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Preciosidades do Acervo | As Estampas de Noël Garnier

02 jul 2020

Artigo arquivado em Preciosidades do Acervo
e marcado com as tags Divindades, Georges Duplessis, Gravuras, Noël Garnier

“No meio de uma paisagem com uma grande árvore à esquerda no segundo plano, vê-se uma mulher moça, em pé, de perfil, voltada com a frente para a esquerda, com longos cabelos soltos ao vento, trajada com um vestido de mangas mui largas, cuja saia flutua à mercê do vento, que sopra pela frente, com os pés descalços, tendo na mão esquerda um coração flamejante (com sete chamas) e na direita uma grande seta descansada sobre o ombro direito. Em baixo vê-se: à direita uma balança (Libra) no chão; e à esquerda um boi deitado sobre o ventre e voltado para a esquerda (Taurus).”

A imagem de Vênus descrita acima, pertencente à série “Divindades dos sete planetas”, é uma das estampas mencionadas por José Zeferino de Menezes Brum no artigo “Noël Garnier: cinco estampas ainda não descritas (adição a Robert-Dumesnil)”, publicado no primeiro volume dos Anais da Biblioteca Nacional em 1876.

De Noël Garnier, o autor da estampa, pouco sabemos e há dados controversos. Alguns autores consideram-no um gravador ativo em Paris no final do século XV. Outros dizem que foi um ourives e gravador ativo na primeira metade do século XVI, entre os anos 1520 e 1540, havendo inclusive uma estampa datada de 1544. É mencionado como um gravador que copiou os mestres alemães, de Albrecht Dürer a Georg Pencz, mas cujo trabalho é de pouco valor; ou então como o primeiro mestre ornamentista que gravou em cobre e deixou de original apenas um grande alfabeto gótico. Seu verdadeiro nome foi por algum tempo desconhecido e os nomes abreviados e os monogramas presentes em suas estampas foram interpretados pelos estudiosos de maneira divergente.

As cinco estampas de Noël Garnier às quais se refere Menezes Brum, chefe da Seção de Estampas da Biblioteca Nacional, não haviam sido descritas nos catálogos de Bartsch (Le peintre graveur), Le Blanc (Manuel de l'amateur d'estampes), Brulliot (Dictionnaire des monogrammes, marques figurées, lettres initiales...), Robert-Dumesnil (Le peintre-graveur français) e Georges Duplessis (Supplément aux dix volumes du 'Peintre-Graveur Français' de Robert-Dumesnil), entre outros.

Tais catálogos ainda hoje oferecem aos estudiosos uma série de informações essenciais sobre as estampas, como a biografia dos gravadores, títulos, descrições, datas e dimensões das obras, ou seja, dados cronológicos, geográficos, técnicos e iconográficos que auxiliam o estudo da produção artística em gravura. Nos catálogos, Menezes Brum encontrou breves dados biográficos e a descrição de algumas obras de Noël Garnier, mas nenhuma referência às tais cinco estampas gravadas a buril, todas provenientes da Real Biblioteca e na sua avaliação “estampas que se não se avantajam pela correção do desenho ou pelo primor da gravura, são entretanto preciosas, por muito raras… poderia até chamá-las únicas (?), visto ninguém até hoje ter falado delas.”

Dos autores consultados, Robert-Dumesnil foi o que descreveu o maior número de estampas de Noël Garnier, 55. São alfabetos góticos, animais e flores fantásticas e cópias de estampas de Albrecht Dürer, Georg Pencz, Hans Sebald Beham e de um anônimo do século XVI (deste, Garnier teria copiado “Apolo dançando com as Musas”, http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon1314450/icon1314450.jpg).

Menezes Brum atribuiu a Noël Garnier a autoria das cinco estampas, considerou-as não descritas nos catálogos europeus e cogitou como fonte iconográfica a série “Os sete planetas”, gravada por Hans Sebald Beham na primeira metade do século XVI.

As estampas de Garnier figuraram na Exposição Permanente dos Cimélios da Biblioteca Nacional, em cujo catálogo (publicado em 1885) Menezes Brum reiterou não haver encontrado notícias dessas estampas em nenhum iconógrafo e citou a correspondência de Georges Duplessis dirigida a Benjamin Franklin Ramiz Galvão em 1877, quando eram, respectivamente, o conservador adjunto do Departamento de Estampas da Biblioteca Nacional da França e o diretor da Biblioteca Nacional.

Na carta de 13 de julho de 1877 (http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_manuscritos/mss1279298/mss1279298.pdf), transcrita no Catálogo da Exposição Permanente (p. 780), Georges Duplessis agradeceu ao diretor Ramiz Galvão o envio dos Anais da Biblioteca Nacional, onde viu com satisfação a existência do nigelo “O Triunfo de Galateia” em nosso acervo e a descrição de cinco gravuras de Noël Garnier que não conhecia. E afirmou que se publicasse uma nova edição da obra “Le Peintre-Graveur Français” de Robert-Dumesnil, teria o cuidado de indicar nossas estampas, de dizer quem lhe deu a conhecê-las e onde elas se encontram.

Da provável série de sete estampas de Noël Garnier, intitulada “As divindades dos sete planetas”, a Biblioteca Nacional possui as estampas que representam Saturno, Júpiter, Marte, Vênus e a Lua, faltando-lhe duas, Sol e Mercúrio.

GARNIER, Noël. [As divindades dos sete planetas : Vênus]. [S.l.: s.n.], [14--]. 1 gravura, pb, 8,4 x 4,9.