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Intelectuais brasileiros | A trajetória de Abdias Nascimento

14 mar 2021

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Ator, diretor, dramaturgo, escritor. Professor, pesquisador, político, artista plástico. Abdias Nascimento foi tudo isso e em todas as suas atividades foi, acima de tudo, um ativista de uma causa maior: a luta contra o racismo e a defesa dos direitos humanos e civis da população negra. Nascido em 14 de março de 1914, Abdias Nascimento nos deixou uma vasta obra e um legado de luta e conquistas e é considerado um dos maiores expoentes da cultura negra e dos direitos humanos não apenas no Brasil, mas no mundo.

Neto de mulheres escravizadas, Abdias Nascimento nasceu em Franca (SP) e se mudou para a cidade de São Paulo na juventude. Na capital começou a participar de atos públicos da Frente Negra Brasileira, iniciando a militância a favor da causa do povo negro a que dedicaria toda sua vida. Já no Rio de Janeiro, formou-se em Economia na Universidade do Rio de Janeiro e fez pós-graduação no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Em 1945, Abdias foi um dos organizadores da Convenção Nacional do Negro, que originou um documento com uma série de propostas para a Assembleia Nacional Constituinte de 1946, como o estabelecimento de políticas afirmativas para a população negra e a criminalização da discriminação racial. O Manifesto da Convenção Nacional do Negro pode ser lido na BN Digital.

No ano anterior, 1944, havia fundado o Teatro Experimental do Negro, companhia teatral que, pela primeira vez, levou aos palcos atores negros como protagonistas e que formou a primeira geração de atores e atrizes dramáticos negros do teatro brasileiro. O Teatro Experimental do Negro, formado por empregados domésticos, trabalhadores e operários, desempregados e funcionários públicos diversos promovia também um trabalho de conscientização racial e de desenvolvimento da cidadania da população negra, realizando, além de espetáculos de consagrados autores nacionais e estrangeiros, cursos de formação cultural e alfabetização, eventos e ciclos de debates. A companhia teatral editava também o jornal Quilombo, realizou a Semana do Negro, organizou o Comitê Democrático Afro-Brasileiro e assumiu o Museu de Arte Negra, idealizado por Abdias Nascimento, cuja primeira exposição foi realizada em 1968, no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro.

No mesmo ano, pouco depois da exposição, Abdias viajou para os Estados Unidos num intercâmbio com o movimento negro norte-americano e lá estava quando foi decretado o AI-5, que marcou o endurecimento do regime militar. Indiciado em inquéritos policiais-militares, Abdias iniciou um exílio que só terminou em 1981. Durante esse período, foi conferencista, professor universitário – fundou a cátedra de Culturas Africanas no Novo Mundo na Universidade do Estado de Nova Iorque, e publicou livros de denúncia do racismo e do genocídio do negro. Dedicou-se também às artes plásticas, principalmente a pintura, e às pesquisas da cultura religiosa afro-brasileira. Suas telas foram exibidas em exposições em diversas galerias, museus, centros culturais e universidades dos EUA.

Ao retornar ao Brasil, após 12 anos de exílio, Abdias Nascimento participou do processo de redemocratização do país, ajudou a fundar o PDT (Partido Democrático Trabalhista) e foi eleito Deputado Federal. Neste cargo, elaborou a primeira proposta de legislação de políticas públicas afirmativas de igualdade racial, pauta que continuou defendendo no seu mandato como Senador. Foi também fundador do Ipeafro – Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros e um dos principais atores do processo de criação da Fundação Cultural Palmares e da instituição do Dia Nacional da Consciência Negra.

Abdias Nascimento foi reconhecido e homenageado por sua luta e trajetória por diversas instituições e organismos nacionais e internacionais, como a Unesco, ONU e a Biblioteca Pública de Nova Iorque, entre muitas outras. Recebeu o título de Doutor Honoris Causa de universidades da Bahia, Brasília, Rio de Janeiro e Ilé-Ifé (Nigéria). Em 2006 recebeu a Ordem do Rio Branco, no grau de Comendador, a mais alta honraria outorgada pelo governo do Brasil.
Após sua morte aos 97 anos, em 2011, suas cinzas foram enterradas na Serra da Barriga, local histórico do Quilombo de Palmares e da luta do negro brasileiro, atendendo ao seu desejo.

Revista Manchete, 1995.