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História do Livro | A Tipografia de Silva Serva

19 jan 2021

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A chegada da Corte portuguesa acarretou inúmeras transformações para o Brasil, que não se resumiram à cidade do Rio de Janeiro. Novos decretos, leis e alvarás facilitaram as transações comerciais e o estabelecimento de fábricas e indústrias em vários pontos do território, o que, a partir de 1811, incluiu outras tipografias além da Impressão Régia.

Ao escrever sobre os livros e bibliotecas no Brasil colonial, Rubens Borba de Moraes afirma que o estabelecimento de casas impressoras por particulares foi uma consequência do alvará de 1 de abril de 1808, que passou a permitir o estabelecimento de manufaturas no país. Esse alvará revogava um anterior, assinado por D. Maria, rainha de Portugal, em 1785, na qual se proibia a existência de qualquer fábrica, exceção feita àquelas que produziam tecidos grosseiros, usados para a confecção de sacos, bem como de roupas dos escravizados. O motivo alegado: os colonos deviam se dedicar à agricultura e à exploração dos recursos naturais, tais como o ouro e outros minérios.

Veja uma cópia de época do alvará de D. Maria, que integra o acervo da Divisão de Manuscritos.

Com a revogação, assinada pelo Príncipe Regente, foram muitos os que se lançaram à empreitada de abrir fábricas e indústrias, inclusive tipografias. Destas, a primeira a obter licença foi a de Manuel Antônio da Silva Serva (1761 – 1819), português que se mudou para o Brasil no final do século XVIII e se estabeleceu em Salvador como comerciante. Vendia livros, importados da Europa, mas também outros produtos, tais como tapetes, lustres e móveis – os chamados “trastes domésticos”.

Uma curiosidade é ter sido o futuro editor e tipógrafo o provável criador das “medidas do Bonfim”, feitas de algodão, antecessoras das famosas “fitinhas” adquiridas por nove entre dez visitantes de Salvador. Silva Serva era tesoureiro da irmandade da Devoção do Senhor Bom Jesus do Bonfim, e teria criado essas fitinhas em 1809 para vender e assim conseguir recursos. Ao mesmo tempo, já se empenhava em abrir sua futura tipografia: naquele ano teria viajado a Portugal e à Inglaterra, onde se supõe ter adquirido equipamento para a empresa, e em 1810 se encontrava na Corte, fazendo diligências para obter as devidas autorizações. Para isso contava com a ajuda do conde dos Arcos, governador da Bahia entre 1810 e 1818, que se empenhou tanto para a fundação da oficina tipográfica quanto para a criação de uma Biblioteca Pública em Salvador.

Em fevereiro de 1811 veio a autorização para montar a tipografia, que foi instalada na Freguesia de Conceição da Praia. Logo passou a publicar livros e folhetos sobre os mais diversos assuntos, a exemplo do que fazia a Impressão Régia, no Rio de Janeiro. Borba de Moraes destaca os de Medicina, destinados à Escola de Cirurgia fundada na Bahia em 1808, e as obras religiosas. Não eram poucos, também, os que se dirigiam à oficina para imprimir poemas elogiosos dirigidos à família real, como prova este “Epicínio” (canção que celebrava a vitória de um herói, guerreiro ou atleta) escrito em latim e dedicado a D. João por José Francisco Cardoso de Morais.

Uma das mais importantes produções da tipografia soteropolitana foi o periódico “Idade d´Ouro do Brazil”, cuja criação já fora proposta por Silva Serva ao requerer sua licença. Até então só havia um periódico impresso no país: “A Gazeta do Rio de Janeiro”, o jornal oficial da Corte, que saía pela Impressão Régia e era editado pelo frei Tibúrcio José da Rocha. Ao conseguir a licença de impressão, em maio de 1811, Silva Serva se comprometeu a assumir um papel semelhante, publicando os decretos ministeriais e as notícias políticas, bem como a dar conta das “descobertas úteis” e “novidades mais exatas de todo o mundo”. O jornal tinha quatro páginas e circulava três vezes por semana, estando sujeito a censura.

Conheça o “Idade d´Ouro do Brazil”, na Hemeroteca Digital.

Em 1812, o periódico passou a publicar um suplemento chamado “Variedades” ou “Ensaios de Literatura”, considerado a primeira revista cultural brasileira. O “Idade d´Ouro” foi publicado até 1823 e não apenas circulava em Salvador, mas era enviado de barco à Corte e a outras partes do país, onde tinha assinantes. Entre seus pontos de venda estava a loja do livreiro Paulo Martin, no Rio de Janeiro.

E, uma vez que a mencionamos, a Biblioteca Pública da Cidade da Bahia também foi inaugurada em 1811. Eis o seu catálogo, impresso em 1818 na Tipografia de Silva Serva; segundo informação constante da BN Digital, trata-se do primeiro catálogo de biblioteca publicado no Brasil.


Primeira página da primeira edição do Idade d´Ouro do Brazil.