BNDigital

Diário Fluminense

13 nov 2017

Artigo arquivado em Hemeroteca
e marcado com as tags Biblioteca Nacional, Conservadorismo, Dom Pedro I, Economia, Imprensa Áulica, Imprensa oficial, Primeiro Reinado, Rio de Janeiro

Vindo a lume a 21 de maio de 1824 no Rio de Janeiro (RJ), Corte do Império brasileiro em pleno Primeiro Reinado, o Diário Fluminense foi o principal jornal oficial da coroa naquele momento, até sua extinção, em 24 de abril de 1831, pouco depois da abdicação de Dom Pedro I. Sua impressão se dava, como de costume, na Typographia Nacional. Em seu cabeçalho, na verdade, seu título parecia ser “Império do Brasil”, inscrição que figurava com todo o destaque, junto do brasão imperial, com a marca Diário Fluminense figurando logo abaixo, como um subtítulo (no entanto, é pelo último nome que o periódico é mais conhecido, na historiografia).

Dirigido e redigido por Manuel Ferreira de Araújo Guimarães desde o começo até 30 de abril de 1830, quando passou a ser comandado por Januário da Cunha Barbosa, o antigo panfletário do Revérbero Constitucional Fluminense, que o editaria até o fim, o Diário Fluminense veio de uma linhagem de folhas oficiais que, de certa forma, termina no atual Diário Oficial da União. O primeiro nessa linha sucessória foi a Gazeta do Rio de Janeiro, o segundo jornal da história brasileira, fundado a 10 de setembro de 1808. Com a extinção do último no fim de 1822, os atos oficiais do governo da nação passaram a ser publicados no Diário do Governo, redigido pelo frei Francisco de Sampaio, no período entre 2 de janeiro de 1823 e 20 de maio de 1824 – na verdade, era como se o jornal anterior houvesse apenas mudado de título, tamanha a linha de continuidade. Em seguida, os atos oficiais migraram para o Diário Fluminense, publicados ali entre 21 de maio de 1824 e 23 de abril de 1831, onde figuraram em meio a artigos de defesa do governo. Também esse jornal era praticamente o mesmo Diário do Governo, apenas mudando-se o título.

Como toda folha áulica da época, o Diário Fluminense era basicamente um órgão de defesa de Dom Pedro I e do governo em geral. Sua existência era vista pela coroa como necessária, sobretudo após a instalação da Assembleia Geral, do Senado e da Câmara, a 6 de maio de 1826, que possibilitou o crescimento de uma imprensa liberal de oposição – moderada ou “exaltada”, conforme eram chamados os mais revolucionários desse grupo –, extremamente crítica ao absolutismo em vigor. Com o governo submergindo em uma crise que culminaria na abdicação de 7 de abril de 1831, tanto imperador quanto figuras ligadas ao poder investiram no lançamento de uma imprensa servil, oficiosa, para defender suas posições. Também nesse contexto político, conforme mesmo a existência do Diário Fluminense acabou sendo vista como insuficiente na defesa de Pedro I, se destacou a Gazeta do Brasil, lançada, na Corte, já a 30 de março de 1827. Nelson Werneck Sodré, em “História da imprensa no Brasil”, destaca outras folhas semelhantes:

Na direita conservadora alinham-se os órgãos da imprensa áulica, agora conhecida como absolutista, tendo à frente, na Corte, o Diário Fluminense e contando com o Jornal do Comércio e com O Analista como acompanhantes principais. Não faltava a essa corrente, assim, o concurso de jornalistas estrangeiros, nem de jornais estrangeiros aqui publicados: o Courrier Du Brésil, por exemplo, francamente empenhado na política interna do país. (p. 110/111)


Em seguida, o autor destaca novos detalhes à imprensa áulica do Primeiro Reinado, com destaque à participação textual do próprio monarca na mesma. Valendo-se de uma citação do Diário Fluminense contra os órgãos liberais, datada de 12 de março de 1829, Werneck Sodré expõe que

