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Diário de Notícias (Salvador, 1875)

10 nov 2015

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e marcado com as tags Assis Chateaubriand, Bahia, Campanha Civilista, Comércio, Conservadorismo, Costumes tradicionais, Crítica política, Diários Associados, Economia, Estado Novo, Fascismo, Getúlio Vargas, Guerra de Canudos, Literatura, Partido Social Democrático (PSD), Revolução de 1930, Rui Barbosa, Segunda Guerra Mundial

O vespertino Diário de Notícias veio a lume em 13 de março de 1875, em Salvador (BA), pelas mãos do português Manuel da Silva Lopes Cardoso. Com título e modelo visual inspirados no jornal homônimo lisboeta, foi lançado com dificuldades: sem contar com o capital necessário para a compra da tipografia, seu fundador teve de recorrer a amigos que se dispusessem a fazer assinaturas antecipadas do periódico ou a pagar por espaço publicitário no mesmo – assim, a impressora foi cedida a crédito pelo comendador Manuel Brandão. O órgão nasceu, então, com caráter estritamente comercial e foi, em seus primeiros momentos, noticioso, independente de qualquer grupo ou partido político, ao contrário do restante da imprensa de sua época. Isso não o impedia de ser, no entanto, estritamente conservador. Após trocar de propriedade inúmeras vezes, chegou a pertencer finalmente aos Diários Associados de Assis Chateaubrind na década de 1940; após a morte deste, seu fechamento se deu no final de dezembro de 1979 – apesar de um período uma sobrevida entre 1980 e 1981.

Durante a gestão de Lopes Cardoso, o Diário de Notícias foi editado de forma precária, em quatro páginas. Metade de suas edições vinha com noticiário geral de ênfase local, nacional e internacional, com a publicação de telegramas, e com romances em folhetim; a outra metade, com anúncios variados. Essa fórmula foi mantida mesmo após a morte de Cardoso, em 23 de junho de 1887, quando a direção e a redação do vespertino passaram a Eduardo De Vecchi. Contudo, nesta segunda fase, que durou de 1887 a 1898, pela primeira vez o jornal se engajara politicamente, atacando fortemente o governo de Rodrigues Lima na Bahia, acusando-o de corrupção. Segundo Consuelo Novais Sampaio, em verbete sobre o periódico no “Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930”, “Esses ataques recrudesceram quando da duplicação do Legislativo estadual (março 1895), resultado de acirradas disputas entre as facções políticas locais” (p. 1847).

O Diário de Notícias passou a ser, enfim, uma folha política e partidária quando se iniciou sua terceira fase, em 1898: momento em que foi arrematado por um grupo que tinha o conselheiro Luís Viana, então governador baiano, como liderança. Sendo a partir de então o principal acionista do jornal, que se transformara num mero porta-voz do governo, Luís Viana não teve, entretanto, grande apoio na política local. Consuelo Novais Sampaio expõe:

Os efeitos da crise econômica de 1896-1897 e o fracasso de sucessivas expedições militares enviadas pelo governo para combater Antônio Conselheiro e seus seguidores, em Canudos, foram fatores decisivos na forte oposição que a burguesia agrocomercial manifestou em relação ao governo estadual. Em decorrência, o prestígio e a carreira política de Luís Viana entraram em colapso, arrastando o Diário de Notícias, que deixou de circular em fins de 1900. (p. 1847)


A fase vianista do Diário de Notícias acabou durando somente cerca de dois anos, findando com o término do mandato do governador e resultando, conforme Sampaio, no fechamento do jornal. No entanto, o silêncio da folha duraria poucos anos. Em 1902 o vespertino desativado foi vendido ao coronel Vicente Ferreira Lins do Amaral, que o colocou novamente em circulação em 16 de março de 1903, sob a direção de José Luís Marques e com Virgílio de Lemos na chefia da redação. Pela primeira vez, então, o jornal passara por reformas: foram adquiridas uma rotativa e um aparelho de dobrar junto à firma alemã Koening and Bauer, renovando-se também o maquinário de estereotipia.

