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Literatura | Centenário da morte de João do Rio

23 jun 2021

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Há cem anos, em 23 de junho de 1921, já quase no final da noite, as redações dos jornais foram surpreendidas por uma notícia inesperada: após passar mal dentro do automóvel que o levava para casa após um dia de trabalho em A Pátria, jornal de sua propriedade, morrera o jornalista Paulo Barreto, mais conhecido como João do Rio. Apesar do adiantado da hora, logo amigos, conhecidos e companheiros de trabalho se dirigiram à redação de A Pátria, para onde seu corpo foi levado. Nos dias seguintes, o afluxo de pessoas continuou intenso, numa verdadeira romaria de jornalistas, escritores, leitores e admiradores. Seu enterro, no dia 26 de junho, reuniu uma multidão. Do centro da cidade ao cemitério em Botafogo, o cortejo funerário levou mais de 5 horas, tal a quantidade de pessoas e carros com coras de flores que lotaram as ruas no que a imprensa à época chamou de “acontecimento extraordinário, que se pode qualificar mesmo de único”. As fotos publicadas nas revistas Fon-fon, Careta e Revista da Semana permitem perceber a dimesão do evento: o Rio de Janeiro parou para homenagear e se despedir do cronista que levava no próprio nome a cidade que tanto amou e tão bem descreveu em suas reportagens e crônicas inovadoras. Seja como Joe, Claude, Godofredo de Alencar, Caran d’Ache, ou finalmente, João do Rio, o jornalista, cronista, contista e teatrólogo João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, nascido em 5 de agosto de 1881, foi o grande cronista do Rio de Janeiro da Belle Époque carioca, não apenas das elites e da modernização da cidade, mas também de todos que transitavam pelas suas ruas, os dândis, malandros, prostitutas, trabalhadores braçais.

Filho do professor Alfredo Coelho Barreto, João do Rio ingressou na carreira jornalística ainda adolescente, no jornal A Tribuna, de Alcindo Guanabara, com uma crítica da peça “Casa de Bonecas”, de Ibsen. Dias antes de completar 18 anos, publicou sua primeira coluna assinando como Claude, no jornal Cidade do Rio. Este periódico, de propriedade de José do Patrocínio, dedicava-se às discussões sobre a abolição da escravidão, dentre outros assuntos de interesse público do Brasil do século XIX. Nele, Paulo Barreto tratava de questões literárias como a importância de Dumas para a literatura, bem como discussões sobre o Realismo.

Mas foi na Gazeta de Notícias, onde escreveu de 1903 a 1915, que Paulo Barreto começou a assinar como João do Rio e se notabilizou.

Ali, ele publicou muitas das crônicas e das pioneiras reportagens jornalísticas que renovaram a imprensa brasileira do início do século XX e que seriam posteriormente publicadas em livros de sucesso, como as polêmicas reportagens reunidas em “As Religiões no Rio”, as entrevistas de “Momento Literário” e a coluna O Cinematographo. Sua obra mais conhecida, “A Alma Encantadora das Ruas”, publicado em 1908, é uma coletânea de textos da Gazeta de Notícias e da Revista Kosmos que trazem um retrato vivo da cidade e de seus moradores, como por exemplo “Mulheres detentas”, “Comedores de ópio” e “Elogio do Cordão”. As composições descritivas da vida urbana do Rio produzidas por Paulo Barreto, atualmente são consideradas as primeiras análises antropológicas e sociológicas registradas no Brasil do início do século, não só pelo seu interesse em tipos característicos das culturas urbanas cariocas, mas também por suas observações diretas sobre a vida e a linguagem por eles utilizadas. Seu texto “A Cidade no Morro de Santo Antonio – impressão nocturna”, por exemplo, publicado na Gazeta de Notícias em 1908 e, posteriormente como “Os Livres Acampamentos da Miséria” no livro Vida Vertiginosa, conta sua ida ao Morro de Santo Antônio em busca do samba e traz um dos primeiros relatos da vida em uma favela da cidade.

Eleito para a Academia Brasileira de Letras em 07 de maio de 1910, João do Rio foi o segundo ocupante da cadeira 26, na sucessão de Guimarães Passos. Recebido pelo acadêmico Coelho Neto, em 12 de agosto daquele ano, foi o primeiro membro a tomar posse vestindo o famoso fardão. Autor e tradutor de peças teatrais, foi também o primeiro presidente eleito da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, se notabilizando pela defesa dos direitos autorais.

Ao longo de sua carreira, João do Rio publicou mais de 20 livros e escreveu para diversos jornais e revistas, além de lançar publicações como a revista Atlântida e o Rio Jornal. Em 1920, fundou o jornal A Pátria, sua derradeira empreitada jornalística. Ao falecer, em 1921, já era há muito reconhecido como um renovador da imprensa brasileira, a quem deu “o que lhe faltava em absoluto – graça, ironia, leveza e observação”.

Diversas de suas obras estão disponíveis para leitura no acervo digital da Biblioteca Nacional. Explore abaixo:

A Tatuagem no Rio (manuscrito)

Música de amor (manuscrito)

O Natal dos africanos (manuscrito)

A Alma Encantadora das Ruas (livro)

Dentro da Noite (livro)

No tempo de Wenceslao (livro)

O Momento Literário (livro)

Os dias passam (livro)

Psychologia urbana (livro)

Theatro Municipal do Rio de Janeiro (livro)

Tradução da obra "Salomé", de Oscar Wilde


Revista da Semana, nº 27, 02 de julho de 1921