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Acervo da BN | Encyclopedia, com Y e sem acento

25 nov 2020

Artigo arquivado em Acervo da BN
e marcado com as tags Divulgação Científica, Enciclopédias, Novas Tecnologias, Séc. XIX

Que dizer atualmente sobre as enciclopédias? Morreram? De morte morrida ou matada? De certo vítimas das novas tecnologias, expressão usada a miúdo para se designar a internet: temos cá bancos de dados online e sites de buscas, livre e fácil acesso, enfim, a informações em qualquer celular devidamente conectado. O vendedor de enciclopédias, figura hoje jurássica, deve ter se aposentado lá pelos anos 1990, depois de anos de labuta, batendo de porta em porta ou prostrado intermináveis horas em estandes de venda, trocando a perna de apoio de quando em quando. Atinamos: é muito comum, na nossa época, entre doadores de livros, seja para bibliotecas comunitárias ou para uma dessas iniciativas, pelas ruas, de “deixe um livro e pegue outro”, grande desapego de volumes e mais volumes empoeirados de Larousses e quetais, outrora valorizados. Passadistas suspiram: Google, que maldade. Modernosos também suspiram, mas de alívio. Talvez caiba a nós, com um pé em frente às prateleiras da Biblioteca Nacional, local de salvaguarda de exemplares físicos, e outro na Biblioteca Nacional Digital, espaço de conservação em rede, fazer a devida ponte entre o passado e o presente – quando não ao futuro. E é por isso que, hoje, no que concerne às “inúteis” enciclopédias, destacamos: tanto no sentido do entretenimento quanto no da divulgação científica, nos séculos XIX e XX, já foram tão populares e empolgantes quanto os atuais catálogos online de livros e revistas em formato digital. Tanto, que muitas eram disponíveis a venda em formato periódico. Conheça hoje, a título de exemplo, O Archivo Illustrado: Encyclopedia Noticiosa, Scientifica e Litteraria, de São Paulo.

Lançado em São Paulo (SP), em 15 de abril de 1899, O Archivo Illustrado foi um periódico de pequeno formato, de ênfase predominantemente cultural e biográfica. Com periodicidade inicialmente semanal e oito páginas por edição, tiradas em tipografia a vapor própria, a publicação, em um primeiro momento, não trazia em expediente o nome de seus proprietários e editores. Em sua edição inicial, a folha apresentava seu programa e seus objetivos:

Temos em vista fazer um jornal illustrado que congregue os bons elementos na arena da sciencia, da litteratura, dos factos diversos e das recreações do espirito. Para tudo isto, porém, carecemos apenas do apoio publico: esperamos merecel-o, á medida dos nossos grandes esforços para dotar a Capital com uma revista popular, de preço reduzido. (...) Não terçaremos armas no campo da política e da religião e seremos inteiramente neutros no terreno litterario e scientifico; todos os elementos nos servem, contanto que sejam bons e uteis.


A exemplo de outros periódicos enciclopédicos, O Archivo Illustrado publicava artigos, ensaios, perfis, notícias breves sobre literatura (na coluna “Gazetilha Literaria”), crítica literária, romances, contos, poesia, crônicas teatrais, roteiros de comédias para teatro, excertos de outras publicações, curiosidades, estatísticas, charadas e passatempos, com boa quantidade de ilustrações (e, num segundo momento, fotografias). Em sua preferência assumida pela literatura, seu tema principal, e pelas ciências, o periódico focava personalidades notáveis brasileiras e estrangeiras, obras específicas da literatura nacional e mundial, ciências sociais e naturais, navegação aérea, astronomia, nutrição, geografia e aspectos curiosos de arrabaldes paulistas e cidades brasileiras, língua portuguesa, higiene, saúde, iniciativas privadas em São Paulo, entre outras coisas.

Apesar de sua dita aversão a questões políticas, o jornal regularmente traçava perfis e produzia homenagens a figuras de vulto na política brasileira, começando por Fernando Prestes de Albuquerque e Luiz Vianna, respectivamente os presidentes dos Estados de São Paulo e da Bahia, em 1899. Em algumas ocasiões, expressivos assuntos de matiz política geravam manifestações no periódico: em junho de 1899, O Archivo Illustrado trazia na capa de seu nº 7 ilustrações e um artigo relativos ao Caso Dreyfus – é a capa que ilustra este humilde texto.

Tentando manter-se semanal desde o início, logo em seu primeiro ano de edição a periodicidade d’O Archivo Illustrado caiu na irregularidade, com intervalos de, às vezes, um mês. Sinal de dificuldade de manutenção, ou talvez, afinal, poucos leitores. Como pretendesse se manter apenas com assinaturas, em um primeiro momento, o periódico não publicava anúncios publicitários – restrição que teve de ser abandonada no nº 12, de novembro de 1899, quando uma seção de reclames foi inaugurada. A partir dessa edição, onde em expediente passou-se a publicar o nome de Oscar Monteiro como seu editor, o periódico resolveu fixar sua periodicidade como bimensal.

