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Literatura | Adalgisa Nery

10 mar 2022

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Poeta, prosadora e jornalista, Adalgisa Nery também teve uma forte atuação na política brasileira ao longo das décadas de 1950 e 1960.

Adalgisa Maria Feliciana Noel Cancela Ferreira (Rio de Janeiro, 1905 – 1980) era filha do advogado mato-grossense Gualter Ferreira e da portuguesa Rosa Cancela, que morreu quando sua filha tinha apenas oito anos. O segundo casamento de seu pai se tornou fonte de conflitos, e Adalgisa foi enviada ao colégio interno, de onde acabou por ser expulsa por seu temperamento contestador. Aos 16 anos casou-se com o pintor e arquiteto Ismael Nery e passou a conviver com muitos artistas, escritores e intelectuais ligados ao Modernismo em suas várias manifestações. O círculo se ampliou entre os anos de 1927 e 1929, quando o casal viveu na Europa, em contato com vanguardistas como Marc Chagall e Joan Miró.

De volta ao Brasil, Ismael Nery morreu em 1934, vítima de tuberculose. Viúva, com dois filhos, Adalgisa passou a trabalhar na Caixa Econômica Federal e, mais tarde, no Conselho do Comércio Exterior do Itamaraty. Incentivada por amigos -- em especial pelo poeta Murilo Mendes, que fora muito ligado ao casal Nery --, lançou seu primeiro livro, “Poemas”, em 1937. Seu trabalho foi saudado por Nelson Werneck Sodré como “forte, profundo e original” nos jornais da época, nos quais Adalgisa começava a colaborar tanto com poemas quanto com textos em prosa.

Leia um conto da autora, publicado na revista “Cruzeiro”, em 1941.

Em 1940 Adalgisa publicou o livro de poemas “A Mulher Ausente” e se casou em segundas núpcias com o advogado Lourival Fontes, diretor do DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda, criado por Getúlio Vargas no ano anterior. O casal viajou ao exterior em serviço diplomático, residiu por algum tempo em Nova York e depois no México. Ali, Adalgisa conheceu artistas como Frida Kahlo, que lhe dedicou uma página em seu diário, José Orozco e Diego Rivera, que a retrataram em seus quadros. Rivera também se correspondeu com a poeta, de quem se tornou grande admirador. Uma de suas cartas foi traduzida e publicada na revista “O Rio”, em 1945, e pode ser lida aqui.

Leia também uma coluna com elogios à escritora, publicada em 1951 no jornal “Última Hora”.

Em 1952, já tendo publicado outros livros de poemas e contos, além de várias colaborações em jornais e revistas – destacando-se a “Diretrizes”, dirigida por Samuel Wainer --, Adalgisa Nery retornou ao México e recebeu a Ordem da Águia Asteca, concedida pelo governo mexicano por suas conferências sobre a poeta barroca Soror Juana Inés de la Cruz. Foi a primeira mulher a receber a comenda. Em 1953 publicou outro livro e teve uma coletânea de poemas traduzida na França. Sua vida pessoal, no entanto, sofreu um revés ao se separar de Lourival Fontes; ela chegou a ser hospitalizada com depressão e a renegar sua própria obra poética.

Após um período conturbado, Adalgisa voltou ao trabalho, agora como jornalista. Em novembro de 1954 começou a publicar uma coluna sobre política e economia, intitulada “Retrato Sem Retoque”, no jornal “Última Hora”, dirigido pelo velho amigo Samuel Wainer. Em 1959 lançou o romance “A Imaginária”, obra de autoficção com um forte traço existencialista. Nela, a protagonista Berenice passa por problemas semelhantes aos enfrentados por Adalgisa na juventude, durante seu casamento com Ismael Nery e nos primeiros tempos de viuvez.

Em 1960, a escritora se tornou presidente do Movimento Nacionalista do Estado (da Guanabara), frente partidária que se posicionava contra a exploração dos recursos brasileiros por parte de nações estrangeiras e empresas multinacionais. No mesmo ano elegeu-se deputada pelo Partido Socialista Brasileiro; seria depois reeleita pelo Partido Trabalhista Brasileiro. Sua coluna, porém, foi interrompida em abril de 1964 pelo golpe militar, cuja orquestração a jornalista vinha antecipando nos últimos anos.

Leia uma coluna “Retrato Sem Retoque”, publicada em dezembro de 1960, tratando da remessa de lucros para o exterior.

Segundo a pesquisadora da UFF Isabela Campoi, o nome de Adalgisa Nery logo entrou numa lista de deputados a serem cassados, mas a escritora se dirigiu às autoridades advogando em causa própria e conseguiu preservar o mandato. Em 1966 tornou a ser eleita, dessa vez pelo MDB, mas, três anos depois, seus direitos políticos foram sumariamente cassados. Por algum tempo, ela se voltou para a escrita, publicando novos livros de contos e poemas, bem como seu segundo romance, “Neblina”. O trabalho literário, porém, não lhe garantiu os meios necessários à subsistência; Adalgisa precisou da ajuda de amigos e de seu filho mais novo, o artista plástico Emmanuel Nery, com quem viveu até se transferir, por vontade própria, para um asilo de idosos. Em 1977 sofreu um acidente vascular cerebral que a deixou com sequelas, vindo a morrer três anos depois.

Leia uma crítica de Natanael Dantas ao romance “Neblina”, publicada no Suplemento Literário de “O Estado de São Paulo” em 1972.
Sempre na vanguarda, como escritora e como personalidade política, Adalgisa Nery deixou um legado composto de crônicas combativas e textos literários marcados pela dor, pela melancolia, mas também por extrema sensibilidade.

Caricatura de Adalgisa Nery por Alvarus, na “Vamos Lêr!” – 1942.