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O Município

01 abr 2015

Artigo arquivado em Hemeroteca
e marcado com as tags Amazônia, Censura e repressão, Crítica política, República Velha, Revolta dos Cem Dias (Acre), Revolução Constitucionalista de 1932, Revolução de 1930, Território do Acre

Fundado e dirigido por Pedro Gomes Leite Coelho, o semanário O Município foi lançado em 28 de setembro de 1910 na localidade acreana de Villa Seabra, na confluência dos rios Murú e Tarauacá, onde atualmente se encontra a cidade de Tarauacá. Em 1910, Villa Seabra fazia parte do Departamento do Alto Juruá, uma das divisões geo-administrativas que havia no então Território do Acre até 1920, quando foram extintas.

Segundo o editorial da edição de lançamento, O Município foi o primeiro jornal das imediações do rio Tarauacá. Criado para defender os “interesses do Acre e de sua vila” e bastante aguerrido, o periódico defendia as iniciativas privadas do Tarauacá-Murú, bem como o conselho municipal que administrava Villa Seabra. Em geral, o jornal era legalista, opondo-se a revoltas locais de cunho político e destituições de governantes, algo comum no Brasil no início do século XX. Por isso o periódico foi contra o Movimento Autonomista do Acre, que pleiteava a sua transformação em estado (o que só ocorreria em 1962). Anos depois, no entanto, o jornal apoiaria a Revolução de 1930.

Como o seu próprio nome revela, o jornal era partidário da elevação de Seabra à categoria de cidade, algo que só aconteceria em 1920. O editorial da primeira edição já afirmava:
Municipio, sim; porque se não é já lei do paiz o projecto que o destina a isso, sel-o-a em poucos dias; e o nosso titulo é uma garantia para os tarauacaenses de que seremos incansaveis na sua defesa, trabalhando para o seu engrandecimento, mostrando aos altos poderes da Nação que temos direito de ser contemplados com maior somma no inventario da verba para o desenvolvimento material do Departamento, já que concorremos com grande importancia para o erário público.

O editorial anunciava que, “dentro da moral e dos bons costumes” e reconhecendo o papel da imprensa periódica como meio de instrução popular, o jornal aceitava colaborações escritas que tratassem de assuntos de interesse geral ou de literatura. Atos oficiais seriam apreciados com “discernimento; não lhes negaremos elogios, assim como não lhes regatearemos censuras”.

Nos primeiros anos, o semanário se posicionou fortemente contrário ao movimento revolucionário pela independência do Acre, que ocorreu de junho e setembro de 1910. Iniciado em Cruzeiro do Sul, capital do Departamento do Alto Juruá, o episódio é lembrado como a Revolta dos Cem Dias. Durante a revolução, o Acre foi governado provisoriamente por Antonio Antunes de Alencar e uma junta composta por integrantes do então Partido Autonomista – Francisco Freire de Carvalho, Mancio Lima e José Bussons. Um texto de Bezerra Filho, publicado no primeiro número, protestava contra a escolha de um intendente para o Tarauacá-Murú, feita “arbitrariamente, criminozamente” pela junta governativa revolucionária. Edições posteriores ainda tratariam dos desdobramentos negativos da Revolta dos Cem Dias e, mesmo com o fim do levante, o periódico continuava opositor aos governantes do Departamento do Alto Juruá. Pouco tempo depois, ainda se mostraria contrário à Revolta de Sena Madureira, em junho de 1912.

O jornal publicava artigos de opinião, crônicas, colaborações literárias, reivindicações públicas, atos oficiais (em alguns momentos), homenagens, notícias policiais, chegadas e partidas de figuras ilustres à vila, telegramas, textos da imprensa de fora do Acre, transcrições de discursos, textos a pedidos, colunas sociais, folhetins (a partir de julho de 1915), anúncios etc. Circulando em tamanho standard, com quatro páginas separadas em cinco colunas de texto, cada exemplar do jornal custava 1$000. Assinaturas anuais podiam ser feitas a 50$000.

