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Livros de Aventura | Aventuras do Barão de Munchhausen

25 set 2022

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“As Aventuras do Barão de Munchhausen” se compõe de relatos fantasiosos, ou pelo menos exageradamente heroicos, que jamais poderiam ter acontecido no mundo real. Seu protagonista, no entanto, existiu e foi o primeiro a divulgar as histórias que lhe garantiriam a fama de “maior mentiroso do mundo”.

Karl Friedrich Hieronymus von Münchhausen (Bodenwerder, atual Alemanha, 1720 – 1797) era descendente da aristocracia rural da Baixa Saxônia. Como parte da tradição, serviu à alta nobreza como pajem, e aos 18 anos acompanhou seu patrono, o Duque Anton Ulrich von Braunschweig- Wolfenbüttel, na guerra contra o Império Otomano. Nos anos seguintes foi nomeado alferes e depois tenente, mas, a partir de 1741, sua carreira militar ficou estacionada por quase uma década devido a reviravoltas no governo. Durante esse período, casou-se com Jacobine von Dunten – um casamento duradouro, que não resultaria em descendência – e descobriu sua vocação de contador de histórias. Em 1750 foi promovido a capitão da cavalaria e, alguns anos depois, retirou-se para sua propriedade, onde costumava entreter amigos e hóspedes com o relato de suas aventuras.

Entre os ouvintes estava o bibliotecário e cientista Rudolf Erich Raspe (1736 – 1794), natural de Hanover, que com frequência se via envolvido em problemas financeiros. Buscando uma fonte de renda, escreveu livros sobre os mais diversos assuntos, entre eles uma compilação de histórias que atribuiu ao Barão de Munchhausen. Algumas (ou pelo menos sua versão realista) foram de fato contadas por ele, enquanto outras foram acrescentadas por Raspe. Publicada em Londres sob o título “Baron Munchausen’s Narrative of his Marvellous Travels and Campaigns in Russia” (A Narrativa do Barão de Munchausen de suas Maravilhosas Viagens e Campanhas na Rússia), a obra narra em primeira pessoa episódios incríveis como uma viagem à Lua e um voo pelos céus montado numa bala de canhão.

Embora não tenha sido o primeiro a documentar as aventuras do Barão – pois algumas de suas histórias sobre caçadas tinham aparecido numa revista de Berlim --, o livro, publicado anonimamente em 1785, se tornou o núcleo inicial de uma obra que se expandiu a cada nova edição, com acréscimos inspirados por organizadores e tradutores. Suas fontes iam desde o filósofo grego Luciano de Samósata até expedições à África no final do século XVIII, passando por clássicos como “Gulliver” e “Robinson Crusoé”. Uma edição muito famosa foi a tradução para o alemão de Gottfried August Bürger, que saiu em 1786 – apenas um ano após o livro de Raspe. Bürger incluiu várias histórias por sua conta e fez tanto sucesso que, por muito tempo, a autoria da obra original lhe foi atribuída. Foi contra ele que o Barão de Munchhausen da vida real moveu, em vão, um processo por ter-lhe atribuído histórias obviamente mentirosas, expondo-o assim ao ridículo. O mal-entendido só foi desfeito em 1824 pelo biógrafo de Gottfried Bürger, e nesse meio-tempo o livro continuava a ser traduzido e reeditado. Muitos ilustradores colaboraram nessas publicações, com destaque para Gustave Doré, que realizou vários desenhos para uma edição de 1862.

No Brasil, a primeira edição do livro data de 1891. Trata-se de uma tradução de Carlos Jansen, professor no Colégio Pedro II, de uma adaptação feita pelo alemão Franz Hoffmann para o público mais novo. Publicado pela Editora Laemmert numa coleção que incluía adaptações de clássicos como “Dom Quixote” e “As 1001 Noites”, o livro recebeu o título de “Aventuras Pasmosas do Celeberrimo Barão de Munchhausen”, sendo o “Pasmosas” substituído por “Maravilhosas” em edições posteriores.

Veja um anúncio de publicação de uma reedição do livro no “Almanack Laemmert”, 1905.

A obra também foi publicada em capítulos no “Jornal do Brasil”, a partir de 1908.

Em 1924, a Companhia Graphico-Editora Monteiro Lobato publicou “As Aventuras do Barão de Münchhausen”, cuja autoria atribuiu a G. A Bürger. O tradutor (e adaptador) foi o próprio Lobato, com base em tradução prévia, já que -- segundo Lucila Zorzato, da Universidade Estadual Paulista -- a correspondência do escritor atesta que ele não dominava o idioma alemão. Mais tarde, o Barão de Munchhausen viria a ser um dos visitantes ilustres do Sítio do Picapau Amarelo, enquanto uma segunda edição de suas aventuras saía pela Cia. Editora Nacional, na Coleção Bibliotheca Pedagogica Brasileira.

Veja um anúncio da obra no periódico “O Cruzeiro”, 1933.

Nas décadas seguintes, o livro ganhou novas edições brasileiras, com traduções e adaptações diversas: de Norberto Lima para a Hemus, de Orígenes Lessa para a Ediouro, de Tatiana Belinky para a Melhoramentos, entre outras. Várias dessas publicações continuaram a atribuir a obra a Gottfried Bürger. Já nos anos 2000, uma edição da Iluminuras, com tradução integral de Ana Goldberger, a atribuiu a Rudolf Raspe.

Além de sua permanência (e plasticidade) como obra literária, as aventuras do Barão foram transpostas para outras mídias, principalmente o cinema. O pioneiro Georges Meliès levou às telas “As Alucinações do Barão de Munchhausen” em 1911, e dois anos depois foi a vez de Émile Coel, com um filme de animação que usava silhuetas em papel. Em 1943, estreou a comédia “Münnchausen”, dirigida por Josef Von Báky, que fora encomendada por Joseph Goebbels – Ministro de Propaganda do Terceiro Reich -- para comemorar o aniversário de um estúdio de cinema e, ainda, servir como entretenimento popular. Em 1962, “Baron Prasil” (o nome checo do personagem) misturou atores reais e animação pelas mãos de Karel Zeman. E, em 1988, foi a vez de Terry Gilliam, conhecido por sua participação no grupo de comediantes britânicos “Monty Phyton”, dirigir “The Adventures of Baron Munchausen”, com John Neville no papel-título e participações, entre outros, de Uma Thurman e Robin Williams. Sua versão mostra um Munchhausen envelhecido e alquebrado, que, no entanto, vê sua criatividade voltar a fluir diante da confiança nele depositada por uma garotinha. Bem como nós, leitores, mantemos viva a chama que alimenta as histórias de aventura e fantasia.

Leia um artigo sobre o filme de Terry Gilliam no “Diário do Pará”, 1989.