paulo Alberto Monteiro de Barros (Arthur da Távola), Alberto Dines, Jorge Amado, Abelardo Barbosa (Chacrinha), Gilda Muller, Pomona Politis, Carlos de Laet, Danton Coelho, José Louzeiro, Nelson Werneck Sodré, Paulo Francis, Nilson Lage, Flávio Cavalcanti, Sérgio Jaguaribe (Jaguar), Joel Silveira, Leon Eliachar, Humberto de Alencar, Antônio Maria, Paulo Rodrigues, Aldebaran Cavalcanti, José Quintanilha, Claude Amaral Peixoto, Gilka Serzedello Correia, Maria Lúcia Rangel, Canuto Silva, Carlos Renato de Castro, José Montenegro, Acyr Mera, Roberto Maia, Teresa Cesário Alvim, Franciso de Assis Barbosa, Ib Teixeira, Pery Augusto, Paulo Silveira, Walter de Araújo Machado, Permínio Asfora, Medeiros Lima, Marita Lima, Josimar Moreira de Melo, Sérgio de Lima e Silva, Flávio Tavares, Marinus Castro, Antônio de Paula Dutra, Dona Lott, Oscar Cardoso, Jarbas Domingos Vaz, Mário Chicarino, Jankiel Gonkzarowski, Luarlindo Ernesto, Maurício Hill, Aníbal Carlos Bendatti, Aloísio Machado, Octavio Ribeiro, Edouard Balby, Sérgio de Andrade, Naziazeno de Barros Júnior, Flávio Porto, Demócrito Bezerra, Jader Neves, Aroldo Wall, Geraldo Escobar, Octavio Malta, Waldir Milagres, Raimundo Português, Laerte Paiva, Oromar Terra, Norival Lima, João Ribeiro, Luís Alípio de Barros, Antônio Luís Carbone, Geir Campos, Theodoro de Barros, Ademir Menezes, Ademar Ferreira da Silva, Ubiratã Solino, Ragi Basile, Fernando Horácio, Albert Laurence, Aparício Pires, Arapuã, Cosme da Silva, Jorge de Miranda Jordão, Raimundo Resende, Paulo Antunes, Renato de Castro, M. Bernardes, Augusto Donadel Jorge, Jacintho de Thormes (Manuel Bernardes Muller), Amado Ribeiro, Pinheiro Júnior, Waldinar Ranulpho, José Carlos Rego, Mário Curvelo, Sílvio Paixão, Carlos Alberto Wanderley, Iram Frejat, Francisco Baleixe Filho, Adir Mera, Henrique Caban, Fausto Neto, Anderson Campos, Flávio Brito, Tarcísio Lage, Nilson Ferreira de Azevedo, Wilson Juvenato Reis, Renato Kloss, Mauritônio Meira, Maria Abreu, Eli Halfoun, Cid de Almeida Kilg, Victor Cavagnari Filho, Aarão Steinbruch, entre outros.