Iniciando sua quarta fase enfim com oito páginas por edição, o Diário de Notícias tinha na figura de Virgílio de Lemos, homem de letras e jornalista conhecido entre a elite baiana, seu ícone; sua presença, ao lado de nomes como Afrânio Peixoto, Castro Rebelo, Xavier Marques e Aristides Milton, resgatava os brios da folha, dotando-a de ares combativos, politicamente engajados. Segundo Consuelo Sampaio, destacaram-se então no diário campanhas como

(...) aquela voltada contra a Campanha Circular, responsável pelos transportes urbanos em Salvador. Os títulos dos editoriais então publicados – “Fora a chicana!” e “Eis o gato...”, por exemplo – dão uma medida da combatividade do jornal na denúncia de privilégios outorgados àquela companhia e de irregularidades na composição da sua diretoria. Na campanha para a sucessão presidencial de 1909-1910, o Diário de Notícias identificou-se com o civilismo de Rui Barbosa, atacando, em contrapartida, a candidatura do marechal Hermes da Fonseca. Com a vitória do marechal Hermes e subsequente ascensão de J. J. Seabra ao governo da Bahia, o jornal assumiu feição oposicionista, amenizada por uma pretensa atitude de neutralidade. (p. 1847)


Em 1919 o jornal passou a se mostrar mais vigorosamente contrário ao governo de Seabra, aproveitando um movimento que então articulou forças oposicionistas locais. Para a presidência da República, o periódico tornou a defender Rui Barbosa, nas eleições onde, no entanto, Epitácio Pessoa saiu vitorioso. No plano internacional, todavia, o Diário de Notícias veio a adotar uma postura política que não pode se dissociar de fatores econômicos. A elite comercial baiana – da qual o vespertino ainda era representante – era extremamente dependente de iniciativas privadas alemãs. Sendo mesmo Vicente Ferreira Lins do Amaral um germanófilo, a folha vinha apoiando a Alemanha na Primeira Guerra Mundial. Com o envolvimento brasileiro no conflito ao lado da Tríplice Entente e o embargo ao comércio alemão, o comércio baiano entrou em crise. O Diário de Notícias sentiu isso de modo particular, portanto, no mesmo ano de 1919 acabou sendo vendido a uma sociedade anônima composta por altos comerciantes locais, que colocaram o até então redator-chefe do jornal em sua direção: o professor Altamirando Requião, auxiliado por Antônio Marques dos Reis (como secretário de redação) e Hermano Santana (tesoureiro).

Sob a batuta de Requião, que com o tempo se tornaria o único dono da empresa editora do Diário de Notícias, a quinta fase do vespertino foi um momento de guinada em seu fôlego. Ainda na oposição, provocando polêmicas e sempre disposto a apontar as irregularidades no governo, o jornal conquistou a sociedade letrada baiana. Esse caráter, no entanto, enfraqueceu após 1924, quando da entrada de Francisco Marques de Góis Calmon, da corrente opositora, no governo baiano. Identificando-se com o grupo no poder, o jornal deixou de ser vibrante.

A partir do final da década de 1920, o Diário de Notícias, governista, passou a demonstrar inconformidades com relação à Aliança Liberal e ao desenrolar do processo que levou à Revolução de 1930. Mas sua postura dependeria do desenrolar dos acontecimentos. Conforme o movimento liderado por Getúlio Vargas ganhou corpo, o vespertino passou a apoiá-lo. Consuelo Novais Sampaio sintetiza o período da seguinte forma:

A princípio, o jornal manifestou descrença e mesmo escárnio diante da atuação dos aliancistas ao tempo em que defendia a salvaguarda da ordem estabelecida. Editorial de fevereiro de 1930 – 'Sairá desta vez a revolução apregoada?' – garantia que a revolução não se concretizaria jamais (...). Após as eleições de 1º de março, que deram a vitória à chapa Júlio Prestes-Vital Soares, o Diário de Notícias reafirmou seu apoio ao governo constituído e assegurou que os liberais já estavam conformados com a derrota. A partir de 4 de outubro, apenas noticiou a eclosão de movimentos armados, no Norte e no Sul do país, dando destaque às "grande providências do governo federal para a defesa das instituições" e manifestando orgulho pela presteza com que, na Bahia, se organizava a reação contra os revoltosos. Mas a 24 de outubro, consumada a deposição e a prisão do presidente Washington Luís e instalada a junta governativa, o jornal anunciou em grandes letras vermelhas a vitória da revolução, congratulando-se com as manifestações do povo baiano que, "ordeiro e brasileiríssimo, vibra de entusiasmo pelas ruas". Sob o título "A grande revolução", o editorial do dia seguinte indicava que, numa guinada de 180 graus, o Diário de Notícias passara a apoiar os novos donos do poder. (p. 1848)


Apesar de sua nova fase governista, em menos de um ano após a revolução o Diário de Notícias já entrava em choque com o governo de Arthur Neiva na Bahia, no tocante à tentativa de centralização das exportações de cacau no porto de Salvador. A medida, que ia de encontro à tendência centralizadora do novo governo e visava maior controle alfandegário, afetava diretamente os produtores e exportadores de cacau de Ilhéus, cidade que, por concentrar a produção do fruto, também o exportava. A rigor, os artigos do jornal, defendendo a descentralização junto à opinião pública, pesaram a favor da decisão pela continuidade de descentralização. Mas, excluindo-se esse episódio, no plano estritamente político, os governos que vieram em seguida foram aplaudidos pelo Diário de Notícias, que se transformara, então, numa folha de defesa da legenda da situação, o Partido Social Democrático (PSD). Nesse sentido, foi amplamente favorecido o mandato de Juraci Magalhães, líder do PSD local, que durara de setembro de 1931 a novembro de 1937.

