BNDigital

Acervo da BN | Design Etílico: Rótulos de Cachaça

02 jul 2020

Artigo arquivado em Acervo da BN
e marcado com as tags Cachaça, Design de Embalagens, Design de Rótulos, Design Etílico, Rótulos

Brasileiríssima, ela nasceu nos engenhos de açúcar, em meio a grandes latifúndios. Na hierarquia produtiva, no entanto, ficava atrás do ouro branco, sendo feita, muitas vezes, para o simples consumo local. Na boca do povo sabe-se lá quando seu nome apareceu pela primeira vez, mas, em publicação impressa, o jesuíta André João Antonil, em “Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas”, parece ter sido o primeiro a chamar a “espuma grossa que se tira das caldeiras na primeira fervura do caldo de cana durante o processo de evaporação” de cachaça. Consumida tanto nas senzalas dos escravos que a produziam quanto nas mesas da elite de um Brasil já imperial, colocando diferentes classes sociais para ver o canavial balançar sem vento, com poucos goles, a aguardente de alambique só passou a ser engarrafada e devidamente rotulada no país por volta da segunda metade do século XIX: a chegada da família real portuguesa na então colônia, em 1808, possibilitou a criação da Imprensa Régia, dando início à produção gráfica brasileira. A partir daí, a litografia – onde imprime-se um desenho feito em pedra por um tipo de lápis gorduroso que atrai a tinta – passou a ser usada com entusiasmo, tanto na imprensa periódica quanto na produção de embalagens.

Egeu Laus, no texto “Memória gráfica brasileira: os rótulos de cachaça”, que abre o catálogo “Cuidadosamente engarrafada: rótulos de cachaça”, da exposição sobre o tema ocorrida no Instituto Tomie Ohtake em 2011, parte do projeto “Anônimos e Artistas”, é categórico: “A produção gráfica dos rótulos é um caso à parte na história do design brasileiro: não são poucos os rótulos desenhados pelo próprio ‘alambiqueiro’, produtor da cachaça. O rótulo da cachaça manteve-se com características artesanais até o final do século XX, constituindo um dos grandes exemplos daquilo que conhecemos como design vernacular”. Pudera. Vernacular, de fato, era a inspiração de vários desses artistas do alambique, responsáveis por nomear as suas “branquinhas” de forma peculiar: para citar apenas algumas das marcas constantes na exposição acima, vemos as cachaças “Calçada Lisa”, “Cuidado”, “Segura o Tombo” e “Três Quedas”, de ênfase traumatológica; as eróticas “Volúpia”, “Perseguida” e “Sedução”; as indolentes “Preguiçinha” e “Malandrinha”; as de bem com a vida “Alegria de Pobre”, “Radiante” e “O Direito de Beber”; as animalescas “Koelhin”, “Borboleta Errante” e “Bicho de Pé”; e mesmo as caninhas deprê, de nomes “Dê-me Consolo”, “Capote de Pobre”, “Escrava do Amor”, “Cachaça do Diabo” e, simplesmente, “Vergonha”, para aqueles a quem mandam tomá-la na cara. Sem contar a campeã das campeãs da criatividade, a “Bá-Caninha”.

E quanto ao estilo dos rótulos de cachaça? Está no plural: vai do rococó e do barroco à art-decó e à pop-art, com tintas de mashups e até mesmo certo psicodelismo. Imagens de fundo popular se misturam com estéticas globais, em misturas e apropriações complexas. Em paralelo, o foco temático da maior parte dos rótulos de cachaça revela alguns gostos e preocupações de seus produtores. Muitas são nomeadas a partir dos nomes das fazendas ou cidades onde são produzidas – a cidade fluminense de Parati, tradicional produtora da bebida, no início do século XX nomeava a própria, na capital: basta achar nos romances de Lima Barreto, aqui e ali, personagens degustando um pequeno cálice de “Paraty”. Outras tantas dão ênfase a animais, ditos e mazelas populares, pin-ups tupiniquins, indígenas, times de futebol e mesmo personagens e eventos históricos, como no caso da aguardente cearense “Redenção”, que ao mesmo tempo em que tomava o nome da cidade em que era produzida remetia à abolição da escravatura; ou ainda marcas como “Combatente”, “Invasão”, “Vitória”, “Liberdade” e “Atômica”, todas explorando simbolicamente a Segunda Guerra Mundial.



Fábrica Bomfim: Aguardente de Canna

Explore os documentos:

http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon1512452/icon1512452.jpg

http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon1510246/icon1510246.jpg

http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon1501231/icon1501231.jpg

http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon1501204/icon1501204.jpg

http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon1501224/icon1501224.jpg