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Literatura | Manuel Bandeira, Habitante de Pasárgada

09 ago 2021

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“A história de minha adolescência é a história de minha doença”. Assim Manuel Bandeira (Recife, 1886 – Rio de Janeiro, 1968) inicia o relato acerca da tuberculose que o acometeu aos 18 anos, quando fazia o curso de engenheiro-arquiteto na Escola Politécnica de São Paulo. Na mesma crônica, intitulada “Minha Adolescência”, diria que seu primeiro livro de poemas foi antes “um testamento” que a tentativa de iniciar uma carreira literária – a qual, contudo, floresceu e se estendeu ao longo de décadas.

A doença levou Manuel Bandeira a se internar em várias estações de cura, em Minas Gerais, na serra fluminense e por fim na Suíça, onde ficou entre 1913 e 1914. Ao regressar ao Brasil, começou a escrever em periódicos, e em 1917 publicou o primeiro livro de poemas, “A Cinza das Horas”. Em 1919 viria “Carnaval”, com versos mais soltos e temas ligados ao erotismo e ao espírito báquico, libertino, da celebração. Ainda assim, os poemas guardavam um pouco da melancolia do primeiro livro – poemas escritos mais com o espírito de Pierrot do que com o de Arlequim.

Leia o “Poema de uma “Quarta-Feira de Cinzas”, publicado na revista “Careta” em 1921 (Hemeroteca Digital)

Em “Carnaval”, em meio a poemas que, mais tarde, ele próprio chamaria de “pastiches parnasianos”, encontrava-se “Os Sapos”, justamente uma sátira ao Parnasianismo. O poema se tornou uma espécie de ícone modernista e foi lido por Ronald de Carvalho durante a Semana de Arte Moderna, em fevereiro de 1922. Manuel Bandeira não compareceu ao evento, mas tomou parte no movimento e colaborou com a famosa revista literária “Klaxon”, além de outras como “Terra Roxa” e “Revista de Antropofagia”. Aclamado como poeta modernista, escreveu, porém, em vários estilos; alguns de seus poemas ecoam o Parnasianismo e o Simbolismo, outros experimentam formas medievais, como trovas e rimancetes.

Segundo Juliana Fabrícia da Silveira, da UNESP, Mário de Andrade fez críticas ao “lusitanismo” encontrado em alguns poemas de “A Cinza das Horas”. Bandeira retrucou ser essa a sua linguagem: não uma tentativa de emular a poesia medieval, mas uma incorporação estética de elementos dos cancioneiros medievais portugueses que lera em seus anos de formação. Seja como for, sua obra era ímpar – o que mereceu um elogio de Sérgio Buarque de Holanda, publicado na revista Fon-Fon em 18 de fevereiro de 1922, quando se encerrava a Semana de Arte Moderna (Hemeroteca Digital).

Além dos poemas pelos quais se tornou mais conhecido, e que continuaria a publicar em livros como “Libertinagem” (1930, que contém o famoso poema “Vou-me Embora pra Pasárgada”) e ”Estrela da Manhã” (1936), Manuel Bandeira escreveu crônicas, textos de apreciação sobre Música, Arte e Literatura e obras teóricas, bem como o conhecido “Guia de Ouro Preto” (1938), um passeio poético pelos monumentos e pela história da cidade colonial. Ao longo de décadas, colaborou com os jornais “A Noite”, “Diário Nacional”, “A Província”, de Recife, entre outros. Também organizou e traduziu livros.

Veja uma colaboração do escritor numa coluna da revista “Para Todos”, de 1927, em que discorre sobre os músicos J. Octaviano e Ricardo de Aragão (Hemeroteca Digital)

Em 1938, Manuel Bandeira foi nomeado professor de Literatura Universal no Colégio Pedro II, do qual era ex-aluno. Mais tarde, passou a lecionar Literaturas Hispano-Americanas na Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, cargo no qual se aposentou em 1956. Em 1940 tornou-se membro da Academia Brasileira de Letras. Publicou várias antologias de seus poemas e crônicas e participou de obras em conjunto com outros escritores.

Leia uma reportagem que celebra os sessenta anos de Bandeira e traz alguns de seus poemas, publicada no suplemento “Letras e Artes” do jornal “A Manhã”, em 1946 (Hemeroteca Digital)

Em 1954, Manuel Bandeira publicou o livro de memórias “Itinerário de Pasárgada”, no qual não apenas contou sobre momentos marcantes de sua vida, mas também expôs seu processo de criação, seu conhecimento sobre poesia e a construção de um imaginário (cujo nome leva o de uma cidade fundada na Pérsia pelo imperador Ciro) que acabou por ser uma alternativa à vida que a doença o impediu de levar. A partir do ano seguinte, começou a escrever crônicas para o “Jornal do Brasil”, e, entre 1961 e 1964, colaborou com a Rádio Roquette Pinto e com o programa “Quadrante”, da Rádio Ministério da Educação.

Em 1966, os livros de poemas que lançara até então foram reunidos num só, “Estrela da Vida Inteira”, cuja publicação fez parte das comemorações pelos 80 anos do poeta. Nesse mesmo ano, Manuel Bandeira escreveu mais uma de suas várias cartas endereçadas a Ana Sales Brandão, a “Donana”, que conhecera em 1905 numa viagem a Minas e com quem se correspondeu durante décadas. É o testemunho de uma longa amizade, na qual o escritor fala de coisas corriqueiras, quaixa-se da saúde e deseja um feliz ano novo.

Leia a carta de Bandeira a Donana, publicada em dezembro de 1966 (Divisão de Manuscritos)

Manuel Bandeira faleceu de uma hemorragia gástrica aos 82 anos. Para seus leitores, deixou um inestimável legado em que o lirismo, a rebeldia e a nostalgia se fundem para criar versos inesquecíveis.


Manuel Bandeira em 1966 (Revista Poesia Sempre, 2004)