Entre os principais temas abordados pelo semanário figuravam o desenvolvimento do Acre, o cotidiano da administração pública em Tarauacá, o projeto de Justiniano Serpa para a autonomia do Acre, a reorganização territorial acreana de 1912 (ver edição de 14 de abril deste ano), a instituição do regime municipal e a organização político-partidária no território federal acreano, atividades de clubes e associações na região do Tarauacá-Murú, questões comerciais locais, infraestrutura geral nos Departamentos do Acre, navegação na rede fluvial local (incluindo a ação da Liga Marítima Brazileira naquelas paragens), comunicação e serviço postal no Acre (ver a instalação do telégrafo no Tarauacá-Murú na edição de 22 de setembro de 1912), a economia da borracha, saúde pública, melhorias na educação local, questões jurídicas, as injustiças do governo central contra o Acre, o alto índice de criminalidade na região do Tarauacá-Murú, polêmicas entre figuras públicas locais, congressos seringalistas, política nacional, variedades na Villa Seabra, história, jornalismo, direitos da mulher, ciências e invenções, literatura e grandes literatos, notícias sobre outras cidades do interior acreano e sobre todo o Brasil, noticiário estrangeiro, etc.

Entre os colaboradores de O Município (muitos deles com matérias publicadas em jornais do Sudeste e reproduzidas pelo jornal) estavam Bezerra Filho, Sansão Gomes de Souza, Francisco de Assis Bezerra, M. Wergniaud da Rocha, Joaquim Gondim, Catulle Mendes, Quintela Júnior, Fernandes Távora, Francisco do Valle Mello, Lourenço Moreira Lima, Francisco Bayma, Gil Gonçalves, entre outros.

A notícia do desmembramento do Departamento do Alto Juruá em 1912 e da criação do Departamento do Tarauacá, tendo Villa Seabra como sede, foi publicada no dia 10 de novembro daquele ano. O jornal comemorou a libertação da “tutela do Cruzeiro do Sul, que pouco caso ligou na nossa menoridade”. O prefeito nomeado para o novo departamento, Antonio Antunes de Alencar, apesar de seu envolvimento com a revolta autonomista de tempos atrás, era visto com bons olhos pelo jornal. A instalação definitiva da nova divisão deu-se em 19 de abril de 1913. Nesse ano O Município tinha Rocha Brazil como redator-secretário e Ângelo Silveira como gerente de oficinas, além de Pedro Leite, o redator-proprietário. Embora sem ter seu nome no expediente, Henri Eugène Frossard era o subgerente do jornal.

Ainda em 1913, o semanário havia estabelecido um contrato com a prefeitura de Antunes de Alencar para a publicação de atos oficiais. Em novembro daquele ano, porém, passou a questionar o governo local sobre o destino de 520 contos de réis remetidos do Congresso Federal ao Departamento do Tarauacá. Com o fim do contrato com a prefeitura para a publicação de seus atos em dezembro de 1913, e a não-renovação por parte de Pedro Leite, Antunes de Alencar foi obrigado a adquirir equipamento tipográfico de Manaus para o lançamento de uma folha oficial, O Estado. Como insistisse em questionar o sumiço do dinheiro público federal em uma série de artigos, as relações do jornal com a prefeitura se tornaram mais tensas.

No dia 22 de fevereiro de 1914, O Município foi empastelado e só voltou a circular em 5 de agosto de 1914, quando denunciou o fato:
Queimaram O Município para evitar a analyse rigorosa e enérgica dos actos do governo desta Prefeitura, (...) na altura dos patifes, peculatarios e mashorqueiros que nos administravam, nós (...) procurávamos esclarecer a verdade e mostrar (...) a trilha aladroada palmilhada pelos aventureiros, vigaristas e fintadores audazes que conseguiram empolgar os cargos administrativos do Tarauacá. Foi naquela phase aguda, em que o Prefeito desviou cerca de 520 contos de réis, (...) que resolveu (...) mandar atear fogo á nossa redacção.

