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História do Livro | O Livreiro e Editor Francisco Alves

04 maio 2021

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Um dos nomes mais relevantes para a história da indústria e do comércio do livro no Brasil é o de Francisco Alves, cuja editora – excetuando-se a Impressão Régia, hoje Imprensa Nacional -- é a mais antiga em atividade no país.

Aníbal Bragança, pesquisador da UFF, aponta para o equívoco de mencionar Francisco Alves entre os editores estrangeiros estabelecidos no Brasil, tais como Garnier e os irmãos Laemmert.

Estes chegaram a exercer o ofício de livreiros na Europa, e sua vinda para cá representou uma expansão de casas comerciais já existentes. Por sua vez, Francisco Alves, português nascido em 1848, veio aos quinze anos para o Rio de Janeiro, onde completou seus estudos, foi aprendiz na Livraria Clássica – fundada em 1854 por seu tio, Nicolau António Alves – e trabalhou no ramo de artigos náuticos antes de abrir uma loja de livros usados na Rua São José. Assim, foi no Brasil que adquiriu sua formação como livreiro.

Após um breve regresso a Portugal, Francisco se instalou novamente na Corte, a convite do tio, com quem passou a trabalhar. Isso aconteceu em 1882, e no ano seguinte o mais jovem dos Alves se naturalizou brasileiro. Logo se tornaria sócio da firma e, em 1897, seu único proprietário, dando continuidade à linha editorial promovida por Nicolau, que se especializara em livros didáticos e acadêmicos. O momento era oportuno, pois, com a República, cresceram a atenção e a verba destinadas à Educação; centenas de escolas foram abertas, principalmente em São Paulo, onde, em 1894, Francisco Alves instalou a primeira filial de sua livraria. A sede também se mudou para um local mais espaçoso, na Rua do Ouvidor. Segundo Laurence Hallewell, em meados da década de 1890 a firma detinha um quase monopólio da produção de livros didáticos, que imprimia em grandes tiragens, barateando os custos e consequentemente os preços finais.

No início do século XX, Francisco Alves abriu nova filial em Belo Horizonte – construída para se tornar a nova capital de Minas Gerais, em substituição a Ouro Preto --, e adquiriu várias empresas rivais, inclusive a Laemmert. Em 1913 comprou também uma firma lisboeta com filial no Rio de Janeiro, a Livraria “A Editora”. Além disso, uniu forças com outra importante editora portuguesa, a Aillaud-Bertrand, o que facilitou a impressão de seus livros na Europa.

Percorra a sexta edição de “Histórias da Nossa Terra”, de Júlia Lopes de Almeida, obra voltada para o público escolar, que tem Francisco Alves e Aillaud como editores e foi impressa em Paris.

Além dos livros didáticos, muitos deles escritos por autores ilustres como Francisco Vianna, Afrânio Peixoto e Ramiz Galvão – sem contar as traduções e adaptações --, Francisco Alves também publicou obras literárias. Foram seus autores, entre outros, Olavo Bilac, Raul Pompeia, Alberto de Oliveira e Euclides da Cunha, cujos direitos de edição para o livro “Os Sertões” vieram com a compra da Laemmert. Os contratos eram justos e até generosos para com os autores. Segundo o escritor baiano Júlio Afrânio Peixoto, autor de “A Esfinge”, um dos romances de maior sucesso da Francisco Alves, o editor estava disposto a correr riscos publicando nomes desconhecidos, mas condicionava a publicação de um segundo livro ao bom desempenho nas vendas. Isso pode ter contribuído para o sucesso financeiro, mas, por outro lado, pode ter feito com que Alves “deixasse passar” alguns grandes talentos.

Para ter um exemplo disso, leia o bilhete de Olavo Bilac endereçado a Lima Barreto, que integra o acervo da Divisão de Manuscritos.

De acordo com Francisco de Assis Barbosa, que organizou a correspondência de Lima Barreto, o bilhete data de 1911 e se refere à reedição de “Recordações do Escrivão Isaías Caminha”, que acabou por ser feita às expensas do próprio autor, assim como a primeira edição de “O Triste Fim de Policarpo Quaresma (1916). Outro livro, “Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá” foi publicado por Monteiro Lobato, que iniciava sua carreira como editor, mas não atingiu o sucesso nem as vendas esperadas. E foi a vez de Lobato aplicar o princípio utilizado por Alves, declinando de publicar novas obras de Lima Barreto.

Segundo Aníbal Bragança, entre 1882, quando veio em definitivo para o Brasil, e 1916, ano que antecedeu sua morte, Francisco Alves publicou mais de 500 títulos. Ao falecer, legou a maior parte de sua fortuna à Academia Brasileira de Letras, com a condição de que realizasse periodicamente dois concursos em sua homenagem: um de monografias sobre a língua portuguesa e outro de obras que debatessem estratégias para ampliar a educação primária no Brasil. A livraria foi adquirida por um grupo de ex-empregados, liderados por Paulo Ernesto Azevedo e Antônio de Oliveira Martins.

Até a década de 1920, a Francisco Alves continuou a dominar o mercado de didáticos, que chegaram a ter tiragens de 50.000 exemplares. Depois prosseguiu com uma linha editorial mais diversificada, que incluiu desde a primeira edição de “Quarto de Despejo”, de Carolina de Jesus (1960) à coleção “Mestres do Horror e da Fantasia”, com obras de Lovecraft, Stephen King e outros autores de Literatura Fantástica, publicadas entre 1982 e 1991. A empresa passou por vários donos e sofreu diversas reestruturações, e hoje se encontra sediada no bairro Santo Cristo, na zona portuária do Rio de Janeiro.


Detalhe de bilhete enviado por Olavo Bilac a Lima Barreto, tratando da relutância de Francisco Alves em publicar um de seus livros.