BNDigital

Livros de Aventura | Coleção Terramarear

10 maio 2022

Artigo arquivado em Livros de Aventura
e marcado com as tags Coleção Terramarear, Companhia Editora Nacional, História Editorial Brasileira, Livros de Aventura, Livros Juvenis, Secult

Histórias ditas “de aventura” se caracterizam pelo predomínio da ação, com tramas que giram em torno de viagens, mistérios e perigos e admitem muitas reviravoltas. Isso não significa que não haja descrições ou cenas mais tranquilas, nem que os personagens sejam pouco desenvolvidos – pelo contrário, alguns heróis e heroínas são bastante complexos –, mas sempre existe algo à frente que os motiva a seguir em sua jornada, uma pergunta a ser respondida, um tesouro para descobrir ou uma injustiça para reparar. Essa é a essência da aventura, presente na literatura desde as narrativas mitológicas e os épicos como a Ilíada, a Eneida e a Gesta de Gilgamesh.

Muito se produziu ao longo dos séculos que pode ser enquadrado nesse gênero, desde as histórias da Távola Redonda e outros romances medievais a “D. Quixote”, “Robinson Crusoé” e “As Viagens de Gulliver”. A aventura, contudo, só se firmou como um subgênero da ficção a partir de meados do século XIX, com uma produção mais consistente de histórias voltadas para o grande público, frequentemente veiculadas em jornais, sob a forma de folhetim, e lidas de forma compartilhada. Assim foram publicadas obras como “Os Três Mosqueteiros”, de Alexandre Dumas, pai (que saiu no jornal Le Siècle em 1844 e em livro naquele mesmo ano) e “Chamado Selvagem”, considerado a obra-prima de Jack London, publicado em cinco edições consecutivas do “The Saturday Evening Post” em 1903.

É muito comum encontrar elementos de aventura em obras consideradas como pertencentes a outros gêneros, tais como a fantasia, a ficção científica e o conto ou romance histórico. Exemplos disso são “20.000 Léguas Submarinas” e “Viagem ao Centro da Terra”, de Júlio Verne; embora tratem de viagens ousadas, de ultrapassar fronteiras e obstáculos, são inegavelmente livros de ficção científica, escritos com fins educativos, como combinado entre Verne e seu editor, Pierre Hetzel. Já as peripécias de Bilbo Baggins em “O Hobbit”, de J. R. R. Tolkien (1937) têm características que as enquadram melhor no gênero fantasia. Outros são policiais, ficção de crime, faroeste. Nem sempre a classificação é simples – e, na verdade, talvez não seja necessária. Tudo que conta, num livro de aventura ou “com” aventura, é que a narrativa saiba como envolver o leitor e levá-lo a acompanhar o herói ou heroína numa sucessão de cenas eletrizantes, em meio a perigos contra os quais terá de contar com sua astúcia e habilidade.

No Brasil, alguns dos mais famosos livros de aventura foram traduzidos e publicados a partir dos primeiros anos do século XX, inclusive em revistas como “O Tico-Tico”. O maior impulso dado ao gênero foi, contudo, a publicação da Coleção Terramarear pela Companhia Editora Nacional. Iniciada em 1933, a coleção foi responsável pelas primeiras edições brasileiras de obras como “Mowgli, o Menino Lobo” e os livros de Tarzan de Edgar Rice Burroughs, além de republicar outros clássicos já vertidos para o Português, como “A Ilha do Tesouro”. Entre seus tradutores, nomes ilustres: Monteiro Lobato, Manuel Bandeira, Godofredo Rangel, Agripino Grieco. As capas eram coloridas e atraentes, instigando ainda mais a curiosidade dos jovens leitores que eram seu público-alvo. A propaganda, porém, se dirigia aos pais, desejosos de ver crescer em seus filhos o amor aos livros:

“Não basta aprender a ler. É preciso que o menino leia! Mas ler que livros? Ler os livros da coleção Terramarear, livros especialmente feitos para os meninos, para a juventude em geral”.

Veja uma notícia sobre a “Terramarear” em “O Malho”, 1933. Acabavam de ser publicados os volumes 2 e 3, ambos de autoria de Emilio Salgari.

Veja um anúncio da coleção, já com vários volumes publicados, em edição de junho de 1933 de “O Tico-Tico”.

Entre 1933 e 1957 a Terramarear teve 82 volumes, com tiragens muito altas para a época e, em alguns casos, sucessivas reedições. Publicou inclusive autores brasileiros: Jeronymo Monteiro (“A Cidade Perdida”, vol. 70) e Menotti Del Picchia (“Kalum, o Sangrento”, vol. 71). A exemplo de sua contraparte voltada para as meninas, a “Biblioteca das Moças”, a coleção foi reeditada em 1983 com alterações na capa e no projeto gráfico, e foi bem recebida, embora não tenha marcado tanto a nova geração de leitores quanto outros livros publicados na mesma época. Dentre os que a leram em suas primeiras edições, o poeta e ensaísta Lêdo Ivo, membro da Academia Brasileira de Letras, deixou este depoimento apaixonado em seu artigo “Guardar o que está Perdido”:

“A descoberta de uma coleção, a Coleção Terramarear, consolidou para sempre um desejo que era uma vocação. O vento da aventura soprava em mim, rival do vento alagoano (...).  Eu conhecia o mundo antes de conhecê-lo. As pirogas me levavam ao convívio com os piratas e ao fragor das tempestades; no alto de minha vida fundada pela imaginariedade tremulava uma bandeira negra com uma caveira, sinal supremo da aventura e da insubmissão.”.



Livros da Coleção Terramarear.