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Literatura | O Cosmopolita Raul Bopp

10 fev 2022

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Embora menos conhecido pelo grande público do que contemporâneos como Mário de Andrade e Oswald de Andrade, o poeta e diplomata Raul Bopp foi um dos nomes mais significativos do Modernismo brasileiro.

Descendente de alemães, Bopp (Vila Pinhal, atual Itaara, RS, 1898 – Rio de Janeiro, 1984) passou seus primeiros anos em Tupanciretã, cidade do interior gaúcho, onde seu pai trabalhava no ramo dos couros e selas. Inquieto, aos 16 anos empreendeu uma longa viagem a cavalo, que o levou à Argentina e ao Paraguai. De volta a Tupanciretã, fundou os semanários “Mignon” e “O Lutador”, onde publicou seus primeiros escritos. Em 1918 ingressou no curso de Direito, que, iniciado em Porto Alegre, foi sucessivamente transferido para as faculdades de Recife, Belém e Rio de Janeiro. Ao longo das muitas viagens, o jovem conheceu a Amazônia e se aprofundou no estudo da região e de sua cultura, o que, algum tempo mais tarde, seria decisivo em seu trabalho literário.

Em 1922, Bopp participou da Semana de Arte Moderna em São Paulo, vindo a integrar os movimentos Pau-Brasil e Antropofágico ao lado de Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade.

Segundo o crítico e professor da USP Augusto Massi, o protagonismo de Raul Bopp no movimento modernista pode ser compreendido ao analisar sua atuação à frente da “Revista de Antropofagia”, periódico publicado nos anos de 1928 e 1929 que teve duas fases distintas (chamadas pelos editores de “dentições”). Na primeira, a revista assumiu o tom de irreverência peculiar a essa corrente do Modernismo; na segunda, defendeu seu ideário de forma mais consistente, frequentemente criticando outros escritores. Raul Bopp foi seu diretor nas duas “dentições”: na primeira, compartilhou o cargo com António de Alcântara Machado, e na segunda se revezou na direção com Jaime Adour da Câmara.

Veja todos os números da “Revista de Antropofagia” em edição fac-símile (1976).

Ao longo da década de 1920, Raul Bopp publicou poemas em vários periódicos, entre eles “Para Todos”, “O Malho”, “Arlequim” e “Diário de Notícias”. Em 1931 surgiu seu primeiro livro, tido como uma das obras mais importantes do Modernismo: o poema narrativo “Cobra Norato”, baseado nos mitos amazônicos. Segundo Carlos Drummond de Andrade, trata-se do “mais brasileiro de todos os poemas brasileiros escritos em qualquer tempo”. Seis anos depois, o livro ganhou uma edição especial, com apenas 150 exemplares e ilustrada com oito xilogravuras de Oswaldo Goeldi.

Leia o que escreveu Jorge Amado sobre Raul Bopp e “Cobra Norato” no jornal “Boletim de Ariel”, 1932.

Veja uma ilustração de Oswaldo Goeldi para a edição especial do livro (Divisão de Iconografia)

Em 1932, Raul Bopp lançou “Urucungo”, com poemas que incorporavam elementos da cultura africana e evidenciavam sua participação na formação do Brasil. Com essa obra, segundo Augusto Massi, equiparou-se a Pablo Neruda e outros grandes nomes da poesia latino-americana, por ir “além da brasilidade, demonstrar uma profunda compreensão da realidade do Brasil e das Américas e se mostrar cosmopolita”. De fato não apenas as ideias, mas o próprio escritor, que segundo seus contemporâneos “vivia de malas prontas”, se aventurou bem além do Brasil: em 1929 empreendeu uma viagem de cargueiro por vários países do Oriente, e em 1932 ingressou no serviço diplomático, no qual permaneceria até 1973. Começou no posto de auxiliar de consulado em Kobe, no Japão, e mais tarde exerceria cargos na Suíça, na Espanha, nos Estados Unidos, na Áustria, na Guatemala e no Peru. Em 1944, durante a estadia em Los Angeles, casou-se com a mexicana Guadalupe Lucía Puig, com quem teria dois filhos.

Leia uma carta de Raul Bopp a Artur Ramos, enviada de Zurique, na qual comenta seus trabalhos e anexa alguns poemas. O original integra o Arquivo Artur Ramos no acervo da Divisão de Manuscritos (1946)

Além de “Cobra Norato” e “Urucungo”, Raul Bopp publicou outros livros de poemas e vários de não-ficção. Entre eles, obras sobre o Modernismo, sobre Economia e sobre a vida diplomática, tais como o livro de memórias “Bopp Passado a Limpo por Ele Mesmo”, de 1972. Nele relata como, durante sua estadia no Japão, enviou ao Brasil as primeiras sementes de soja, por sua vez remetidas a ele da Manchúria pela escritora Patrícia Galvão (mais conhecida como Pagu), que visitava a China como jornalista.

Em 1978, os 80 anos de Bopp foram celebrados com a publicação da antologia “Mironga e outros poemas”, que incluía alguns trabalhos inéditos. No ano seguinte, o grupo Giramundo de Teatro de Bonecos, de Belo Horizonte, viajou pelo Brasil com uma montagem de “Cobra Norato”, e no início da década de 1980 a bailarina Lia Robato dirigiu o roteiro de balé, também baseado no poema, que Raul Bopp havia incluído em seu livro “Movimentos Modernistas no Brasil”, de 1966. O poeta faleceu em 1984, após haver recebido do governo do Rio Grande do Sul a medalha João Simões Lopes Neto, por sua contribuição aos campos da arte e da cultura no país.

Raul Bopp por Olney Krüse no Suplemento Literário de “O Estado de São Paulo”, 1970.