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O Farol Paulistano

01 abr 2015

Artigo arquivado em Hemeroteca
e marcado com as tags Censura e repressão, Dom Pedro I, José da Costa Carvalho, Liberalismo, Período Regencial, Primeiro Reinado, São Paulo

Lançado a 7 de fevereiro de 1827, O Farol Paulistano foi o marco inicial da imprensa periódica paulista. Como seu próprio nome indicava – um “farol”, que ilumina, esclarece –, o jornal é lembrado como um importante instrumento de mobilização e debate político. Nesse sentido, foi defensor das ideias do chamado “grupo moderado” dos liberais durante o Primeiro Reinado e o início do Período Regencial. Antiabsolutista, o periódico era defensor radical dos princípios monárquico-constitucionais contra o despotismo, fazendo, assim, forte oposição a Dom Pedro I. Em linhas gerais, O Farol esteve alinhado mesmo à oposição parlamentar ao monarca, algo comum na imprensa liberal da época.

Com a epígrafe, “La liberté est une enclume que usera touts les manteaux”, traduzida livremente para “A liberdade é uma bigorna que desgastará todos os martelos”, O Farol Paulistano, no editorial de sua edição de lançamento, dizia a que vinha:
É sem dúvida a imprensa o mais útil e preciso invento do homem, o baluarte da liberdade, o terror dos déspotas, a protetora da humanidade. O Brazil disse que queria ser livre e a sua independência foi o primeiro fruto do sistema constitucional que abraçou para nunca mais deixar (…). Foi a imprensa companheira e auxiliadora da liberdade que fez a nossa independência. Grandes louvores e gratidão eterna aos denodados escriptores que nessa epocha apareceram. O Brazil é independente e continua a querer ser livre.

José da Costa Carvalho foi o proprietário e principal redator d'O Farol Paulistano. Baiano, antes de se estabelecer em São Paulo, teve assento na Câmara dos Deputados de sua terra natal. Já na capital paulista, foi membro do Conselho da Presidência e do Conselho Geral, sendo ainda, tempos após o fim de seu jornal pioneiro, membro da Regência Trina Permanente; primeiro barão, visconde e marquês de Monte Alegre e presidente da Província de São Paulo em 1842.

As edições do seu jornal eram impressas inicialmente na Typographia de Roa & Cia., empresa capitaneada pelo impressor espanhol José Maria Roa, que trabalhava em um rústico prelo de madeira. A partir do nº 126, de 2 de julho de 1828, O Farol passou a sair em tipografia própria, chamada Typographia do Farol Paulistano. Tanto a redação quanto as oficinas da folha funcionavam no nº 33 da antiga Rua São José, hoje Rua Libero Badaró.

Em exemplares medindo 31 x 21cm, o primeiro periódico paulistano tinha sua estrutura editorial dividida entre um artigo principal de abertura (onde normalmente discutia-se questões políticas sob prismas doutrinários e pedagógicos, com avaliações sobre o andamento de negócios públicos conduzidos pelo Império), notícias nacionais e internacionais, correspondências,  transcrições de artigos de outros jornais, uma seção de publicação de documentos oficiais, uma seção de variedades (com anedotas, causos, fábulas, ensinamentos morais, excertos traduzidos de autores estrangeiros, reflexões filosóficas, etc.) e anúncios em geral (dando publicidade de produtos e atividades comerciais, com grande incidência de avisos de compra, venda e fuga de escravos). Assuntos como preços de gêneros de exportação e importação, oscilações cambiais, movimento portuário em Santos, a situação política e econômica de determinadas localidades (focando-se vilas, freguesias, províncias ou mesmo o Império), a situação de determinadas instituições de administração pública, entre outros, também eram explorados.

Inicialmente semanal, em junho de 1827 O Farol Paulistano passou a circular duas vezes por semana. Em outubro de 1829, por conta da compra de um novo prelo (entre maio e junho deste ano o jornal teve circulação suspensa pela quebra do prelo antigo em suas oficinas), sua periodicidade já era trissemanal, saindo terças-feiras, quintas e sábados. Seu número de páginas por edição era normalmente quatro, esporadicamente tendo circulado com seis ou oito. Cada edição podia ser comprada por 80 réis e assinaturas trimestrais podiam ser feitas. O público d'O Farol consistia, basicamente, de funcionários públicos, clérigos, militares, comerciantes, médicos, caixeiros, tropeiros, estudantes, professores, etc. Apesar de sua base paulistana, províncias como Minas Gerais e Rio de Janeiro, bem como o planalto e do litoral paulistas, também recebiam o jornal.

