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Acervo da BN | Há 190 anos surgia a imprensa no Sergipe

22 maio 2022

Artigo arquivado em Acervo da BN
e marcado com as tags Aracaju, Diário Oficial, História da Imprensa, Recopilador Sergipano, Secult, Sergipe

Primeiro órgão da imprensa sergipana, o Recopilador Sergipano surgiu em setembro de 1832, editado pelo monsenhor Antônio Fernandes da Silveira, que o imprimia através de sua tipografia própria. Isso teria sido em Aracaju? Que nada. A atual capital do estado só seria fundada em 1855, e de um pedaço da chamada "cidade mãe de Sergipe", São Cristóvão, a velha fênix. Foi ali que o Recopilador surgiu, então? Pois não, embora, posteriormente, a história do periódico o tenha guiado para aquelas bandas. O pioneiro órgão da imprensa local deu as caras na bela e pujante cidade de Estância, um tiquinho mais ao sudoeste, mais perto da fronteira com a Bahia. Ocorre que no século XIX, e por um bom naco do século XX, o município, oficializado como vila em 1831, era o segundo maior da província. Eram tempos em que Itabaiana e Lagarto ainda não haviam se desenvolvido o suficiente. A fundação do Recopilador, portanto, tinha lá suas justificativas: apenas um ano antes a povoação de Estância, por suas promissoras condições socioeconômicas, obteve sua emancipação, recebendo o nome de Vila Constitucional da Estância. O nível cultural alcançado pela comunidade local em 1832 pedia pelo aparecimento de um jornal que publicasse pronunciamentos oficiais, transcrições de jornais da corte, cartas de leitores, questões morais, curiosidades e efemérides, pensamentos, notícias internacionais, informes de utilidade pública, anedotas, entre outras coisas. E lá estava o monsenhor Antônio, na hora e no local certos.

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Politicamente ameno e oficialesco, respeitoso à Regência, o Recopilador Sergipano tinha pendores liberais moderados, de acordo com os ventos imperiais do momento, imediatamente após a abdicação de Dom Pedro I. Transcrevia principalmente textos da Aurora Fluminense, de Evaristo Ferreira da Veiga, do Rio de Janeiro, então um órgão de situação, voltado aos programas das novas figuras de elite que ascendiam - no mais, também replicava conteúdo do Diário de Pernambuco, da Gazeta Commercial da Bahia e de outros órgãos. No debate público onde se opunham os liberais antilusitanos, desde que não muito “exaltados”, que aplaudiram o fim do Primeiro Reinado, e os conservadores que apoiavam a restauração do imperador, apelidados de “caramurus”, o jornal esteve com aqueles.

Embora procurasse não ofender as autoridades, o Recopilador tinha lá seus momentos de livre exercício da crítica. A título de ilustração, em sua edição de número 121, de 26 de junho de 1833, após a transcrição de um decreto emitido pela corte, o jornal publicava o texto "Altar e Throno", do clérigo beneditino Miguel do Sacramento Lopes Gama, fundador, editor e principal redator do jornal O Carapuceiro. Ali eram impressos questionamentos sobre as relações entre o clero e a monarquia, coisa que possivelmente seria lida como incendiária em tempos de Dom Pedro I:
Não ha objecto mais respeitavel do que a Religião; não ha freio mais poderoso do que aquelle que reprime a consciencia. A Religião he tão natural ao homem como o são o temor e a esperança: por outra parte o Throno he digno de toda a veneração, quando se funda sobre as leis, quando preenche os fins da sociedade humana. Mas esse ajoujo de Altar, e Throno, essa intimidade entre cousas tão differentes por sua natureza foi inventos de padre velhacos, e impostores, que procurando sustentar seu poderio, e locupletar-se dos bens da terra, derão-se as mãos com os déspotas para se ajudarem reciprocamente, trazendo sempre os povos illudidos, e debaixo do seu absurdo dominio.

