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Acervo da BN | Oswaldo Goeldi

03 jul 2020

Artigo arquivado em Acervo da BN
e marcado com as tags Expressionismo, Gravuras, Modernismo, Oswaldo Goeldi, Xilogravura

Oswaldo Goeldi, nosso expressionista

...És metade sombra ou todo sombra?
Tuas relações com a luz como se tecem?
Amarias, talvez, preto no preto,
Fixar um novo sol, noturno; e denuncias
As diferentes espécies de trevas
Em que os objetos se elaboram
A treva do entardecer e da manhã;
A vibração do silêncio;
A irrealidade do real...

Acima estão alguns ditos de CDA, Carlos Drummond de Andrade, homenageando/descrevendo Goeldi em trecho de poesia publicada no jornal O Correio da Manhã, em 1961. A sensibilidade do poeta encontra bem os caminhos para descrever esse importante artista do Modernismo no Brasil.

Goeldi (1895-1961), nasceu no Rio de Janeiro para onde seu pai, o zoólogo e naturalista suíço Emilio Augusto Goeldi viera a convite de D. Pedro II. O cientista realiza pesquisas no Museu Nacional a convite do diretor Ladislau Neto. Alguns anos depois viaja a família para Belém do Pará, onde Emílio passa a dirigir o Museu de História Natural e Etnografia, hoje Museu Emílio Goeldi. Alguns anos depois, voltam para a Suíça onde Goeldi inicia seus estudos. Ainda naquele país, mesmo após a morte do pai em 1917, dedica-se inteiramente à Arte, abandonando os estudos de Engenharia. Estuda e, principalmente, trabalha muito e realiza sua primeira exposição individual na cidade de Berna. Conhece e aprecia o artista ilustrador expressionista Alfred Kubin e inicia amizade com Hermann Kummerly, com quem trabalha em litografia.

Volta ao Brasil em 1919 e exerce no Rio de Janeiro o trabalho de ilustrador. Conhece o gravador e escultor Ricardo Bampi, com quem tem, em 1924, o primeiro contato com a gravura em madeira: a arte da xilogravura que vai marcar, como processo artístico, sua trajetória. Trabalha ainda como ilustrador na revista O Malho e em livros como Canaã, de Graça Aranha.

Ainda com a xilografia, realiza vinhetas para a revista Movimento Brasileiro, fundada em 1928; mesmo nas vinhetas apresentava-se o expressionista. Esta mesma revista promove, em cobertura especial em 1930, o lançamento do álbum 10 gravuras em madeira, com prefácio de Manuel Bandeira. Expõe ainda na Europa – Berna e Berlin – e, de volta ao Brasil em 1932 começa a trabalhar a cor em suas obras. Na década de 1950, premiado nas Bienais de Veneza e São Paulo, tem sua primeira retrospectiva no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Inicia ainda sua carreira de professor na Escolinha de Arte do Brasil e depois na Escola de Belas Artes.

Seu trabalho é sempre muito pensado, calculado. Consta que, por vezes levava meses a estruturar uma peça. E cada gravura de uma tiragem é única – as tiragens são pequenas. A obra é a sua vida. Escolhe a madeira, trabalha nela e com ela. Respeita-lhe os sulcos, parece que sua dureza o contém no febril que age e o faz expressar-se. Mesmo na fase em que o Rio vive a Belle Époque, o artista vislumbra o sombrio, a solidão e apresenta cenas de uma cidade que não é maravilhosa. Visão sombria, noturna, luz em brancos bem calculados dirigem nosso olhar pela cena. Atitude empática e expressionista com os párias, os marginalizados. Elementos sintetizados e reduzidos transmitem em sua expressão a imensidão da vida. Interessante contraponto: vem o pai estudar a exuberante natureza brasileira e retrata o filho, brilhantemente, nossas misérias urbanas...

O professor e crítico de arte Ronaldo Brito identifica” ...nos desenhos e gravuras de Goeldi da tardia década moderna de 1930 as primeiras manifestações plásticas autônomas, universais, de um Eu moderno brasileiro. Cenas densas figuradas através de concisão de traços. Nada de processo rápido: as cenas eram derivadas de muito estudo e atenção no sentido de que provocassem efeitos calculados.”

A obra de Goeldi é de extrema importância no grande panorama da Arte Brasileira. A inteligência e seriedade de seu trabalho é expressa numa obra de conjunto coerente e consistente.

Goeldi deixou em testamento para a amiga Beatrix Reynal, pseudônimo usado pela poetisa Marcelle Jaulent dos Reis, casada com o pintor José Maria dos Reis Junior, a indicação de que estaria a cargo da amiga dispor sua obra em museus nacionais ou estrangeiros. Em 1961, Beatrix cumpre o desejo do amigo e doa obras de arte e objetos para a Biblioteca Nacional, Museu de Arte Moderna, Escola Nacional de Belas Artes, Aliança Francesa do Rio de Janeiro, entre outras instituições.

A Biblioteca Nacional recebeu cerca de 535 documentos, incluindo gravuras e matrizes em madeira. Na década de 1980 mais documentos são incorporados à coleção. A gravura aqui apresentada faz parte do conjunto do acervo do Setor de Iconografia. Na BNDigital há 152 registros entre gravuras originais, impressas mesmo pelo autor e ainda algumas que, como permitido por ele, resultaram de tiragens póstumas feitas pelo professor Reis Junior.

Como referência para pesquisa, interessante apresentar também a Associação Artística Cultural Oswaldo Goeldi – Projeto Goeldi, com curadoria de Lani Goeldi.

GOELDI, Oswaldo. [Bairro pobre]. [S.l.: s.n.], [195-?]. 1 grav., p&b., 14,5 x 15cm