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Literatura | O Metropolitano Marcos Rey

14 dez 2021

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Escritor, jornalista, redator, roteirista de rádio e TV, Marcos Rey foi um autor produtivo e versátil, cujas obras para adultos e jovens são quase sempre ambientadas na cidade de São Paulo.

Marcos Rey era o pseudônimo de Edmundo Donato (São Paulo, 1925 – 1999), filho de um gráfico e encadernador que trabalhava na editora de Monteiro Lobato. Quando criança foi um ávido leitor das obras de Lobato, de escritores de aventura como Jack London, Emílio Salgari e Mark Twain e, ainda, de histórias em quadrinhos.

Pré-adolescente, Edmundo contraiu hanseníase, doença que carregava um grande estigma. Isso o levou a ocultar o fato ao longo de toda a vida, embora, ao chegar à idade adulta, já estivesse curado. Também o impediu de prosseguir seus estudos formais além dos primeiros anos. Em vez disso, dedicou-se à Literatura, na qual fez sua estreia em 1942, com o conto “Ninguém Entende Wiu-Li”. Já assinado com o pseudônimo Marcos Rey e ilustrado por Belmonte, o texto foi publicado na “Folha da Manhã” por intermédio do irmão mais velho de Edmundo, Mário Donato, jornalista que também se tornaria escritor e autor de sucessos como “Presença de Anita”.

Em 1945, após alguns anos numa instituição para pacientes de hanseníase – que, naquela época, deviam ser obrigatoriamente separados da família e internados –, Marcos Rey se mudou para o Rio de Janeiro. Ali passou cerca de um ano, vivendo numa pensão do bairro da Lapa e traduzindo livros infantis. Regressou a São Paulo e, em 1949, tornou-se redator da Rádio Excelsior. Em 1953 publicou seu primeiro livro, “Um Gato no Triângulo”, e passou a trabalhar na Rádio Nacional. Em 1958, em parceria com o irmão Mário, fundou a Editora Mauá; o empreendimento não deu certo, mas na mesma época Marcos Rey conheceu Palma Bevilacqua, com quem ficaria casado por quase quatro décadas.

O primeiro sucesso do escritor foi “Café na Cama”, publicado em 1960. O livro acompanha a trajetória de três mulheres paulistas, de diferentes origens, em busca de ascensão social. Nesse e em outros romances, dentre os quais se destacam “Memórias de um Gigolô” (1968) e o romance policial picaresco “Malditos Paulistas” (1980), São Paulo e seus habitantes são retratados de forma ao mesmo tempo crítica, realista e bem-humorada, com linguagem ágil, diálogos naturais e um dinamismo que lembra o dos roteiros de cinema. Vários dos livros de Marcos Rey foram, aliás, levados às telas do cinema ou da TV, alguns adaptados pelo próprio autor ou com sua colaboração. Ao mesmo tempo, ele escrevia roteiros para filmes e séries as mais diversas, desde “O Sítio do Pica-Pau Amarelo” e a novela “A Moreninha” (ambas na década de 1970) até pornochanchadas produzidas na chamada Boca do Lixo, polo cinematográfico paulistano que foi muito ativo entre a década de 1960 e o início dos anos 1980. Também escreveu livros de contos e peças teatrais.

Leia o conto “O Homem que Salvou Van Gogh do Suicídio”, publicado no Suplemento Literário de “O Estado de São Paulo” em 1982. Em 1986, o conto foi adaptado para a série “Tele Tema”, da Rede Globo.

Em 1981, Marcos Rey publicou “O Mistério do Cinco Estrelas”, seu primeiro livro juvenil, protagonizado pelo trio de adolescentes ítalo-paulistanos Leo, Gino e Ângela. Integrante da Coleção Vaga-Lume, da Editora Ática, a obra fez um enorme sucesso e abriu caminho para três continuações: “O Rapto do Garoto de Ouro”, de 1982, “Um Cadáver Ouve Rádio”, de 1983 e, após várias outras publicações, “Um Rosto no Computador”, de 1994. Ao todo, Marcos Rey escreveu 21 livros para a Coleção Vaga-Lume, com os quais marcou várias gerações de leitores brasileiros.

Leia uma entrevista do autor ao Suplemento Literário de “O Estado de São Paulo”, 1983.

Leia o anúncio de publicação de “Um Cadáver Ouve Rádio” no “Correio Braziliense”, 1983.

Em 1986, Marcos Rey foi eleito para a Academia Paulista de Letras. Em 1992 passou a escrever crônicas para a Revista Veja, colaboração que se estendeu até 1999, ano de sua morte. Nesse meio-tempo, ainda escreveu outros romances e livros de contos e conquistou dois importantes prêmios: o Jabuti, em 1994, e, no ano seguinte, o Troféu Juca Pato. Faleceu de complicações decorrentes de uma cirurgia, e foi então que sua esposa, atendendo ao que ficara combinado entre eles, trouxe a público a história da doença que o acometera na juventude.

Leia uma crítica sobre o romance “A Sensação de Setembro”, de 1989, publicada no ano seguinte no “Jornal do Brasil”.

Ao discorrer sobre seu próprio trabalho, Marcos Rey se dizia influenciado por autores como Machado de Assis e Anatole France, que lhe transmitiram a veia crítica e o gosto pela sátira. Dizia também que os melhores livros, que dão mais prazer aos leitores de todas as idades, são aqueles em que encontramos ação e aventura. Por fim, declarava-se um dos poucos autores brasileiros, de fato, metropolitanos: um daqueles que se identificam, para o bem ou para o mal, com a alma de uma cidade, e cujas obras levam o leitor a uma profunda imersão em sua história e em seus costumes.


Jornal do Brasil, 1981.