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Diário do Rio de Janeiro

19 nov 2014

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e marcado com as tags Conservadorismo, Dom Pedro I, Guerra do Paraguai, Imprensa Áulica, Imprensa oficial, José de Alencar, Nicolau Lobo Viana, Período Regencial, Primeiro Reinado, Quintino Bocaiúva, Rio de Janeiro, Saldanha Marinho, Segundo Reinado

Entre a chegada da família real portuguesa ao Brasil, em 1808, ainda durante o período colonial, e o Primeiro Reinado, poucas publicações tinham licença para circular no Brasil: as exceções eram poucas, como a Gazeta do Rio de Janeiro e os demais impressos da Impressão Régia. No entanto, e mesmo com o recrudescimento das pressões da censura, que se tornara implacável por conta eclosão do movimento constitucionalista português, o ano de 1821 se destacou pela abertura de novas casas impressoras no território nacional. Por impulso da própria Coroa estabeleceram-se, aos poucos, os primeiros representantes da chamada imprensa áulica no Brasil, aquela que contava com o patrocínio do Estado e o defendia. Isso ocorreu sobretudo após a abertura dos portos, ocasião em que passaram a chegar no país impressos clandestinos variados, deixando a monarquia com uma certeza: nas palavras de Nelson Werneck Sodré, ela “precisava dos louvores, de ver proclamadas as suas virtudes, de difundir os seus benefícios, de, principalmente, combater as ideias que lhe eram contrárias” (p. 29).

Foi nesse contexto que Zeferino Vito de Meirelles, oriundo da Impressão Régia, de onde ascendera de operário a vice-administrador, obteve a autorização e os meios para lançar seu próprio jornal. Primeiro Meirelles havia imprimido, na tipografia real, uma espécie de anúncio promocional: um “Plano para o estabelecimento de hum util e curioso diario nesta cidade”, onde relatava suas pretensões e detalhes sobre a publicação, que custaria a mensalidade de 640 réis (ou 40 réis por exemplar avulso), a serem pagos na loja de Manoel Joaquim da Silva Porto. E assim, o Diário do Rio de Janeiro, o primeiro diário da história da imprensa brasileira, veio a lume: a partir de 1º de junho de 1821. O mesmo foi impresso inicialmente na tipografia real, mas já em março de 1822 Meirelles instalou sua própria tipografia, a Typographia do Diário do Rio de Janeiro, que passou a publicar a folha homônima.

Werneck Sodré, em sua “História da imprensa no Brasil”, relata o seguinte sobre o periódico:
Aparecendo quatro dias antes do juramento das Bases da nova Constituição, portuguesa, isso em nada alterou a sua orientação, desde que a folha era deliberadamente omissa nas questões políticas. Foi, realmente, o primeiro jornal informativo a circular no Brasil. Diário, ocupava-se quase tão somente das questões locais, procurando fornecer aos leitores o máximo de informação. Inseria informações particulares e anúncios: aquelas tratavam de furtos, assassínios, demandas, reclamações, divertimentos, espetáculos, observações meteorológicas, marés, correios; estes tratavam de escravos fugidos, leilões, compras, vendas, achados, aluguéis e, desde novembro de 1821, preços de gêneros. O jornal aparecia até às oito horas da noite e os interessados encontravam na livraria de Manuel Joaquim da Silva Porto e em outros pontos da cidade caixas onde deveriam lançar os seus escritos, até às 16 horas. (...) Do ponto de vista da imprensa, como a entendemos hoje, [o jornal] foi precursor originalíssimo, e teve todas as características do jornal de informação. Do ponto de vista político, entretanto, em nada alterou o quadro. Se não fez o aulicismo da fase anterior, em vias de ser rompido, não realizou também nada em contrário. (p. 50-51)

Em verdade restrito à primeira década de edição do jornal, o rigor apolítico do Diário do Rio de Janeiro era tamanho, assim como sua popularidade, que logo em seus primeiros momentos passou a ser chamado de “Diário do Vintém”, por conta de seu preço, ou de “Diário da Manteiga”, pelo fato de trazer os preços de gêneros variados, como o da manteiga que chegava à Corte. A isenção do diário, alardeada por Zeferino Meirelles, o levou a sequer noticiar a Independência, a 2 de setembro de 1822 (apenas editais correlatos ao acontecimento estiveram presentes em suas páginas), e a ignorar tanto a aclamação como o golpe ministerial de 30 de outubro. Ainda assim, Meirelles sofreu um atentado em agosto daquele ano, do qual veio a falecer. Antônio Maria Jourdan assumiu então o seu posto na direção do jornal.