Depois da mordida, o Padre Carapuceiro assoprava, ao fim do texto:
Fallando assim a respeito dos padres, e frades absolutistas, e matreiros devo dizer, que ha muitos diametralmente oppostos a estes sentimentos, e que bem longe de seguirem a impostura dos velhacos, são amigos da Liberdade, e tem feito relevantes serviços à Sagrada Causa da Humanidade. O sacerdote instruido ama as instituições livres, deseja o bem da sua patria, e só se serve do Altar para o que foi instituido; isto he, para beneficios dos homens.

A periodicidade do Recopilador Sergipano era de três em três dias, mas algumas de suas edições podiam vir a lume em intervalos semanais. Suas edições vinham com uma máxima liberal de George Washington, "Sede justos se quereis ser livres, sede unidos se quereis ser fortes". Ao lado esquerdo desses dizeres, suas informações práticas: dava nota de que as assinaturas para seu recebimento podiam ser feitas "em Maruim na casa do Sr. José Pinto de Carvalho, na Villa das Laranjeiras na do Sr. Padre José Joaquim de Campos, e nesta Villa, na Typographia (de Silveira & Cia.) a 2$000 por trimestre; e vendem-se numeros avulsos".

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Ao fim de 1834 Antônio Silveira teve que suspender seu pioneiro empreendimento na imprensa local. É que fora transferido com seu maquinário tipográfico para a então capital da província de Sergipe, São Cristóvão. Mas seu trabalho teve continuidade: instalado na Rua de São Francisco, em 29 de janeiro de 1835 outro periódico passou a ser publicado por sua iniciativa: o Noticiador Sergipense, uma “Folha official, politica e litteraria” segundo seu próprio subtítulo.

 

O Noticiador foi, afinal, o substituto do Recopilador Sergipano. Havia uma razão, afinal, para a transferência de Silveira para  São Cristóvão com prelo e tudo mais. O novo jornal então viera a lume como porta-voz do governo provincial do momento, presidido então por Bento de Mello Pereira, passando a estampar em seu cabeçalho, já por volta de 1836, o brasão imperial. Internamente, o Noticiador Sergipense seguia a mesma linha e a mesma periodicidade que o Recopilador Sergipano, dando apenas mais destaque a atos oficiais, com a publicação de editais, atas e pronunciamentos diversos da Assembleia Legislativa Provincial, da Tesouraria Provincial, da Promotoria Pública, da Câmara Municipal e da Recebedoria Provincial, por exemplo. Na folha de rosto, o jornal trazia o mesmo lema de George Washington publicado em seu antecessor.

O caráter oficial do Noticiador Sergipense se confirmou em 1838, quando sua tipografia foi vendida ao governo sergipano, que, instituindo a chamada Typographia Provincial de Sergipe, ao invés de manter o periódico de Silveira, passou a publicar um novo. Tinha início, assim, o Correio Sergipense, que trazia o mesmo subtítulo indicativo de “Folha official, politica e litteraria”. Esse jornal, muito mais longevo que as folhas que o antecederam, foi o que acompanhou a mudança da capital de São Cristóvão para Aracaju, em 1855, sempre como a folha oficial da província: afinal, tanto o Correio quanto o Noticiador e o Recopilador foram os precursores do atual Diário Oficial do Estado de Sergipe, o DOESE. Diferenças entre tais periódicos à parte, entre distintos posicionamentos, regimes políticos, ideologias de autoridades e questões técnicas, ao longo dos anos o empreendimento da imprensa oficial se firmava assim em todo o Brasil: num misto entre iniciativas públicas e privadas onde a conveniência e os interesses das classes governantes ditavam as regras. Mesmo o Diário Oficial da União tem lá suas raízes na Gazeta do Rio de Janeiro, fundada em 10 de setembro de 1808. No caso sergipano, a largada da imprensa oficial, enfim, se deu há 190 anos, por iniciativa quase particular de Antônio Silveira: quando nascia, então, a imprensa de Sergipe.

 

Explore os documentos:

Recopilador Sergipano:

http://memoria.bn.br/DocReader/711179/32

 

O Noticiador Sergipense:

http://memoria.bn.br/DocReader/711136/67

 

O Correio Sergipense:

http://memoria.bn.br/DocReader/222763/1

http://memoria.bn.br/DocReader/810070/1

http://memoria.bn.br/DocReader/812544/49