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Literatura | Marques Rebelo e a “essência” do carioca

25 ago 2020

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e marcado com as tags Carioca, Carnaval, Literatura, Marques Rebelo, Rio de Janeiro

Marques Rebelo (cujo verdadeiro nome é Eddy Dias da Cruz) nasceu no Rio de Janeiro, no ultra carioca bairro de Vila Isabel, em 1907. Literariamente falando, nosso ficcionista descende em linha reta de três grandes vultos das nossas letras: Manuel Antônio de Almeida, Machado de Assis e Lima Barreto. Principalmente do primeiro.

Por afinidade de espírito, consagrou uma obra de verdadeira devoção a Manuel Antônio de Almeida, autor do romance da cidade no tempo do rei: “Memórias de um Sargento de Milícias”.
Como contista, romancista ou escritor teatral, é sempre o cronista da sua cidade. Soube, como nenhum outro, ver, sentir e fixar os aspectos mais simples do cotidiano e, por isso mesmo, mais humanos da vida do Rio de Janeiro ou dos seus arrabaldes. A alma carioca sempre prevaleceu na sua sensibilidade, dando-lhe o gosto da terra e da gente, no contorno inconfundível de suas paisagens e na pura alegria de seus folguedos.

Rebelo estreou em plena maré dos romancistas de 30, com matizes regionais e interioranos, situando a ação de suas histórias em plena “Metrópolis” (ainda bem provinciana, é verdade) que era a sua cidade natal. Mostrou-se profundamente vinculado à paisagem moral da cidade, e especialmente do Rio de classe média da Zona Norte, universo temático que continuou explorando em seus contos e romances escritos nos decênios de 1930 e 1940. Desde o seu livro de estreia, em 1935, procurou se identificar com o verdadeiro espírito das camadas populares, colocando em cena no romance "Marafa", alguns tipos cariocas que o situam na linha dos mais fiéis fixadores da vida da baixa classe média e dos subempregados do Rio de Janeiro.

Poucos escritores brasileiros marcaram e traduziram tão bem quanto ele a alma carioca, o sopro popular. Soube fixar o Rio de grupos a prosear em torno de um copo de café com pão e manteiga; o Rio dos amantes de serestas à janela das casas; o Rio do Carnaval na Avenida Central; o Rio da era do rádio; onde o progresso parecia lento, mas os prédios já começavam a substituir os pomares e quintais de densas mangueiras e abacateiros.

É delicioso acompanhá-lo devassando a vida íntima do carioca, espiando pelos quintais, para dessas observações extrair retratos fiéis da classe média da antiga capital federal, com seus jogos de azar, seus clubes carnavalescos de subúrbio, seus namoros de portão. O historiador ou sociólogo do tempo dessas histórias encontrará em suas obras um precioso material para revivê-lo. A descrição em Marques Rebelo é sempre resumida, clara, direta. Consegue, inclusive, com economia de vocabulário e espírito de síntese, configurar-nos nitidamente uma época (também documentando-a).

O cronista do Rio estava sempre atento não só àquilo que os seus olhos viam, mas sobretudo àquilo que o seu espírito sentia e apreendia. Em 1973, notou que o carioca já não era mais um gozador total: http://memoria.bn.br/docreader/004120/132466. Havia um decréscimo dessa gratuidade de fazer graça: http://memoria.bn.br/docreader/004120/132468. Apesar disso, o “espírito brincalhão do carioca" mantinha-se vivo. Uma das causas desse espírito de gozação "está no fato de a cidade ter sido sede do Império, sede da República". Criou-se, segundo Rebelo, "uma disponibilidade para que todos os elementos mais valiosos dos estados convergissem para cá. [...] O espírito do carioca os deixava à vontade": http://memoria.bn.br/docreader/004120/132471. Ele via o Rio como uma Esfinge amorosa, que não come o viajante.

É possível encontrar em suas obras — um “quid” especial que é a essência do carioca, cuja casa está em toda a parte, sobretudo na rua. E para o carioca, a rua é a praia, o estádio, a condução, o carnaval, o sol e a vida. O Maracanã é um ponto de encontro obrigatório onde ele exerce algumas de suas atividades preferidas: torce pelo seu clube, vaia, goza o adversário e xinga o juiz. Por isso, Rebelo escreveu que "o carioca está sempre pronto para se divertir, e o Rio, em verdade, não é mais que um imenso parque de diversões". Mas acrescentava, "que o carioca se diverte mesmo é com as coisas sérias." Sua alma esconde um senso de humor que não se detém nem mesmo diante das coisas mais graves.

Explore os documentos:

O Marques Rebelo que poucos conhecem:

http://memoria.bn.br/DocReader/004120/135942

http://memoria.bn.br/DocReader/004120/135943

Diálogo com Marques Rebelo

http://memoria.bn.br/DocReader/004120/90521

http://memoria.bn.br/DocReader/004120/90522

http://memoria.bn.br/DocReader/004120/90524