Segundo o jornal, o prefeito Antonio Antunes de Alencar, apontado como o responsável pelo ato de violência, havia forjado um boletim atribuído à própria prefeitura e responsabilizou o jornal por sua publicação. Após o ocorrido, Alencar abandonou o Departamento do Tarauacá com seu grupo, sendo substituído pelo primeiro subprefeito, o coronel Bento Annibal do Bomfim, o que possibilitou ao jornal a retomada da circulação.

Ao voltar a circular, em 5 de agosto de 1914, o jornal protestou contra José Vicente Assumpção, líder político local que teria ameaçado novamente o jornal, caso reaparecesse com a mesma linguagem. O semanário manteve a linhas de agressiva oposição a Antunes de Alencar e aos seus aliados – alguns ainda na cidade –, explorando o incêndio à sua sede e algumas vezes entrando em choque com o jornal O Estado. No plano nacional, o semanário demonstrava insatisfações com o governo Hermes da Fonseca e Pinheiro Machado, chefe do Partido Republicano Conservador (PRC). No expediente, na ocasião, o jornal passou a ter Benedicto Gil como seu editor-responsável e Henri Frossard como seu impressor, tendo ainda Angelo Silveira como gerente. Dizendo-se “órgão independente de maior circulação nesta zona territorial”, era impresso em máquina própria, uma “Reddish” a vapor.

Tendo considerado bom o governo de Annibal do Bomfim na prefeitura do Departamento do Tarauacá, entre o fim de 1914 e o primeiro semestre de 1915, O Município testemunhou a substituição de Bomfim por um desafeto, o coronel José Vicente Assumpção (oficialmente, Antunes de Alencar ainda era o prefeito em exercício). O jornal, no entanto, não fez oposição agressiva ao novo ocupante do cargo, mantendo tom crítico sem arroubos e acusações escandalosas. Ademais, o noticiário sobre a Primeira Guerra Mundial tomava boa parte de suas páginas, assim como a presença de Rui Barbosa na Segunda Conferência de Paz em Haia, na Holanda.

A situação do jornal veio a piorar com o poder local logo no início de 1916. Na edição de 2 de janeiro daquele ano, alertava:
Estamos ameaçados de um ataque á mão armada pela força publica desta villa, a disposição do Sr. José Vicente Assumpção, de mãos dadas com o sr. tenente que a commanda Manoel C. Victal Sobrinho, chefiados pelo sr. tenente-coronel Francisco Olympio, a quem o prefeito obedece cegamente. O publico sabe da ameaça á vida do director deste jornal feita no dia 19, quando vieram sete praças arrear o pavilhão nacional da fachada do edifício onde funciona a nossa typographia.

Nas edições seguintes, a partir de 9 de janeiro, criticava ferozmente o jornal oficial da prefeitura, O Departamento, “echo da mentira official”. A insatisfação duraria até abril de 1916, quando, no dia 9 daquele mês, revelou-se entusiasmado com a posse de José Thomaz da Cunha Vasconcellos na prefeitura do Tarauacá. O jornal era partidário não só do novo mandante, mas também do intendente municipal, Sansão Gomes de Souza. Enfim, O Município passava a ser um órgão que, ao menos aparentemente, não fazia oposição ao governo local. Naquele ano, a Campanha Nacionalista de Olavo Bilac e o candidato ao governo do Amazonas, general Gregório Thaumaturgo de Azevedo, do Partido Republicano Liberal do Amazonas, também foram apoiados em suas páginas.

O ano de 1917 foi turbulento para o jornal. A edição de 14 de janeiro foi confiscada e a do dia 16 publicou um grande espaço em branco na capa, contendo apenas o título “A prizão do nosso director, effectuada ante-hontem”. A mesma edição também comemorava a ascensão de Júlio Pereira Rocque ao cargo de 2º subprefeito do Departamento do Tarauacá.