Dotado de rigores político-doutrinadores e pedagógicos durante toda a sua existência, O Farol Paulistano, em seus primeiros momentos, procurou definir um padrão para o seu discurso, buscando se firmar como órgão formador de opinião em meio ao ambiente de conflitos entre absolutistas e liberais. Em consequência, a folha de Costa Carvalho discutia abertamente com a Gazeta do Brasil, folha carioca alinhada ao Império – apenas o primeiro adversário d'O Farol na imprensa. Em geral, a Gazeta era crítica às atuações da Câmara dos Deputados, casa defendida pelo Farol, que, por sua vez, atacava Dom Pedro I. Em sua 20ª edição, de 16 de junho de 1827, o jornal paulistano avaliava o número de lançamento da folha carioca como “escripto em estilo raivoso”, “virulento”, atacando “tudo quanto o Brazil tem de mais caro” ao defender “a torto e a direito o Ministério” e criticando “com rancor as Camaras”, “mentindo imprudentemente”. Neste texto, O Farol Paulistano destacava a grande defesa do jornal pró-imperador ao Ministro da Guerra, figura que “tem patenteado sua instabilidade na direção da guerra atual”, ou seja a Guerra Cisplatina.

A partir de aproximadamente maio de 1828, e até meados de 1830, O Farol fortaleceu seu rigor oposicionista, definindo-se em sua ideologia liberal de forma mais exaltada e atacando as arbitrariedades da Monarquia com críticas mais substantivas. Muitas reivindicações e denúncias contra crimes de prevaricação, abuso de poder e irregularidades gerais na gestão pública eram feitas na seção de correspondências do periódico, sem contar os artigos de abertura de cada edição. Neste novo contexto, o embate do periódico com jornais governistas cariocas acentuou-se – como ocorrido com O Censor Brasileiro e, mais intensamente, O Analista.

De acordo com Nelson Werneck Sodré em "História da imprensa no Brasil", nesta época, O Farol fora processado por “crime de opinião”, ou seja, abuso de liberdade de imprensa (p. 130). O fato ocorrera em decorrência da publicação de um artigo na edição nº 211, de 6 de maio de 1829, que questionava a honestidade do ministro da Fazenda Miguel Calmon. Levada à juízo em outubro de 1829, a folha acabou absolvida em fevereiro de 1830 – ver edições nº 257, de 13 de outubro de 1829, e nº 313, de 27 de fevereiro de 1830.

Por volta da segunda metade de 1830, e como consequência à paulatina radicalização do discurso de crítica política em sua linha editorial, O Farol Paulistano passou a dar maior destaque a temas caros ao chamado “exaltamento liberal”, discutindo questões como aumento de autonomia às províncias brasileiras, diminuição do Poder Moderador, reforma constitucional e mesmo a troca da Monarquia pela República – algumas ideias antes refutadas em suas páginas, mas que, de certa maneira, poderiam atuar em benefício aos liberais “moderados” na conjuntura política do Império. Em sua fase mais aguerrida, que durou até o fim do jornal, O Farol chegou a travar embates com figuras do próprio campo liberal, incluindo-se polêmicas e discussões como o periódico “exaltado” A Voz Paulistana.

Juntamente do próprio José da Costa Carvalho, Antônio Mariano de Azevedo Marques, responsável pela edição do jornal manuscrito O Paulista em 1823, foi o principal redator d'O Farol Paulistano. Adicionalmente, o jornal contou com colaborações menores de Manoel Joaquim do Amaral Gurgel, Manuel Odorico Mendes, Antônio Manuel de Campos Mello, Vicente Pires da Motta e Nicolau Pereira da Campos Vergueiro. O médico italiano Giovanni Baptista Libero Badaró, apesar de aparentemente não ter colaborado com o jornal, imprimiu através da tipografia d'O Farol Paulistano a partir de 23 de outubro de 1829 o Observador Constitucional, de grande destaque e mesma linha política que o periódico de José da Costa Carvalho.

O Farol Paulistano encerrou sua circulação cerca de quatro anos após o seu lançamento, pouco após a abdicação de Dom Pedro I. Com a saída do imperador, em 17 de junho de 1831 Costa Carvalho tornou-se membro da Regência Trina Permanente, algo que, embora não confirmado, justifica o fim repentino do jornal, que deixou de ser publicado pouco depois da nomeação de seu proprietário e redator. A derradeira edição d'O Farol foi, provavelmente, a de nº 501, de 30 de junho de 1831.

Em agosto de 1831, como continuação do jornal de Costa Carvalho, O Novo Farol Paulistano foi lançado na capital paulista, fundado e dirigido por José Manuel da Fonseca e Francisco Bernardino Ribeyro. Impresso na mesma Typografia do Farol Paulistano e também liberal “moderado”, o novo jornal era visual, editorial e politicamente muito próximo à publicação da qual originara. No entanto, inserto em um contexto político diferente, a nova folha era governista, ou seja, favorável ao governo Regencial. De acordo com Werneck Sodré, O Novo Farol Paulistano foi um “bi-semanário oficioso, sucedido, em 1835, pelo O Paulista Oficial, porta-voz do governo da província até março de 1838, dirigido por Emídio da Silva e substituído pelo Paulista Centralizador” (p. 203). Todos estes jornais são continuações da mesma linha política liberal inicialmente defendida pel'O Farol Paulistano.

Fontes

- MOREL, Marcos; BARROS, Mariana Monteiro de. Palavra, imagem e poder: o surgimento da imprensa no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

- OLIVEIRA, Carlos Eduardo França de. Informação e política nos primórdios da imprensa paulista: O Farol Paulistano (1827-1831). Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/his/v29n2/v29n2a17.pdf Acesso em 29 mar. 2012.

- SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.

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