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Intelectuais brasileiros | Brito Broca, um servidor das letras

01 out 2020

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Grande pesquisador, rato de biblioteca, Brito Broca foi o primeiro biógrafo da “vida literária" no Brasil. Nunca é demais lembrar a importância de sua obra, para a crítica e a história da literatura brasileira. A Hemeroteca da Biblioteca Nacional não tinha frequentador mais assíduo. Seu livro sobre “A Vida Literária no Brasil—1900”, longa crônica na qual o autor esmiúça um dos mais importantes e férteis períodos da nossa literatura, é monumento de uma época.

Havia qualquer coisa de anatoliano nesse homem amante dos velhos livros, ledor infatigável servido por uma verdadeira cultura humanística. Mesmo quando obtinha um livro de empréstimo, se a sua leitura o deliciava, ele não se contentava em lê-lo: queria possuí-lo. De posse do volume, dispensava-lhe o maior carinho. Sem espírito de bibliômano, admirava o livro como objeto, um objeto precioso e delicado, a exigir toda sorte de cuidados. Amava o livro com os cinco sentidos. (Cf. Brito Broca, Memórias)

Nade extraordinário aconteceu na sua vida, toda concentrada no devotamento às letras. Do ofício intelectual fez a sua única razão de viver. Era a sua realidade. Para Francisco de Assis Barbosa, “o amor que ele devotava à literatura só era comparável ao horror que tinha pela literatice. Literatura era para ele um território sagrado, onde se detivera para todo o sempre, com a humilde tenacidade de um cartuxo. Títulos, posições, glória, dinheiro, nada disso, para ele, teve importância.”

Em tudo o que Brito Broca produzia, escreveu Valdemar Cavalcanti, “havia o sentido da pesquisa, o gosto do estudo, o espírito crítico vigilante. A vida toda, literatura. Amor e respeito à literatura. Só literatura, sempre, com o maior decoro e dignidade. Dia e noite em contato com os livros, numa constante convivência com os autores, participando de rodas literárias, deixou um exemplo de isenção e altitude em matéria de comportamento, por manter-se fora e acima das intrigas e das competições mesquinhas, alheio às maquinações da inveja ou do despeito. Era alta e nobre a sua disposição de servir às causas e princípios da cultura, de modo compreensivo e equilibrado, fugindo a tudo que pudesse ser interpretado como puro brilho ou espalhafato; de servir por hábito e norma, como entendimento lúcido de um dever ao mesmo tempo literário e humano, pela seriedade com que encarava tanto as ideias e as correntes, como as instituições, os grupos e os indivíduos.” (O Jornal, 22 de agosto de 1961)

Conhecido em todas as redações e em todas as livrarias, familiar de todas as rodas, Brito Broca foi, segundo Otto Maria Carpeaux, um homem profundamente solitário. Sempre ocupadíssimo. “Ninguém lhe conhecia o endereço, os quartos de hotel ou pensão modesta onde se enterrava entre seus livros, vivendo só para os livros, e, no entanto, inspirado por um grande desprezo à vida literária da qual iria ser o historiador. A vida literária não lhe podia infundir respeito porque respeitava mais alto a Literatura, com maiúscula, o único culto da sua vida livre. Julgava-se, apenas, servidor humilde da Literatura.” No entanto, não foi homem triste. Foi, ao contrário, um dos conversadores mais alegres e divertidos. Sabia contar mil anedotas engraçadas. (Suplemento Literário d’O Estado de São Paulo, 26 de agosto de 1961)

Este grande servidor das Letras foi dos mais antigos amigos de Carpeaux no Brasil, talvez o mais antigo. Certas considerações que ele havia feito sobre a vida literária e o papel dos estrangeiros no Brasil o tinham vivamente comovido. Conheceram-se pessoalmente na Livraria José Olympio, na Rua do Ouvidor e ficaram ligados, para a vida toda, por uma amizade sem grandes palavras, sem emoções fortes, sem manifestações sentimentais; uma amizade sólida e nunca decepcionada. Seus lugares de encontro foram, depois da Livraria José Olympio, a redação de A Manhã; depois, na Biblioteca Nacional; depois, na redação do Correio da Manhã, onde ele cuidava de assuntos literários. (Correio da Manhã, 23 de agosto de 1961)

Lamentavelmente Brito Broca morreu atropelado na madrugada de 20 de agosto, na altura da rua Dois de Dezembro, no Flamengo, às vésperas de completar 58 anos de idade. O fato ocorreu por volta das 1h 30m, tendo sido ocasionado por um carro particular.

Identificado pela sua carteira de jornalista, assim que o corpo deu entrada no Instituto Médico-Legal, a notícia circulou rapidamente, e seus amigos eram avisados do doloroso acontecimento. (Correio da Manhã, 22 de agosto de 1961)

No dia de seu enterro, todos estavam circunspectos e graves, roupas escuras, óculos escuros, escuros os semblantes e escura a dor. O blusão espalhafatoso de Carlos Heitor Cony era uma ferida aberta naquele velório discreto e apressado. Fechado em seu caixão, ele pedia desculpa pela amolação involuntária que dava a seus amigos. E desculpava, também, aqueles que o amavam. (Correio da Manhã, 26 de agosto de 1961)

Brito Broca foi um autêntico intelectual, infatigável no seu ingrato ofício. Passava as noites escrevendo livros, artigos, lendo, pesquisando. Só ia deitar-se ao raiar do dia. Reservava as noites de sábado para espairecer, para descansar da luta de toda a semana. Costumava, então, ir jantar no Lamas, sempre sozinho, como homem aparentemente solitário, mas “habituado a encontrar dentro de si o mundo." Foi precisamente num desses sábados que a fatalidade o colheu, “roubando às letras brasileiras um dos seus mais altos e nobres valores”. (Correio da Manhã, 22 de agosto de 1961)

Humilde ao extremo, possuía, entretanto, uma cultura vasta, como o demonstram os vários livros que publicou e as traduções que fez de obras de Voltaire, Turgueniev, Dostoievsky, Heródoto, etc. Entre os livros de sua autoria, figuram os seguintes: “Coelho Neto romancista”, “Americanos”, “Raul Pompéia”, “Machado de Assis e a política”, “Horas de Leitura” e “A Vida Intelectual no Brasil – 1900” – obra de maior fôlego. Estava concluindo mais um volume de “A Vida Literária no Brasil”, e, ao mesmo tempo, escrevendo suas memórias, tudo isso sem interromper a colaboração no “Correio da Manhã”, em “O Estado de São Paulo” e na “A Gazeta” da Capital paulista. (Leitura, edição de setembro de 1961)

Nascido em Guaratinguetá, no Estado de São Paulo, José de Brito Broca completaria, no próximo dia 6 de outubro, 58 anos de idade.