Em meados de 1917, o jornal sofreu novo empastelamento e teve que interromper a circulação. Ao voltar a circular, apresentou novo formato (menor) e mais páginas (seis). O semanário destacava o seu reaparecimento, “glorificado” pela “alegria popular”. Durante boa parte do hiato na circulação, Pedro Leite esteve foragido em Manaus. A quebra na regularidade da circulação coincidiu com mais um período delicado vivido pela prefeitura local. Irregularidades na gestão do prefeito Cunha Vasconcellos fizeram com que fosse afastado do cargo em fevereiro de 1918, embora continuasse oficialmente em exercício. Também o jornal local A Reforma fez dura oposição ao prefeito, acusando-o de violência e desvio de verbas.

Segundo se pode depreender do noticiário e editoriais do jornal A Reforma, na década de 1920 O Município foi defensor do prefeito local Agnello de Souza, motivo de desavença entre os dois periódicos. Na década de 1930, a redação de O Município continuava com Pedro Leite como proprietário, diretor e principal redator, e com Henri Frossard como gerente. Ademais, era impresso nas oficinas de Frossard.

Demonstrando revolta pelo assassinato de João Pessoa no Recife, o jornal aplaudiu a Revolução de 1930, publicando diversos telegramas a respeito das mudanças de governo no Acre – ver, por exemplo, a edição de 2 de novembro daquele ano. Na edição de 22 de fevereiro de 1931, no entanto, o semanário queixava-se da censura prévia em suas edições, por ordem do interventor da revolução no Acre, Francisco de Paula Assis Vasconcellos (os jornais locais A Reforma e O Arraial também a sofreram). Em 4 de outubro, voltaria a se queixar, tanto pela censura, quanto pela construção de estradas consideradas inúteis no Acre. No geral, apesar de apoiar Getúlio Vargas, elogiando medidas diversas e repudiando a Revolução Constitucionalista de 1932, o pior do governo para o semanário eram suas atitudes em relação à imprensa (em 25 de setembro de 1932, o jornal fora intimado a mandar um representante à delegacia de polícia local).

A partir de 29 de novembro de 1931, Henri Frossard substituiu Pedro Leite na direção e na propriedade do jornal, acumulando ainda a gerência da publicação. Pedro Leite permanecia no cabeçalho apenas como fundador. No início de 1932, o jornal revelava passar por uma crise, o que também vinha ocorrendo em outros empreendimentos locais, vítimas da desvalorização da borracha no mercado externo.

Após o lançamento da edição 904, de 19 de fevereiro de 1933, a circulação foi suspensa temporariamente. O nº 914 é datado de 30 de maio de 1937, sugerindo um hiato de cerca de quatro anos. As edições de 1937 contavam com o retorno de Pedro Leite como diretor, com J. Barroso Duarte na gerência e Floriano Brasil como administrador de oficinas.

Segundo Rauana Batalha Albuquerque, no artigo “De Bilac a Xisto: Manifestações poéticas nos jornais tarauacaenses (1900-1920)”, O Município foi extinto em 1937. A última edição pode ter sido a de nº 936, de 26 de dezembro de 1937.

Fontes

- Acervo: edições do nº 1, ano 1, de 28 de setembro de 1910, ao nº 328, ano 9, de 4 de agosto de 1918; edições do nº 762, ano 21, de 5 de janeiro de 1930, ao nº 904, ano 24, de 19 de fevereiro de 1933; e edições do nº 914, ano 25, de 30 de maio de 1937, ao nº 936, ano 27, de 26 de dezembro de 1937.

- ALBUQUERQUE, Rauana Batalha. De Bilac a Xisto: Manifestações poéticas nos jornais tarauacaenses (1900-1920). Anais do SILEL. Vol. 1. Uberlândia: EDUFU, 2009.

- BRYAN, Samuel. O sonho da autonomia acreana. Agência de Notícias do Acre. Disponível em: http://www.agencia.ac.gov.br/index.php/noticias/acre-50/19852-o-sonho-da... Acesso em 8 ago. 2012.

- NEVES, Marcos Vinícius. 1910 – A Revolta dos Cem Dias. Disponível em: http://www.jorgeviana.com.br/index.php?option=com_content&view=article&i... Acesso em 7 ago. 2012.

- Tarauacá. IBGE Cidades. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1. Acesso em 7 ago. 2012.