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Cidade do Rio

03 nov 2015

Artigo arquivado em Hemeroteca
e marcado com as tags Abolicionismo, Censura e repressão, Coelho Neto, José do Patrocínio, Liberalismo, Movimento negro, Olavo Bilac, Questões sociais, Rio de Janeiro

Cidade do Rio foi um diário vespertino de quatro páginas e tamanho standard, lançado no Rio de Janeiro (RJ) em 28 de setembro de 1887 pelo célebre abolicionista José Carlos do Patrocínio. Um dos maiores combatentes da escravatura negra no Brasil (se não o maior), Patrocínio imprimiu em seu jornal todo o idealismo de sua luta. A data de fundação da folha foi escolhida em homenagem à data da Lei do Ventre Livre. No entanto, como o jornal foi criado pouco menos de um ano antes da sanção da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, Cidade do Rio foi só até esse momento uma folha verdadeiramente abolicionista: no restante do tempo de vida do diário, o mesmo se voltou à campanha pela adoção de um programa de governo liberal à gestão política da nação, bem como à exposição de inúmeras questões sociais que afligiam a sociedade brasileira.

José do Patrocínio havia começado sua trajetória no jornalismo em 1875, na folha satírica Os Ferrões. Já em 1877 foi para a Gazeta de Notícias. Em 1881, com um empréstimo de seu sogro, o capitão Emílio Rosa de Senna, adquiriu a Gazeta da Tarde, fundada por Ferreira de Menezes, iniciando ali a campanha abolicionista pela qual foi reconhecido. Assinando sob o pseudônimo de “Proudhon”, nesse último periódico ganhou a alcunha de “Tigre do Abolicionismo”, ocasião em que passou a ser um articulista famoso em todo o país. Além de escrever no jornal, nesta época fazia conferências públicas pela causa antiescravista, articulava centros abolicionistas em diversos pontos do Brasil e propiciava a fuga de escravos de maneira mais direta. Após ter fundado, em 1883, a Confederação Abolicionista, em setembro de 1887 Patrocínio deixou a Gazeta da Tarde para dedicar-se ao lançamento de Cidade do Rio, uma folha com poucos recursos, modesta, mas politicamente proeminente. Foi ali, enfim, que saudou o advento da Lei Áurea, pela qual tanto lutara.

Nelson Werneck Sodré, em “História da imprensa no Brasil”, citando Elói Pontes, destaca que José do Patrocínio era considerado um polemista aguerrido, insolente e radical em sua época:

(...) com sua campanha generosa em favor da raça escrava, torna-se chefe da boemia turbulenta. A Cidade do Rio é espelho magnífico. Nem sempre pagando os ordenados, distribuindo dinheiro quando há, apenas admitindo a maior liberdade de movimentos, José do Patrocínio contorna os embaraços, estabelecendo cozinha e restaurante no jornal (p. 292).


Do começo até o fim de sua existência, Cidade do Rio sempre foi considerado parte da “pequena imprensa” carioca. Em um primeiro momento, o expediente do vespertino vinha apenas com o nome de José do Patrocínio, como proprietário e diretor. Muito pela sua realidade estrutural e financeira, certamente sua equipe era enxuta. No entanto, em julho de 1888 e até o fim do ano, o jornal passou a destacar em cabeçalho o nome de seu secretário de redação, Pardal Mallet. Sabe-se que nesta época já eram colaboradores do jornal os renomados Olavo Bilac, Coelho Neto e Luís Murat. Após o fim da escravidão, no entanto, Werneck Sodré expõe que alguns desses nomes se retiraram da folha:

Realizada a Abolição, o grande momento da carreira de Patrocínio – que merecia morrer no 13 de maio, segundo um comentador, para sobreviver em memória gloriosa – o jornal entrara em crise de isabelismo, por curioso entendimento de seu diretor quanto à gratidão política, como se a princesa tivesse libertado os escravos só por si. Foi por rebeldia ante essa atitude que Pardal Mallet e outros o abandonaram, para lançar A Rua, com Olavo Bilac, Luís Murat e Raul Pompéia. Tudo isso não impediu a rápida adesão de Patrocínio à República, como vereador da cidade e como jornalista: a Cidade do Rio tirou três edições a 15 de novembro de 1889. (p. 292)