Se o jornal até então não se posicionava politicamente, na década de 1830, seguiu o exemplo contrário. A começar por sua tipografia, gerida então por Nicolau Lobo Vianna, que tinha laços com o governo. Após a abdicação de Dom Pedro I, a impressora se envolveu no combate aos chamados “pasquins difamatórios” jacobinistas, antilusitanos, que proliferaram entre o fim do Primeiro Reinado e o início do Período Regencial, editando, em contrapartida, pasquins da facção política contrária, conservadora. No início da década, a imprensa brasileira esteve particularmente caracterizada pelo embate entre liberais exaltados jacobinistas (que exaltavam o 7 de abril como uma verdadeira revolução, ou seja, eram favoráveis à abdicação) e “caramurus” (os conservadores que buscavam a restauração do imperador), enquanto a gestão regencial se deteve em mãos de políticos moderados. Nesse sentido, a tipografia do Diário do Rio de Janeiro foi responsável pela edição de periódicos como O Verdadeiro Caramurú, A Trombeta, O Verdadeiro Patriota, O Filho da Terra, O Lagarto, Correio do Imperador ou O Direito de Propriedade, etc., que, se não eram folhas reconhecidamente restauradoras, ao menos criticavam veementemente tanto exaltados quanto moderados.

Evaristo da Veiga, figura vista então como moderada, era combatido tanto por exaltados quanto por caramurus, a ponto de ser achincalhado na imprensa e de sofrer um atentado a tiros, em 8 de novembro de 1832. Na ocasião, o Diário do Rio de Janeiro havia deixado de lado sua faceta de “Diário da Manteiga”: passara a servir à facção restauradora, publicando grandes textos hostis a Evaristo, assinados por José da Silva Lisboa, o visconde de Cairu, sob o pseudônimo de “Jurista”. Como resultado, populares acabaram empastelando o periódico. Nelson Werneck Sodré cita o diário, quando afirma que os atentados pessoais contra figuras da imprensa proliferaram, à época:
O atentado coletivo contra o Diário do Rio de Janeiro, revide a uma posição antipopular agressiva, foi pitorescamente narrado pela A Formiga, ao tempo, ressaltando que, enquanto quebravam os utensílios daquele jornal, os manifestantes davam frequentes vivas à liberdade... Nem faltou a perseguição oficial, o processo, a cadeia para os que se arvoravam em críticos das autoridades. (p. 170)

Mesmo assim, a postura política do jornal não findou. Por volta de 1837, o jornal entraria ainda em debates memoráveis contra a folha liberal de Antônio Borges da Fonseca, O Repúblico. A historiografia oficial viria a glorificar José Cristino da Costa Cabral, colaborador do Diário do Rio de Janeiro que, a partir de fevereiro daquele ano lançaria seu próprio jornal, o Semanario do Cincinnato, para cerrar fileiras com o diário no combate a Borges da Fonseca. Acontecimentos desse tipo renderiam frutos à tipografia que editava o diário, pois, se de 2 de janeiro de 1841 a 30 de agosto de 1846 a folha publicara atos oficiais em suas páginas, entre 1848 e 1862 esteve em vigor um contrato entre Nicolau Lobo Viana e o governo imperial, para a publicação de matéria oficial. Nesse meio tempo, no entanto, Lobo Viana deixou a propriedade da folha, que, a partir de 6 de julho de 1852 passou a pertencer a Antonio Maria Navarro de Andrade e a Luiz Antonio Navarro de Andrade, que reformularam graficamente o diário em 2 de dezembro daquele ano. Luiz Antonio passou a ser o redator-chefe e, com o tempo, o periódico passou a ser dirigido formalmente por José Navarro de Andrade.

