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História do Brasil | Guerra do Contestado

14 mar 2021

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Conflito armado, ocorrido entre os anos de 1912 e 1916, na fronteira entre os estados brasileiros do Paraná e Santa Catarina, tendo atravessado os mandatos presidenciais de Hermes da Fonseca (1910-1914) e Venceslau Brás (1915-1918), e que se configurou em um dos maiores massacres de populares, majoritariamente sertanejos pobres, em território nacional.

As questões de fronteira entre Paraná e Santa Catarina remontam à expansão territorial brasileira, no período Colonial, com as tropas bandeirantes. No século XIX, nos tempos do Império, Paraná e de Santa Catarina ainda buscavam a regulamentação de suas fronteiras, o que se agravaria fortemente a partir do início do século XX, pois a região em questão, uma faixa de terra que se alongava desde a fronteira com a Argentina, entre os rios Iguaçu e Uruguai, cobrindo mais da metade do território atual de Santa Catarina, era ocupada por fazendeiros e posseiros que viviam da extração de madeira e do cultivo de erva-mate e extração do pinhão (fruto da araucária). A ocupação da terra através da posse, ou seja, sem títulos oficiais de propriedade, existia desde longa data na região, o que não impedia que os posseiros, em sua maioria pequenos agricultores, tornassem as terras produtivas e ali sustentassem suas famílias.

Como incremento aos problemas da região do Contestado, o governo brasileiro, sob administração de Afonso Pena (1906-1909), vendeu uma faixa de terra, ao empresário estadunidense Percival Farquhar (1864-1953), proprietário da Brazil Railway Company. Terra essa localizada na mesma região do conflito e que, apesar de entendida como devoluta, era ocupada por sertanejos e produtiva. A partir de 1908, a empresa iria construir a ferrovia São Paulo-Rio Grande e, para isso, desapropriou cerca de 30 quilômetros ao lado da ferrovia, resultando no despejo de milhares de famílias que, estabelecidas na região há gerações, retiravam dali o seu sustento. Privados das terras, parte dos posseiros foi aproveitada no trabalho de construção da ferrovia. Paralelamente à construção da ferrovia, a empresa Southern Brazil Lumber & Colonization, subsidiária da Brazil Railway Co., foi instalada para a exploração madeireira e colonização da região. Ao final da obra, em 1910, foram dispensados cerca de 8 mil trabalhadores, consequentemente transformados em massa de desempregados, destituídos da terra outrora ocupada por seus familiares.

Para completar o cenário, à semelhança do conflito de Canudos no sertão da Bahia (1896-1897), surge o componente religioso, na figura do monge José Maria que, com discurso de salvação através de uma vida comunitária e guiada por leis divinas, ganha adeptos e funda povoados autônomos, as cidades santas, visando contribuir para fixar o camponês nas regiões disputadas. Os caboclos curandeiros são percebidos desde as primeiras ocupações, nos tempos da colonização, algo usual nas comunidades camponesas e presente em várias regiões do país. Todavia, por causa dos conflitos, passaram a ser vistos como monarquistas e fanáticos, e começaram a incomodar os proprietários de terras em Santa Catarina, fugindo para Irani, em Palmas, na época sob jurisdição do Paraná - acirrando a crise entre os dois estados, pois o Paraná entendeu a ocupação da vila, pelos revoltosos, como uma investida catarinense, na questão das fronteiras.

Os confrontos tiveram início no ano de 1912, no chamado Combate do Irani (PR), e culminam na morte do monge José Maria, juntamente com 11 sertanejos, 10 soldados e o Coronel João Gualberto Gomes de Sá Filho. Os camponeses seguiriam ocupando vilas, em toda a região do Contestado e, como represália, usavam a tática da guerrilha, promoviam saques, resistiam aos confrontos com jagunços dos proprietários da região, incendiando estações e vilas colonizadas pela empresas empresas de Farquhar, bem como enfrentavam as forças estaduais que investissem contra eles.

Em 8 de fevereiro de 1914, os estados do Paraná e Santa Catarina, antes litigantes, promovem uma ação conjunta em Taquaruçu, com auxílio do governo republicano, destruindo a vila. Os sertanejos, que já ocupavam a vila de Caraguatá com cerca de 20 mil habitantes, se articularam e, em 9 de março de 1914, liderados agora pela jovem Maria Rosa - que, segundo o imaginário local, receberia orientações do Monge José Maria através de sonhos -, venceram nova investida das tropas. Os sertanejos ainda atacariam a Colônia de Rio das Antas (SC), cujo mapa ilustra esse artigo, e passaram a ocupar a cidade de Santa Maria (SC). O ataque, das forças do exército a essa cidade, em 1914, resultou em um verdadeiro massacre aos revoltosos, dizimando a vila (A Notícia). As batalhas se desenrolam por mais dois anos e as baixas, entre os sertanejos, levaram ao encerramento do combate em 1916 (O Estado de Florianópolis). Na ocasião, o presidente Venceslau Brás, juntamente com os governadores dos estados, firmou a definição das fronteiras, decretando fim das disputas na região.

O conflito custou aos cofres públicos mais de 3 mil contos de réis - o Relatório do Ministério da Guerra cita uma parte dessa verba, e o jornal A Federação traz outras justificativas para os gastos no conflito (http://memoria.bn.br/docreader/388653/34215) -, uma verdadeira fortuna para a época, o que resultou, por exemplo, em restrições aos colégios militares, que tiveram suas verbas reduzidas. Artilharia pesada e pequenos aviões (Auto-Propulsão) foram usados contra os revoltosos que, finda a guerra, somam cerca de 10 mil mortos, na maior parte sertanejos pobres, entre vítimas dos combates, fome e doenças.

Como outros desdobramentos, houve punição de militares envolvidos em fuzilamentos (O Pharol) e, em meio às discussões e críticas ao conflito (Jornal do Recife), ganha força a ideia do serviço militar obrigatório, preconizada por Olavo Bilac (O Pirralho).

Explore os documentos:

Foto de Percival Farquhar em batismo de avião

Mapa das Ferrovias

Correio da Noite: Modificações na distribuição do Exército no território nacional

Colônia do Rio das Antas.