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Literatura | Rubem Braga, o Sabiá da Crônica

17 jun 2021

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Em sua origem, a palavra “crônica” tem relação com o vocábulo grego “khrónos”, ou seja, “tempo”. No latim, “chronica” era o registro, em ordem cronológica, de fatos que marcavam um período e/ou contavam a história de um rei ou dinastia, de uma cidade, até de uma expedição, como as viagens dos descobrimentos marítimos. O gênero, entretanto, foi sofrendo transformações desde o seu aparecimento na Idade Média, e aos poucos adquiriu uma conotação mais ampla, passando a significar não apenas uma compilação de fatos ou um relato histórico mas também um texto, geralmente curto, voltado para temas da atualidade e a vida cotidiana.

Do século XIX em diante, as crônicas estiveram associadas à imprensa periódica. Joana Leopoldina Oliveira, da UFRN, conta que no início eram chamadas de “folhetins”, mas, com o tempo, esse termo passou a ser reservado às obras literárias, em especial os romances publicados ao longo de várias edições do jornal ou revista. “Crônica” passou a ser o termo que abrange os outros textos, cujos temas podem ser os mais variados (esporte, política, literatura, vida cotidiana) e que pode incluir tanto crônicas jornalísticas e informativas quanto narrativas, críticas, poéticas, humorísticas, entre outras. Não raro, o tom e a linguagem utilizados tornam difícil diferenciar a crônica de outros gêneros, principalmente o conto.

Muitos autores famosos por seus romances e poemas também escreveram crônicas. Entre os brasileiros contam-se Machado de Assis, Clarice Lispector, Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade. Já pelo trabalho como cronista, nosso escritor mais conhecido é Rubem Braga (1913 – 1990). Sua primeira crônica saiu no “Cruzeiro do Sul”, periódico de sua cidade natal, Cachoeiro de Itapemirim (ES), em 1929, e a última foi publicada juntamente com seu necrológio n´ “O Estado de São Paulo”, configurando mais de sessenta anos de intensa produção.

As crônicas de Rubem Braga são consideradas uma ode à simplicidade, porém sua vida foi movimentada. Formado em Direito, não chegou a exercer a profissão; trabalhando como jornalista, sofreu perseguições por parte do governo e chegou a ser preso quando cobria a Revolução Constitucionalista em São Paulo (1932). Em Recife, dirigiu a página de crônicas policiais no “Diário de Pernambuco”, onde fundou um jornal. Transferiu-se depois para São Paulo, onde foi um dos fundadores da revista “Problemas”.

Leia uma carta de Rubem Braga a Artur Ramos (a ser recebida na Editora José Olympio) em que pede colaboração para sua revista, preferencialmente sobre temas ligados a estudos africanos (Divisão de Manuscritos)

Em 1936, Rubem Braga lançou seu primeiro livro de crônicas, intitulado “O Conde e o Passarinho”. Nas décadas seguintes, surgiriam várias outras antologias contendo seus trabalhos, inicialmente publicados em jornais e revistas. Dentre os títulos mais famosos estão “A Cidade e a Roça”, de 1957, e “Ai de Ti, Copacabana”, de 1960. Ao mesmo tempo, ele continuava a atuar como jornalista correspondente para vários jornais. Em 1944, o “Diário Carioca”, onde assinava a coluna “Ordem do Dia”, o enviou à Europa, onde cobriu a campanha da Força Expedicionária Brasileira durante a Segunda Guerra Mundial. Essa experiência rendeu um livro de crônicas, “Com a FEB na Itália”, publicado em 1945.

Veja a notícia sobre a escolha de Rubem Braga como correspondente do jornal e a primeira crônica escrita nessa função, no campo de treinamento, em Gericinó - RJ (Hemeroteca Digital)

Já em tempos de paz, Rubem Braga foi correspondente de um jornal em Paris e ocupou postos diplomáticos em Santiago, no Chile, e Rabat, em Marrocos. Também adaptou e traduziu alguns livros, entre os quais “Terra dos Homens”, de Antoine de Saint-Éxupery, e continuou atuando no ramo editorial. Juntamente com Fernando Sabino, foi o fundador da Editora Sabiá, que publicou poesia e ficção contemporâneas entre 1966 e 1972. A escrita, porém, seguiu sendo sua mais constante ocupação. Suas crônicas mais conhecidas são aquelas que tratam do cotidiano, que abordava com sensibilidade e, muitas vezes, um pouco de humor agridoce. Com certa frequência se referia a passarinhos, de que era apreciador; coincidência ou não (provavelmente não), o escritor Sérgio Porto o apelidou de “Sabiá da Crônica”.

Leia uma crônica literária de Braga no periódico “Leitura”, 1957 (Hemeroteca Digital)

Rubem Braga tinha seus textos muito utilizados por professores em sala de aula, mas os livros não eram um grande sucesso de vendas. Um artigo da revista virtual “Rubem”, dedicada à crônica (e cujo título homenageia o escritor), conta que foi a partir dessa constatação que Jiro Takahashi, então editor da Ática, incentivado pelo escritor Affonso Romano de Sant´Anna, decidiu criar uma coleção de livros de crônicas, cujos primeiros volumes traziam textos de Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Carlos Drummond de Andrade. Foi a conhecida “Para Gostar de Ler”, cuja primeira edição, de 1977, teve nada menos que 100.000 exemplares. Em seus 47 números, muitos dos quais tiveram reimpressões e reedições, a coleção viria a publicar outros cronistas, contistas e poetas, convertendo-se em absoluto sucesso e incorporando-se à bagagem cultural (e afetiva) de gerações de leitores brasileiros.

Fragmento de crônica publicada no periódico “Leitura” (1957)