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Literatura | Oscar Wilde e A Balada do Enforcado

30 nov 2020

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Enquanto, na França, Honoré de Balzac empreendia sua odisseia literária, escrevendo os quase 100 trabalhos que compõem “A Comédia Humana”, na Inglaterra subia ao trono a rainha Vitória. Seu longo reinado (1838 a 1901) foi marcado pela expansão política no exterior e pela modernização industrial, bem como por uma moral rígida, de traços puritanos, que se espelharia na arte e na literatura produzidas na época.

Grandes nomes da literatura inglesa floresceram durante o período vitoriano, tais como o popularíssimo Charles Dickens, as três irmãs Brontë, os poetas Browning e Tennyson e a fundadora da moderna ficção científica, Mary Shelley. E, ainda, um dos mais controversos: o escritor, poeta e dramaturgo Oscar Wilde.

Wilde nasceu a 16 de outubro de 1854 em Dublin, quando a atual República da Irlanda ainda pertencia ao Reino Unido – um súdito, portanto, da rainha Vitória. Seu pai era um médico eminente, bem como especialista em cultura céltica e irlandesa; sua mãe, aficionada pela Itália, participava de movimentos pela independência da Irlanda. O ambiente doméstico era permeado por apaixonadas discussões sobre política, arte e cultura, o que viria a se refletir em algumas das obras de Oscar. Segundo dos três filhos do casal Wilde, ele demonstrou bem cedo sua inclinação para a literatura, destacando-se como estudioso de línguas clássicas no Trinity College de Dublin e conquistando uma bolsa na Universidade de Oxford. Ali iniciou sua carreira literária, com o poema “Ravenna”.

Ao deixar a faculdade, Wilde empreendeu viagens nas quais divulgou o movimento que ajudara a fundar, denominado “esteticismo”: o culto àquilo que é belo como contraponto à sordidez do mundo e da sociedade. Sua obra, como um todo, se divide entre esse estilo e o “decadentismo”, que a estudiosa Fulvia Moretto define como “uma estética inicialmente francesa, formada a partir da negação do positivismo, das exigências políticas e sociais, criando um sentimento de nostalgia”.

Em 1884, Wilde se casou com Constance Lloyd, com quem teve dois filhos. Para sustentar a família, trabalhou como editor e crítico literário e teatral no periódico “Woman´s World” ao mesmo tempo que continuava a escrever, firmando-se cada vez mais no meio literário. Em 1888 publicou “O Príncipe Feliz e Outras Histórias”, e logo depois viriam seus trabalhos mais conhecidos. Seu único romance, “O Retrato de Dorian Gray”, inserido na estética decadentista, saiu numa primeira versão em 1890; “O Crime de Lord Arthur Savile” e “A Casa das Romãs” no ano seguinte e, em 1892, “O Leque de Lady Windermere”.

Segundo seu biógrafo, Daniel Salvatore Schiffer, foi por essa época que Wilde iniciou a derrocada financeira e moral (de acordo com a rígida moral vigente no período vitoriano) que principiou pela acusação de erotismo excessivo em sua peça teatral “Salomé” e desembocou na condenação por “atos imorais cometidos com vários rapazes”, instigada principalmente pelo marquês de Queensberry, pai de Alfred Douglas, com quem de fato Wilde mantinha um relacionamento amoroso. Isso valeu ao escritor a pena de dois anos com trabalhos forçados, que cumpriu entre 1895 e 1897, passando por várias prisões até chegar à de Reading. Lá escreveu “De Profundis”, obra em forma epistolar com tons ensaísticos, e o longo poema “A Balada do Cárcere de Reading”, inspirado no caso do Cavaleiro da Guarda Real Charles Thomas Woolridge, enforcado por ter matado a esposa adúltera.

Ao sair da prisão, com a saúde e as finanças abaladas e tendo renunciado à guarda dos filhos, Oscar Wilde adotou o nome Sebastian Melmoth e se mudou para Paris. Lá viveu modestamente, por três anos, até morrer de meningite a 30 de novembro de 1900. Sua reputação começou a ser lentamente reconstruída, graças, principalmente, aos esforços do melhor amigo, Robert Ross; no entanto, a exemplo do que aconteceu com “De Profundis”, publicado com cortes por Ross em 1905, boa parte da obra de Wilde foi censurada e expurgada, inclusive nas publicações em outros idiomas.

Em artigo sobre as traduções de Wilde no Brasil, Marcos Hidemi Lima e Mirian Ruffini, da UTFPR, afirmam que só no final do século XX e início do XXI as obras receberam o crédito devido, saindo em traduções não resumidas ou reescritas. Algumas foram feitas por João do Rio, também autor de livros de inspiração decadentista, que traduziu “Salomé”, “Intenções”, O Retrato de Dorian Gray” e “O Leque de Lady Windermere”. A obra completa só apareceria no Brasil em 1961, pela Nova Aguilar, com organização de um “xará” do irlandês, o tradutor Oscar Mendes.

A primeira obra de Oscar Wilde traduzida para o português do Brasil foi “A Balada do Cárcere de Reading” (no original, “The Ballad of Reading Gaol”), aqui publicada com o título “A Balada do Enforcado”. Seu tradutor, Elísio de Carvalho (1880 -1925), foi escritor, filósofo e poeta, dirigiu vários periódicos e participou da Semana de Arte Moderna. Ao traduzir Wilde, baseou-se no original e numa tradução francesa, em prosa, de Henry Davray, e foi franco ao explicar que escreveu “com a maior liberdade permitida”. Segundo ele, se traduzisse as palavras de Wilde ao pé da letra, os leitores não compreenderiam muitos termos referentes ao sistema penitenciário e aos próprios costumes ingleses.

Veja a obra publicada em 1899, pertencente ao acervo de Obras Raras:

Vinte anos depois, uma versão reformulada dessa tradução foi publicada pela “Revista Nacional”. No prefácio, Celso Vieira explica que se trata de trabalho mais fiel ao original, “menos eloquente”, que reaviva a admiração de Elísio de Carvalho por Oscar Wilde. O livro é valorizado pelas ilustrações de um jovem artista cujo trabalho “precoce”, segundo Vieira, capta algo “da ousadia, do requinte e da imaginativa de Aubrey Beardsley”, influenciador da Art Nouveau.

Descubra quem é o ilustrador, que se tornaria um dos maiores nomes das artes plásticas no Brasil, e veja a edição de 1919 – que, entretanto, se encontra incompleta, e cuja digitalização foi acompanhada pela da obra de 1899 a fim de que os leitores pudessem ter acesso à totalidade do texto, ainda que em duas versões.