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Império do Brasil | O intelectual dentro de um monarca

05 dez 2020

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"Nasci para consagrar-me às letras e às ciências."
(D. Pedro II)

“Entre as Nações do Universo,/ É o Brasil mui ditoso,/ Áureo cetro nele empunha/Um Monarca estudioso.” (Tertuliano de Medeiros)


Uma marcante característica da biografia de D. Pedro II foi seu gosto pela vida de estudos. Apesar de muito cedo no poder, revelou-se estudioso e equilibrado e em pouco tempo adquiriu experiência que o tornou verdadeiro chefe da nação. Com fama prematura de filósofo e intelectual, D. Pedro II sempre gostou de estudar. Até o fim da vida, considerou o estudo uma obrigação.

Com afinco muito superior à sua idade, se aplicou D. Pedro II, desde a infância, ao apaixonado estudo dos idiomas, da história, da geografia, das matemáticas, da religião, das ciências naturais, da literatura, bem como das belas artes. Nunca foi necessário chamá-lo para o estudo.

Longe de ficar abatido com o elevado número de matérias do programa que lhe haviam traçado, o que o menino aprendia não era bastante a satisfazer a sua curiosidade intelectual.

Em 1831, aos cinco anos, já estudava textos em português, inglês e francês. Além das mencionadas, aprendeu, ao longo da vida, latim, alemão, italiano, hebraico, árabe, sânscrito, chinês e tupi-guarani. O seu interesse pelas Ciências Naturais pode ter sido herdado da sua mãe, que se dava a estudos de biologia e geologia e havia improvisado um laboratório no Paço de São Cristóvão.

O boletim médico do dr. Joaquim Cândido Soares de Meirelles, de 30 de março de 1840, traz a seguinte informação a respeito das inclinações intelectuais do jovem monarca: "O senhor d. Pedro II, imperador do Brasil, de idade de 14 para 15 anos, dotado de uma constituição linfático-sanguínea, possuindo uma cabeça assaz desenvolvida e bem organizada, tendo começado em mui tenra idade sua educação literária, chegou a conseguir em curto espaço de tempo o conhecimento das línguas francesa, inglesa, alemã, latina, e o de História e Geografia, e muito adiantamento em geometria, retórica e botânica. Logo que s.m. entrou a tomar gosto pela aquisição da literatura e pelas ciências, nenhuma outra espécie de passatempo chamou mais a sua atenção que a leitura ou a conversação com pessoas literárias. Este ardor pelo estudo fez com que s.m.i não achasse tanto prazer nos brincos [brincadeiras] de sua idade, como acontece às outras crianças, e se desse aos trabalhos literários, apesar de acabar de comer."

O príncipe Adalberto da Prússia, que o conheceu em setembro de 1842, descreve-o assim: "D. Pedro II está notavelmente adiantado em vigor mental e conhecimentos para sua idade. [...] Manifesta grande prazer no avanço e na aquisição de conhecimentos, e cultivou cada ramo completamente. A história é seu estudo predileto."

Daí seu interesse incontestável pelo Instituto Histórico Geográfico Brasileiro. Em 15 de dezembro de 1849 foram inauguradas as novas instalações do IHGB, no Paço Imperial. A partir desta data, as reuniões passaram a acontecer em uma das salas do Paço. A presença de D. Pedro II tornou-se cada vez mais assídua. Demonstrando seu interesse pessoal pelo Instituto, o Imperador, entre os anos de 1849 e 1889 chegou a presidir cerca de 506 sessões, ausentando-se somente por motivo de viagem.