Neste período o Diário de Notícias esteve no centro de uma polêmica local envolvendo a Igreja. Em 1933, pela publicação de denúncias de fundo moral contra um padre, secretário do arcebispo local, Altamirando Requião fora processado e condenado à prisão. Isso só não ocorreu por um recurso interposto junto ao Tribunal de Justiça da Bahia.

As relações do vespertino com o poder local, ajudando a suportar as elites no governo através do PSD, se deram também no sentido eleitoral. Aproveitando a força que um canal de comunicação como o Diário de Notícias representava, Magalhães chagou a lançar Altamirando Requião como candidato a deputado federal para as eleições de outubro de 1934 – ocasião em que o dono do jornal fora o mais votado para o cargo, na Bahia. O fim do mandato de Juraci Magalhães e o golpe que resultara no início do Estado Novo em 1937 não alteraram a orientação do periódico.

A conjuntura política que favorecia a manutenção da situação no jornal, ao contrário do que possa parecer, não significou um período de bonança. Aluísio de Castro, que à época havia assumido o cargo de gerente da folha, passou a fazer oposição ao interventor Landulfo Alves, que entrara no poder em 1938. Ao embaraço que essa postura provocou se juntaram as dificuldades para a importação do material necessário à produção do vespertino, ocasionadas pela eclosão da Segunda Guerra Mundial. Assim, no final de 1939 o Diário de Notícias fora vendido por Requião a Antônio Balbino de Carvalho Filho e a Rafael Spinola.

Apesar de se encontrar em nova fase, no desenrolar da Segunda Guerra Mundial, pelos mesmos fatores que anteriormente – a estreita relação da elite comercial baiana com firmas alemãs, sobretudo quanto à exportação de cacau e fornecimento de manufaturados usados pelas classes mais altas no estado –, o vespertino deu total apoio às forças do Eixo. Houve, nesse movimento, um aumento na tiragem do jornal. No entanto, novamente, quando o Brasil declarou guerra à Alemanha e nações filiadas, em 1942, a situação se mostrara desfavorável ao Diário de Notícias. Populares indignados chegaram a invadir as oficinas do periódico, danificando-as. Isso, no entanto, não impediu a folha de circular: Antônio Balbino recorrera ao coronel Franklin Lins de Albuquerque, que já havia sido seu avalista na compra da empresa. O militar, então, articulou a impressão temporária do diário nas oficinas de O Imparcial, de sua propriedade.

Por trezentos contos de réis, em 1943 o Diário de Notícias foi vendido a Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, que o incorporou aos Diários Associados, colocando Odorico Tavares em sua direção. Politicamente, portanto, o periódico passou a seguir a cartilha da cadeia, ou seja: mantinha-se conservador, ligado à manutenção da elite no poder – apoiando, por exemplo, o golpe militar em 1964. Contudo, nesta fase, a folha se destacara na esfera cultural, com grande incentivo às letras e às artes visuais.

No final de 1979 o Diário de Notícias acabou fechando, vítima da crise que assolara os Associados. Na época, o Grupo Nordeste, de Pedro Irujo, havia comprado a TV Itapoã e a Rádio Sociedade, que também pertenciam ao Condomínio Associado – a negociação, entretanto, deixou o jornal de fora. A 8 de novembro de 1980 seu título foi adquirido por um pequeno grupo que, reformulando-o editorial e graficamente, o colocou de novo em atividade. Apesar de seu caráter popular, dando ênfase ao cotidiano policial baiano, a empreitada não obteve respaldo e alguns meses depois, o diário fechou as portas definitivamente.

Curiosamente, foi durante a gestão de Chateaubriand que o Diário de Notícias sofrera uma de suas raras modernizações gráficas, no caso, a segunda, quando, em 1958, passou a usar uma rotativa Goss. Quando extinto, em 1979, era o único jornal de Salvador a não ser impresso em sistema off-set.

Fontes:

- SAMPAIO, Consuelo Novais. Diário de Notícias (Salvador). In: ABREU, Alzira Alves et al. (Coord.) Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930. Rio de Janeiro: Editora FGV; CPDOC, 2001. Vol. II.

- SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.