Nas ásperas polêmicas do tempo, participou pessoalmente D. Pedro. Não se limitou a estimular os seus escribas. Tomou da pena ele mesmo, muitas vezes, e extravasou os seus impulsos. Já ao tempo da Estrela, assim procedia. Continuou assim com a Gazeta do Brasil. Mas foi no Diário Fluminense que mais frequentemente se manifestou. Assim, ora agia no terreno legal, promovendo denúncias por crimes de imprensa cometidos pelos que o combatiam – João Clemente Vieira Souto, redator da Astréia, foi algumas vezes submetido a processo – como brandia a mesma arma de seus adversários e utilizava a mesma linguagem, quando não a excedia. Para a imprensa áulica, a de oposição estava “preparando a revolução, fomentando a anarquia”. O Diário Fluminense prevenia os leitores: “Temos razões bem fortes para clamar aos nossos concidadãos que se ponham em guarda contra as sugestões desses gritadores Universais, Astros de pestífera influência, Faróis que só conduzem a estuosos cachopos, Astréias sem justiça, sem pejo e sem tino, e outros cometas de mau agouro”. Mas novos jornais apareciam, e aumentava a circulação dos antigos. A vida política quase se resumia na imprensa. O Imparcial e o Moderador vinham juntar-se aos que defendiam o governo. (p. 111)


Ainda a respeito do Diário Fluminense, Matías Matínez Molina, em outra obra de referência para a história da imprensa brasileira, “História dos jornais no Brasil: da era colonial à Regência (1500-1840)”, cita um trecho do livro “História do Brasil”, do inglês John Armitage, publicado no Rio de Janeiro pelo impressor J. Villeneuve em 1837. Ali, o órgão governista era

(...) digno sucessor da Gazeta do Rio do tempo do governo absoluto, raras vezes condescendia em ilustrar o entendimento de seus leitores. Alguns artigos oficiais, uma lista de entradas e saídas de embarcações, extratos dos jornais europeus a respeito da Espanha e Turquia, e longas diatribes sobre os horrores da democracia formavam a soma total do seu contexto. Acerca da carta de lei, ainda que objeto de suma importância para todos os homens reflexivos do Império, nem uma palavra se escrevia. Apareciam por vezes alguns boletins da guerra no Sul (a Guerra Cisplatina), mas como fossem sempre a favor da causa imperial, ao mesmo tempo que a guerra parecia muito longe do seu termo, começou-se a suspeitar de sua autenticidade.


Em 7 de abril de 1831, quando o imperador abdicou, Januário da Cunha Barbosa, então à frente tanto do Diário Fluminense quanto da Typographia Nacional, perdeu as regalias com relação ao governo. No jogo político, assim como já fizera anteriormente, veio a mudar de lado, passando a apoiar o governo de Diogo Antônio Feijó ao início do Período Regencial, feito que permitiu com que reassumisse suas funções frente à imprensa oficial – e, posteriormente, se firmasse ainda como diretor da Biblioteca Nacional e como um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Mesmo com a manutenção de Januário Barbosa na imprensa governamental, o Diário Fluminense deixou de circular como tal em 24 de abril de 1831. Em consequência da crise política que levou à abdicação de D. Pedro I, nos seus últimos momentos, o periódico vinha publicando somente artigos de ofício. Os atos oficiais do Império passaram a sair novamente num jornal intitulado Diário do Governo, que se manteve no período entre 25 de abril de 1831 e 28 de junho de 1833. Assim como já havia ocorrido, o “novo” periódico seguia moldes gráficos e editoriais idênticos aos do Diário Fluminense, ocasionando, na prática, apenas uma mudança de título. Em seguida, todavia, o Correio Official assumiu como o diário oficial brasileiro, de 1º de julho de 1833 a 14 de agosto de 1841. Após esse período, os atos oficiais passaram a sair em grandes jornais governistas de iniciativa privada: foi o caso de Jornal do Commercio, de 5 de agosto de 1841 a 31 de agosto de 1846; da Gazeta Official do Império do Brasil (que apesar de seu título, era privado), entre 1º de setembro de 1846 e 1º de julho de 1848; do Correio Mercantil, de 1º de agosto de 1848 a 23 de outubro de 1848; do Diário do Rio de Janeiro, de 24 de outubro de 1848 a 31 de dezembro de 1854; e, novamente, do Jornal do Commercio, de 1º de janeiro de 1855 a 30 de setembro de 1862. Por fim, por deliberação do Marquês de Olinda, foi lançado fora da esfera privada o Diario Official do Imperio do Brasil, no dia 1º de outubro de 1862. O último órgão se tornou o Diário Oficial da União tempos depois, já durante a República.

Fontes:

- Acervo: edições do nº 1, volume 5, de 3 de janeiro de 1825, ao nº 1, volume 17, de 3 de janeiro de 1831.

- SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.

- MOLINA, Matías Martínez. História dos jornais no Brasil: da era colonial à Regência (1500-1840) v. 1. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.