Apesar do relatado por Werneck Sodré, mesmo com o lançamento de A Rua Olavo Bilac não abandonou a colaboração a Cidade do Rio. Em sua fase “isabelista”, este continuava expondo reflexões sobre outras situações de injustiça social, com ênfase a meios de exploração a negros e camadas populares da sociedade. Com a relativa estabilidade financeira que vivia no momento, o jornal tirava mais edições e passava a explorar mais as ilustrações, que ganhavam maior destaque nas folhas de rosto. Em 1º de agosto de 1889, Emílio Rouéde e Bento Torres apareceram, respectivamente, como secretário e gerente, com J. F. Serpa Júnior substituindo Torres no ano seguinte.

A partir de 1889, José do Patrocínio não teve uma relação simples e amigável com as maquinações da República, tendo se tornado, politicamente, um personagem periférico a esta. No final de 1890, Cidade do Rio foi um dos jornais signatários de um documento que repudiava as ameaças do Governo Provisório republicano a diversos periódicos de oposição ao presidente Deodoro da Fonseca, em especial A Tribuna. Em 1891 Patrocínio se opôs abertamente a Floriano Peixoto, sendo, em consequência, desterrado para Cucuí. Segundo Nelson Werneck Sodré, já em 1889 havia iniciado a moda de escritores e jornalistas viajarem à Europa – nesse sentido, como Olavo Bilac já tinha ido em 1890 a serviço de Cidade do Rio, José do Patrocínio aproveitou para fazer o mesmo, em 1892.

Não se sabe ao exato se no período em que José do Patrocínio esteve fora do Rio de Janeiro seu jornal deixou de circular - a coleção de Cidade do Rio presente na Biblioteca Nacional, que baseou esta pesquisa, não tem edições correspondentes aos anos de 1891 e 1892, num hiato que vai de 31 de dezembro de 1890 a 4 de fevereiro de 1893. Todavia, com a intensa repressão das autoridades à época, é provável que a folha tenha sido temporariamente suspensa, talvez até a anistia aos considerados criminosos políticos, concedida pelo governo em 5 de agosto de 1892: sabe-se que nessa ocasião Olavo Bilac saiu da cadeia, indo, diretamente ou pouco depois, assumir o cargo de secretário de redação em Cidade do Rio.

Em 1893 Patrocínio já tinha regressado à capital brasileira e, por críticas ao marechal presidente, logo após o mês de outubro de 1893, Cidade do Rio acabou sendo suspenso. A folha acabou voltando a circular somente no primeiro semestre de 1895, novamente com Bilac como secretário - já antes da suspensão, e durante esta, o escritor esteve na redação da Gazeta de Notícias. O tempo exato que durou esta falha na periodicidade do jornal é incerto, sabendo-se apenas que o nº 278 saiu a 12 de outubro de 1893 e o nº 282 foi publicado em 2 de maio de 1895.

Mesmo após 1895, a participação de José do Patrocínio na vida pública brasileira não foi exatamente diminuindo. Segundo Brígido Tinoco, em “A vida de Nilo Peçanha”, obra citada por Nelson Werneck Sodré, no tocante à turbulência política instaurada no Brasil com a Revolta de Canudos (de novembro de 1896 a outubro de 1897), “José do Patrocínio e Paula Ney incitam as massas das janelas da Cidade do Rio” (p. 309). Citando ainda o antigo integrante da redação do jornal Vivaldo Coaracy, em “Todos contam sua vida – memórias de infância e adolescência”, Sodré destaca o prestígio de Patrocínio nessa época, como jornalista. Para Coaracy,

O artigo de Patrocínio tinha essencial importância. Nesse tempo, jornal que se prezasse não dispensava o “artigo de fundo”. E era através dele que Patrocínio exercia a advocacia da causa, qualquer que fosse, a que, na ocasião, tivesse alugado a sua pena de mestre. O artigo sustentava a folha, a casa de Patrocínio e as suas extravagâncias. (...) E era sempre uma preciosa lição de estilo ou de jornalismo, de técnica de imprensa e até mesmo de português, que nos dava. A Cidade do Rio era uma escola. E era um prazer trabalhar com ele. Prazer tão grande que compensava a exiguidade dos ordenados e ainda a irregularidade dos pagamentos, sempre atrasados, sempre complicados, pela multidão de “vales” sempre incertos. (p. 311/312)