À parte do plano político, em 1855 o Diário do Rio de Janeiro veio a se destacar por abrigar José de Alencar, então cronista colaborador, após sua saída do Correio Mercantil. Para Werneck Sodré, a passagem do escritor foi estrondosa:
No Diário do Rio de Janeiro, José de Alencar constituiria exemplo marcante da conjugação da literatura com a imprensa. Ele mesmo depõe: “Em fins de 1856, achei-me redator-chefe do Diário do Rio de Janeiro. Ao findar o ano, houve ideia de oferecer aos assinantes da folha um mimo de festa. Saiu um romance, meu primeiro livro, se tal nome cabe a um folheto de 60 páginas. Escrevi Cinco Minutos em meia dúzia de folhetins, que iam saindo na folha dia por dia, e que foram depois tirados em avulso sem nome do autor”. Mas o sucesso de folhetim ocorreria em 1857 quando, entre fevereiro e abril, o Diário do Rio de Janeiro publicou O Guarani, com interesse extraordinário para a época. Em 1860, o mesmo jornal publicaria, também em folhetins, A Viuvinha. (p. 191)

Mesmo com o destaque, o Diário do Rio de Janeiro deixou de circular em dezembro de 1858. Após o lançamento de sua edição nº 328, de 10 de dezembro, houve um pequeno hiato na periodicidade do jornal, que durou até a publicação de uma edição especial datada de 16 de dezembro de 1858, que vinha com o nome O Velho Diário do Rio de Janeiro, que era, na verdade, outro jornal, lançado em substituição. Nesta, o chefe de redação Luiz Antonio Navarro de Andrade publicava uma nota inflamada, afirmando que a decretação de falência da folha original tinha ocorrido por fatores políticos: em especial, argumentava-se que as críticas lançadas ao ex-ministro da Fazenda, Bernardo de Souza Franco, tinham sido as motivadoras do processo. O Velho Diário do Rio de Janeiro acabou tendo vida curta, tendo circulado, com suas apenas duas páginas, diariamente, até 29 de dezembro de 1858.

Após mais de um ano sem circular, no ano de 1860 o diário reapareceu, modernizado. A 25 de março desse ano o periódico foi relançado, com nova numeração e novo subtítulo: “Folha política, literária e comercial”. Passando a ter Saldanha Marinho na direção, contando com o auxílio de Quintino Bocaiúva, como redator-chefe, e Henrique Cézar Muzzio – aos quais logo se juntariam Salvador de Mendonça e Machado de Assis –, o jornal começou a se destacar por sua redação, seu quadro de colaboradores e sua impressão, considerados acima da média, no período. Se antes a folha já era popular, esta nova fase consagraria sua “ressurreição”, sobretudo pela linha politicamente combativa e pelas abordagens distintas no plano das ideias e da cultura (com destaque à literatura), adotadas por Saldanha Marinho. No entanto, em 1867, a ida deste para Minas Gerais e a de Quintino Bocaiúva para os Estados Unidos desmantelou a brilhante redação do diário – que também viu a debandada de Machado de Assis. Depois dessa fase, o Diário do Rio de Janeiro entraria em instabilidade, passando por diversas direções em poucos anos.

O ano de 1867 iniciou com Sebastião Gomes da Silva Belfort na propriedade do Diário do Rio de Janeiro. Com esta nova configuração, a 2 de dezembro Luiz Antonio Navarro de Andrade voltou a aparecer no experiente da folha como redator-chefe, mas não ficou no cargo por muito tempo. Entre maio e junho de 1868, em meio à sua cobertura da Guerra do Paraguai, o jornal mudou novamente de proprietário, passando a pertencer ao bacharel Custódio Cardoso Fontes. A 18 de março de 1871, F. C. Neves Gonzaga & Cia. passariam a deter a propriedade do jornal, entretanto, e o editariam até 29 de janeiro de 1878, data em que o fechariam. O teor político da folha, nesses últimos tempos de transição, continuava conservador, antiliberal, e sua linha editorial mantinha-se oficialesca, com a publicação de variados despachos imperiais.

O Diário do Rio de Janeiro veio a reaparecer somente a 7 de abril de 1878, com novos donos e com Augusto de Carvalho na redação – além do novo subtítulo: “Consagrado ao comércio, lavoura e indústria”. Mas esta fase, além de breve, acabou sendo a última: o jornal fechou definitivamente depois de publicar sua edição de 31 de outubro de 1878. Nela, Carvalho anunciava que a antiga Typographia do Diário passaria a se chamar Imprensa do Jornal do Povo, já que seus donos planejavam iniciar a edição de uma folha assim intitulada a partir de janeiro de 1879.

Fontes

- Acervo: ao nº 1, de 1º de junho de 1821, ao nº 205, ano 64, de 31 de outubro de 1878.

- SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.