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História do Livro | A Imprensa e a Reforma

18 jul 2020

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Mesmo antes que as inovações de Gutemberg permitissem a difusão da imprensa, os livros já veiculavam instrução religiosa para as classes populares. Isso se fazia por meio de edições xilogravadas, repletas de imagens de santos e cenas piedosas. Ao mesmo tempo, as informações de interesse geral continuavam a circular oralmente ou por meio de cartazes e editos afixados em praça pública.

A multiplicação das prensas, primeiro na Alemanha e a seguir no restante da Europa, fez crescer a quantidade de peças de informação. Segundo os historiadores Febvre e Martin, a partir do século XV surgiram milhares de relatos narrando fenômenos naturais, descrevendo festas e paradas militares, dando conta dos sucessos de um exército em batalha no estrangeiro. Ao mesmo tempo, crescia o número de traduções de obras latinas para línguas modernas, e de uma língua moderna para outra, como provam as várias edições de Petrarca e Boccaccio em francês. Isso contribuiu para o desenvolvimento e o fortalecimento das línguas nacionais, que cada vez mais pessoas eram capazes de ler.

Foi nessas circunstâncias que Martinho Lutero (Eisleben, Alemanha, 1483 – 1546) obteve sucesso na divulgação de suas ideias, lançando as bases do movimento conhecido como Reforma Protestante. Ordenado pela ordem agostiniana, doutor em Teologia e professor da mesma matéria na Universidade de Wittenberg, Lutero se manifestou contra o tráfico de indulgências pela Igreja Católica, que abordou em sermões e conferências a partir de 1516. Em 31 de outubro de 1517, mandou afixar na Capela dos Agostinhos de Wittenberg um documento em latim, listando 95 pontos de divergência com a Igreja Católica. Trata-se das famosas “teses”, que em princípio deveriam ser debatidas entre estudiosos, mas foram copiadas, traduzidas para o alemão, condensadas – e, em cerca de um mês, já haviam se espalhado por toda a Alemanha, para isso contando com os prelos estabelecidos em dezenas de cidades.

A partir daí, o movimento só fez crescer de vulto, com publicações tanto em latim, que Lutero usava para debater com os teólogos, quanto em alemão, língua em que eram redigidos seus sermões, obras edificantes e de apelo popular. Os livros costumavam trazer seu retrato, assim conferindo um “rosto” àquele que se dirigia às pessoas do povo, em sua língua cotidiana, para apresentar suas propostas e argumentos. Da Alemanha, onde muitos impressores da época se dedicavam exclusivamente às obras luteranas, o movimento se expandiu para outros países, começando pela França: em 1520, ainda segundo Febvre e Martin, as ideias de Lutero eram discutidas na Universidade de Paris. E, quando suas obras foram declaradas heréticas, muitos foram os impressores e livreiros que desafiaram a proibição, publicando e fazendo circular esses e outros livros censurados, quer por concordarem com suas ideias, quer porque as edições clandestinas tinham grande procura e se afiguravam como um negócio rentável.

Uma das publicações mais importantes de Lutero foi a Bíblia em alemão. Não foi a primeira: a Igreja Católica já publicara várias traduções em língua vernácula, tais como a Bíblia produzida antes de 1466 na oficina de Johannes Mentelin, de Estrasburgo, e a do impressor Koberger, de 1483, na qual se usaram xilogravuras posteriormente coloridas. Lutero, porém, estava imbuído da vontade de traduzir a Bíblia não apenas vertendo suas palavras para o alemão, mas também aproximando a linguagem daquela falada pelo povo. Para isso, não apenas estudou versões estabelecidas, que o ajudassem a compreender o real sentido do texto (entre eles, a Vulgata de Jerônimo, do século IV, e a segunda edição do Novo Testamento grego de Erasmo de Roterdam, de 1519), mas também foi às ruas para ouvir e registrar o alemão usado pelas pessoas comuns. Em 1522 publicou o Novo Testamento, e, em 1534, a primeira edição da Bíblia completa, baseada em textos hebraicos e gregos. Além de auxiliar na difusão das ideias reformistas, a obra é considerada um marco na literatura em língua alemã, tendo contribuído para estabelecer uma forma escrita compreensível por falantes de vários dialetos.



Bíblia de Lutero, edição de 1741

A ilustração deste post é uma imagem da Bíblia de Lutero em edição poliglota de 1741. O texto está em alemão, grego e hebraico; tem capitais ornamentadas e vinhetas e foi composta em caracteres góticos e aldinos. Pertence à Divisão de Obras Raras da Biblioteca Nacional, na qual, em 2017, foi realizada uma exposição de caráter histórico em homenagem aos 500 anos da Reforma. A exposição se encontra disponível em sua versão digital, e, ao percorrê-la, o visitante tem contato com testemunhos bibliográficos de várias épocas sobre Lutero e as ideias reformistas.
http://bndigital.bn.gov.br/exposicoes/lutero-500-anos-da-reforma/