Coaracy também expunha a situação de decadência em que o jornal se achava, já às portas do século XX. Reflexo da personalidade de Patrocínio, o descrédito à folha ia crescendo ao passo que a versatilidade de seu diretor a punha a serviço de determinadas causas ou figuras públicas: “Os homens que hoje engrandece, ataca-os amanhã. E vice-versa. Usa as opiniões como as gravatas” (p. 312). Em verdade, pelas dificuldades financeiras que o diário passou a enfrentar com maior intensidade, sugere-se que a opinião de Patrocínio podia ser comprada. Nelson Werneck Sodré resume então a condição de Cidade do Rio em seus últimos momentos:

José do Patrocínio, que se engrandecera na campanha abolicionista – seu instante de glória – passaria os anos seguintes a deteriorar-se em público, num espetáculo grotesco, tolerado pelo seu talento, usado como instrumento e, em seu exemplo eloquente, representando, afinal, um libelo contra a sociedade que condicionava a existência de figuras dessas características. Jornalista autêntico, entretanto, morreria escrevendo o seu artigo para A Notícia, de pena à mão, em plena atividade. A Cidade do Rio (...) seria a trincheira abolicionista mais forte da Corte, para transformar-se, depois, no balcão em que Patrocínio alugava o seu talento e a sua arte. Não podendo vencê-lo nem perdoar-lhe a cor e a origem e o abolicionismo, os afortunados enxovalharam-no, usando-o. (p. 273)


À época de sua decadência, José do Patrocínio empobrecia e passava a dedicar-se cada vez mais aos temas do balonismo e do transporte aéreo. Cidade do Rio, como quase todo o restante da imprensa carioca, dava destaque a artifícios de apelo popular. Nesse sentido, o jogo do bicho foi muito explorado: segundo Vivaldo Coaracy, o jornal tinha “uma complicada tabela estatística a que, na redação, chamávamos ‘o câmbio do bicho’. Referia os bichos que haviam dado no mesmo dia dos anos anteriores; nos meses precedentes, quantas vezes haviam saído cada bicho e não sei mais o quê” (p. 311).

Ao fim de Cidade do Rio, Batista Coelho e Henrique Câncio ajudavam Patrocínio em sua edição. O jornal, pelas dificuldades financeiras, não conseguia se atualizar. Sua estrutura interna nunca foi organizada como uma empresa, portanto, além de tudo sua estabilidade variava conforme as circunstâncias: apenas o relativo prestígio polemista dos artigos de seu proprietário mantinham-no em pé, e mal. O periódico, enfim, fechou em 30 de junho de 1902.

Ao longo de sua trajetória, sobretudo em seu ápice, Cidade do Rio formou diversos nomes que ali se tornaram ou depois se tornariam ilustres nas letras e no jornalismo brasileiros. Como colaboradores ou como membros fixos de sua redação, além dos já citados, a folha contou com Emiliano Perneta, Corina de Vivaldi, Paulo Barreto, entre outros.

Cabe ressaltar que, pela irregularidade geral na sua administração, Cidade do Rio teve numeração confusa. Algumas vezes, em seu aniversário, o jornal era renumerado. Outras vezes, a renumeração ocorria ao 1º de janeiro de cada ano. Em certos momentos da publicação do jornal ainda ocorriam erros ou mudanças que persistiam: como exemplo, em 9 de julho de 1895 foi publicada a edição nº 350 do ano 10. A edição do dia seguinte foi publicada com o nº 1. Depois, a 11 de julho a edição aparecia sob o nº 152. Aparentemente para tentar resolver o problema, a partir de 1896 o jornal passou a ser renumerado ao início de cada ano, constando no cabeçalho apenas a mudança das datas e do ano de publicação. Na virada de 1897 para 1898, no entanto, isso não foi feito. E em 1901, novamente, o jornal voltou a ter problemas de numeração, sendo renumerado em seu aniversário, no final de setembro.

Fontes:

- Acervo: edições do nº 1, ano 1, de 28 de setembro de 1887 ao nº 227, ano 15, de 30 de junho de 1902.

- Academia Brasileira de Letras. José do Patrocínio. Disponível em: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=742&sid=226 Acesso em: 16 mai. 2013.

- SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.

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