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Juliano Moreira, precursor da psiquiatria no Brasil

27 nov 2023

O texto que segue é uma versão reduzida da apresentação, escrita pela própria autora, que abre o livro “Juliano Moreira: estudos de um pioneiro da psiquiatria no Brasil” (Jesus, 2016).


Um dos precursores da Psiquiatria no Brasil, Juliano Moreira nasceu na Bahia, em 1873. De origem humilde – como os escritores Machado de Assis, Cruz e Souza e Lima Barreto – foi apadrinhado pelo Barão de Itapuã, o médico Luiz Adriano de Lima Gordilho e, ainda adolescente, ingressou e formou-se na Faculdade de Medicina da Bahia, especializando-se em Dermatologia. Foi empossado como professor universitário na mesma instituição em 1896.

A transição para a Psiquiatria deu-se a partir de seus estudos sobre as consequências da sífilis sobre o sistema nervoso e levaria Juliano Moreira a dirigir, em 1903, o Hospital Nacional dos Alienados, uma das instituições médicas mais prestigiosas do Brasil. Fundado em 1852, inicialmente com o nome “Hospício Pedro II”, a instituição fez parte de uma série de iniciativas de modernização geral das instituições assistenciais do Império. Foi dessa forma que também nasceram a Casa de Correção da Corte – que se propunha a ser uma instituição prisional modelo no Brasil[1] -, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos (hoje Instituto Benjamin Constant) e o Imperial Instituto de Surdos-Mudos (hoje INES – Instituto Nacional de Educação de Surdos).

Figura 1 – O pavilhão Juliano Moreira.

Fonte: O sr. Raul [...] (1921, p. 20).

Sob a direção de Juliano Moreira durante quase trinta anos, o Hospital Nacional dos Alienados adotou tratamento mais humanizado aos pacientes psiquiátricos, com a abolição de grades e camisas de força, separação dos internos por gênero e idade e adoção de oficinas para ocupação dos enfermos.

Figura 2 – Conferência com dedicatória de Juliano Moreira.

Fonte: Moreira (1918, p. 1).

Foi sob a supervisão de Juliano Moreira que Lima Barreto, acometido por uma de suas crises de alcoolismo, ficou internado na instituição. Por sinal, a preocupação com os alcoólatras foi um dos temas que ocupou a produção científica de Juliano Moreira, que publicaria, em 1933, a transcrição de sua palestra “Assistência aos bebedores” na revista Arquivos Brasileiros e Hygiene Mental, na qual preconiza que o tratamento do alcoolismo deve ser visto como matéria de saúde pública.

Figura 3 – Arquivos Brasileiros de Psychiatria, Neurologia e Sciencias affins fundado por Juliano Moreira e Afrânio Peixoto.

Fonte: Arquivos Brasileiros de Psychiatria [...] (1907).

A carreira de Juliano Moreira como pesquisador, médico e divulgador científico (de acordo com o Memorial Juliano Moreira, sua produção científica excede 120 artigos publicados em periódicos médicos) não se deu sem infortúnios. Teve de enfrentar, principalmente, o chamado “racismo científico”, uma série de proposições que advogavam por uma suposta inferioridade de raças que explicariam o insucesso de alguns indivíduos na sociedade, bem como a prevalência de certas moléstias em determinados grupos sociais. Um dos defensores dessas teses era Raimundo Nina Rodrigues, professor de Juliano Moreira na Faculdade de Medicina da Bahia.

Mesmo essas teses não conseguiram ofuscar sua importância no campo da ciência brasileira: em 1925 foi convidado a fazer parte da comitiva de médicos brasileiros que recepcionou Albert Einstein em sua visita ao Rio de Janeiro. Em 1928, convidado ao Japão para uma visita a universidades daquele país, foi condecorado pelo imperador japonês por sua contribuição científica.

Figura 4 – Juliano Moreira ao lado de Albert Einstein e comitiva de médicos em sua recepção.

Fonte: A semana de Eisntein (1925, p. 28).

Foi demitido de sua posição como diretor do Hospital dos Alienados em 1930 e, junto com sua esposa, a alemã Augusta Peik, passou por dificuldades financeiras até sua morte, em 1933.

É possível estabelecer alguns paralelos entre sua vida e a de outros intelectuais negros contemporâneos seus. Como Machado de Assis, Lima Barreto e Cruz e Souza, Juliano Moreira faleceu sem deixar descendentes; como Cruz e Souza, morreu vitimado pela tuberculose; como Lima Barreto, a biblioteca que construiu durante sua vida profissional perdeu-se.

Em comum, todos foram intelectuais negros que legaram inegável contribuição em seus respectivos campos de atuação, apesar das vicissitudes de suas épocas.

Figura 5 – Retrato de Juliano Moreira.

Fonte: Professor Juliano Moreira ([192-?]).


REFERÊNCIAS

A SEMANA de Einstein. Fon-Fon, Rio de Janeiro p. 28, 16 maio 1925. Acervo da Hemeroteca Digital Brasileira da Fundação Biblioteca Nacional. Disponível em:  http://memoria.bn.br/DocReader/259063/53682 . Acesso em: 24 nov. 2023.

ARCHIVOS BRASILEIROS de Psychiatria, Neurologia e Sciencias Affins. Fundado pelos Drs. Juliano Moreira e Afrânio Peixoto. Rio de Janeiro: Hospício Nacional de Alienados, ano III, n. 1, jan./mar. 1907.

JESUS, Christianne Theodoro de (org.). Juliano Moreira: estudos de um pioneiro da psiquiatria no Brasil. Fundação Biblioteca Nacional: Rio de Janeiro, 2016. (Cadernos da Biblioteca Nacional, v. 15).

MOREIRA, Juliano. A psychiatria e a guerra: conferencia realizada no Club militar em 4.2.1918, sob os auspicios da Sociedade Medico cirurgica militar. [Rio de Janeiro: s.n.], 1918.

O SR. DR. RAUL de Moraes Veiga, Presidente do Estado do [...]. Careta, Rio de Janeiro, ano XIV, n. 696, p. 20-22, 22 out. 1921. Acervo da Hemeroteca Digital Brasileira da Fundação Biblioteca Nacional.  Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/083712/26668. Acesso em: 24 nov. 2023.

PROFESSOR Juliano Moreira [retrato]. [S.l.: s.n., 192-?]. 1 foto, gelatina, sépia, 21,7x16 cm. Fundação Biblioteca Nacional. Seção de Iconografia. Localização:  Ret.1 (1) Moreira, Juliano.
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* Christianne Theodoro de Jesus é Mestre em História, Política e Bens Culturais (CPDOC/FGV-Rio) e pesquisadora da Fundação Biblioteca Nacional. Organizadora do livro “Juliano Moreira: estudos de um pioneiro da psiquiatria no Brasil”, publicado na série Cadernos da BN em 2016.
[1] Após a Proclamação da República, a Casa de Correção da Corte passou a se chamar Complexo Penitenciário Frei Caneca. O complexo foi demolido em 2010 e em seu lugar foi construído um conjunto habitacional. Da estrutura original restou apenas o portal com a inscrição “Casa de Correção”, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).