A paixão pelo saber o levava a viajar e a manter correspondência com escritores, cientistas e intelectuais de vários países da Europa e dos EUA. Desde os vinte anos ele se comunicou com o mundo intelectual europeu, iniciando correspondência com Max Radiguet, que o conheceu que o conheceu nessa época, e assinalou seu aspecto melancólico e pensativo. Foi amigo e correspondente de Alexandre Herculano, Victor Hugo, Louis Pasteur, Alfred Nobel, Richard Wagner e Alessandro Manzoni. Manzoni chegou a enviar-lhe a ode "Cinque Maggio" inteiramente copiada de sua própria mão. Diz-se que, por insistência do Imperador, então em viagem à Europa, Victor Hugo o recebeu em sua casa em 22 de maio de 1877 e que teria se surpreendido com a inteligência do monarca, a tal ponto que se diz ter pronunciado a seguinte frase: "Senhor, sois um grande cidadão, sois o neto de Marco Aurélio". (Cf. http://memoria.bn.br/DocReader/704555/9620)

Ávido leitor, D. Pedro II tinha boa memória, que lhe permitia guardar o que lia. Em uma carta escrita à condessa de Barral, ele declarou: “Muito me tem valido minha paixão pelo estudo e pela leitura. Eu leio pelo menos 10 horas por dia.” Além de ledor voraz, foi também tradutor. Sabia que a tradução, que força uma língua a dobrar-se acompanhando as curvas de um pensamento estrangeiro, é, mais ou menos, o único meio de comunhão espiritual requintada entre as nações. Todavia, pouco se fala sobre seu trabalho intelectual como tradutor. Deve-se registrar aqui que ele foi o primeiro a verter o Livro das mil e uma noites do árabe ao português. Traduziu cento e vinte noites, das quais as primeiras trinta e seis, estão por ora extraviadas. Traduziu ainda muitas outras obras consagradas na literatura mundial, como por exemplo, Prometeu acorrentado, de Ésquilo, além de textos bíblicos, como o livro de Ruth, e também textos religiosos, como Poesias Hebraico-Provençais do Ritual Israelita Comtadin, impresso em Avignon, em 1891.

Em seu diário pessoal encontram-se também algumas anotações a respeito de suas traduções e das datas em que foram realizadas e dos títulos das obras que se propôs a traduzir. Nomes como Victor Hugo, Longfellow, Manzoni, Schiller, Liégeard, Homero, Lamartine despontavam entre os autores traduzidos por ele. Por meio da troca de correspondências e das conversas com escritores, D. Pedro II obtinha informações, tirava dúvidas sobre o significado de certas palavras, trocava opiniões, além de receber apoio desses intelectuais que admiravam sua dedicação à tradução.

Nos arquivos da Biblioteca Nacional, do Museu Imperial e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), tem-se a prova da ampla correspondência trocada com as sumidades do mundo intelectual de sua época.

Sabe-se ainda que o Imperador manteve intensa relação com intelectuais e cientistas renomados do Império Austro-húngaro e dos Estados Alemães, tais como Humboldt, Schaufuss, Lund e Von Martius, com quem manteve relações estreitas ao longo da vida.

O interesse científico de D. Pedro II era tão grande que ele foi reconhecido por várias instituições e sociedades austríacas e alemãs, das quais se tornou sócio. Recebeu Diploma de Sócio de Honra da Sociedade de Geografia de Munique, da Livre Congregação Alemã de Ciências e Arte, da Sociedade de Antropologia e Etnologia de Berlim, da Sociedade Zoológica de Frankfurt, e do Israelitisches Blinden Institut. Já a Universidade de Edimburgo concedeu-lhe em 31 de janeiro de 1885 Diploma de Doutor Honoris Causa. Em 1885, recebeu os Anais da Academia de Ciências de Berlim. (Cf. https://www.bn.gov.br/producao-intelectual/documentos/d-pedro-ii-construcao-um-projeto-civilizatorio)

Devido a essa paixão do imperador pela busca e pelo desenvolvimento do conhecimento, Afonso d'Escragnolle Taunay  chegou a escrever sobre a intelectualidade de D. Pedro II, no Correio da Manhã, de 2 de dezembro de 1925, referindo-se ao frei beneditino Antônio da Conceição Gomes de Amorim, antigo capelão da Armada, que se tornou seu amigo e  era um grande admirador do monarca.

O velho frei dizia: "De todos os monarchas do mundo era o nosso o único sabio". (Cf. http://memoria.bn.br/DocReader/089842_03/23359)