Após lançar seu nº 14 em dezembro de 1899, O Archivo Illustrado ficou meses sem circular, retornando com o nº 15 somente em abril de 1900. Depois de não lançar nada em maio, o jornal voltou a sair em junho do mesmo ano, em uma edição que destacava o recém-eleito senador Bernardino de Campos. Esse reaparecimento marcou uma nova fase do periódico, que vinha então com numeração reiniciada, sinalizando seu “anno II” e com nova identidade gráfica em sua capa e em seu interior. A folha, que voltava a circular sem expediente e sem anúncios publicitários, era agora impressa na tipografia Andrade, Mello & Cia, no nº 7 da Rua do Carmo.

Apesar de relançado como semanário, em sua nova fase, O Archivo Illustrado caiu logo em periodicidade irregular. Após a edição nº 24, que já vinha bimestral, datada de janeiro e fevereiro de 1901, o jornal foi temporariamente suspenso. O nº 25, datado de maio e junho de 1901, marcou a volta do periódico sob a propriedade de Manoel Viotti, com identidade visual de capa renovada, novamente. Curiosamente, em sua 34ª edição, ao anunciar seu quinto aniversário, o jornal se dizia “Fundado e sempre dirigido por seu actual director, desde 15 de abril de 1899” – possivelmente, em 1901 Viotti comprou a folha de seu dono original.

Iniciando-se sua terceira fase, com impressão na tipografia Bramanti & Lucatelli, na Rua Anhaia nº 16, O Archivo Illustrado se tornou quase exclusivamente voltado à literatura e aos perfis e homenagens a ilustres figuras da sociedade, da política e da cultura brasileiras. Neste momento, anúncios voltaram a ser publicados e fotografias de paisagens e edifícios de diversas cidades (em geral paulistas) ganhavam espaço nas páginas do jornal, assim como caricaturas. Aos poucos, o periódico pareceu estabilizar-se. Entrando em 1902, seu número de páginas subiu para 12. O nº 31, datado apenas daquele ano (a partir de então o jornal viria sem indicações de mês de publicação), veio com uma nova disposição gráfica em sua capa. Mesmo assim, no ano de 1902 foram lançadas apenas três edições d’O Archivo Illustrado, os números 30, 31 e 32. Em 1903, no entanto, foram publicadas nove edições, do nº 33 ao nº 41.

Na primeira edição de 1904, o nº 42, o expediente da folha passou a ter o nome de A. Capelache como diretor artístico. A partir de então, O Archivo Illustrado passou a encartar o Boletim Bibliographico Paulista, órgão de divulgação da Livraria Magalhães (nº 29 da Rua do Commercio) que pretendia ser uma “Chronica mensal do movimento intellectual em S. Paulo e catalogo geral de livros nacionaes e estrangeiros”. O boletim tomava grande parte das edições d’O Archivo Illustrado – por vezes mais da metade, excluindo-se ainda as páginas de anúncios. Ainda em 1904, foram publicadas apenas quatro edições de O Archivo Illustrado. No ano seguinte saíram mais cinco. E em 1906, aparentemente, foi lançada aquela que parece ser a derradeira edição do periódico: o nº 51.

Como era distribuído no interior de São Paulo e em outros estados, O Archivo Illustrado possuía representantes em diversas cidades. Mas o interessante mesmo é atentar para alguns dos nomes que tiveram textos publicados em suas páginas: Visconde de Taunay, Cândido de Carvalho, André Theuriet, Luiz Pereira Barretto, Nelson Coelho de Senna, Azevedo Cruz, Gil Vaz, Arlindo Leal, João Vieira de Almeida, Túlio de Campos, R. Furtado Filho, F. M. Draenert, Marcel Prevost, Arthur Andrade, Elysio de Carvalho, Bráulio Prego, Theophilo Dias, J. C. Gomes Ribeiro, Presciliana Duarte de Almeida, Bento Ernesto Júnior, Júlio Prestes, Augusto de Lima, Cícero Leonel, Wenceslau de Queiroz, Heráclito Viotti, Fidé Yori, Álvaro Guerra, Arthur Lobo, Francisco Teixeira, Leonardo Leoni, Saturnino Barbosa, Alberto Sousa, Vicente de Carvalho, Ulysses Paranhos, entre outros. Se você gosta de esmiuçar novos antigos talentos das letras, essa é a oportunidade!


Capa da enciclopédia seriada O Archivo Illustrado