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200 Anos da Independência | Revérbero Constitucional Fluminense: um jornal da Independência

03 ago 2020

Artigo arquivado em 200 anos da Independência
e marcado com as tags 1821, Censura, Dom Pedro I, História, Imprensa, Independência do Brasil, Jornais Históricos, Liberalismo, Política

Atualmente, seu nome não nos soa familiar: soa mesmo estranho, longo e grave. Mas sua história é inigualável. Tanto que em 2005 a Biblioteca Nacional lançou uma edição fac-similar desse jornal, com artigos, estudo hemerográfico, classificação de textos por assunto e índice preparados por Marcello e Cybelle de Ipanema – figuras em alta conta na instituição. Pois em 1821, há quase 200 anos, com o retorno da Corte portuguesa do Brasil para a Europa, quando foi extinta a proibição de circulação de impressos que não fossem da Impressão Régia na colônia, foi ele, o Revérbero Constitucional Fluminense, um dos primeiros panfletos periódicos a surgir, e em oposição ao domínio português. Apontado como o órgão doutrinário da Independência do Brasil, tinha inclinação francamente liberal.

O Revérbero era editado por Joaquim Gonçalves Ledo e Januário da Cunha Barbosa, ambos maçons. Entre 15 de setembro de 1821 e 8 de outubro de 1822, o tempo de vida total da publicação, ambos imprimiram em suas páginas a defesa de um projeto político nacionalista, visando uma monarquia constitucional brasileira independente de Portugal, ou ainda, em suas palavras, “um governo liberal e permanente, regulado por leis fixas e bebidas na natureza”. Explicitamente inspirado na Revolução Liberal do Porto, ocorrida em agosto de 1820, o jornal repudiava as ordens provenientes de Lisboa, discutindo sobre, e por fim aplaudindo, o “Fico” de Dom Pedro I, em face à medida que estabelecia seu retorno à metrópole – postura que determinou a linha pró-autonomia brasileira do Revérbero, que foi se desenvolvendo aos poucos. Batendo de frente com periódicos áulicos, principalmente o Semanário Cívico, da Bahia, o Revérbero publicava, acima de tudo, inflamados artigos doutrinários pró-Independência que não só acompanharam o processo de libertação do Brasil como colônia como o embalaram, intelectualmente. Mas também trazia transcrições de jornais de Lisboa, Londres e Paris, replicando no Brasil, sobretudo, escritos do célebre Correio Braziliense, o primeiro periódico da história brasileira, editado na capital inglesa por Hipólito José da Costa – exílio justificado pela linha editorial contrária à coroa portuguesa.

Enquanto editavam e redigiam o Revérbero, Gonçalves Ledo e Cunha Barbosa não se mantinham exclusivamente nessa função. Nelson Werneck Sodré, no livro “História da Imprensa no Brasil”, expõe que partiu de ambos

(...) a representação, que contou com a adesão de outras figuras destacadas, para a convocação do Conselho de Procuradores, primeira e rudimentar forma de delegação eleitoral a vigorar no Brasil, a nível geral, e decisão a que o governo de Lisboa não poderia considerar senão como rebeldia. Se isso aconteceu em fevereiro de 1822, a edição extraordinária de 12 de maio (do Revérbero) transcrevia do Correio Brasiliense o artigo “União de Portugal com o Brasil”, em que Hipólito da Costa aceitava a separação entre a colônia e a metrópole. A linguagem do jornal de Ledo e Januário aumentava em vigor, a cada dia, acompanhando a evolução dos acontecimentos e a crescente exaltação dos brasileiros. Foi essa consonância com o sentimento e a opinião que alicerçou o seu papel e lhe conferiu, e aos seus dois redatores, o grande prestígio de que desfrutam. (p. 54)

Dentro de seu projeto político para o Brasil, e em consonância com seu próprio título, o Revérbero Constitucional Fluminense insistia na necessidade da convocação de uma Assembleia Geral Constituinte e Legislativa (ver, como exemplo, a edição extraordinária de 18 de maio de 1822), pedida já por João Soares Lisboa no Correio do Rio de Janeiro. Os conservadores eram contra esse clamor, tachando a Constituinte, nas palavras de José da Silva Lisboa, redator áulico da Reclamação do Brasil, de “mera farsa e paródia da que perdeu a França”. Dom Pedro, no entanto, atendeu ao pedido, convocando os trabalhos que dariam origem à Constituição de 1824, consumando, assim, a Independência.

Fixada a Constituinte, as diferenças entre liberais e conservadores – ambos querendo a autonomia brasileira, via de regra – começaram a se tornar mais agudas. Para Nelson Werneck Sodré, os segundos, personificados na facção “andradina”, encabeçada por José Bonifácio de Andrada, não pretendiam uma Independência autêntica, desejando a conservação da estrutura colonial. Ao passo em que Lisboa repudiava a reunião do Conselho de Procuradores instituído por Dom Pedro, que permitia a Constituinte, mandava reforços para suas tropas no Brasil, procurando, adicionalmente, retomar o monopólio de comércio colonial, Ledo e os liberais redigiram o “Manifesto aos Brasileiros”, contraposto ao “Manifesto às Nações”, de Bonifácio e os conservadores. Ambos os textos execravam a postura das Cortes de Lisboa – a repulsa ao retorno do regime de monopólio os unia – mas o segundo punha na boca do príncipe o seguinte compromisso, visto como laço indissolúvel de seu grupo com o dominador: “Prometo... que não desejo cortar os laços de união e fraternidade que devem fazer de toda a nação portuguesa um só todo político bem organizado”.

O Constitucional, de fé idêntica à do Revérbero, acabaria sucumbindo às forças militares portuguesas. Ainda assim, no dia 20 de agosto de 1822, Gonçalves Ledo chegou a defender uma proposta de Independência brasileira com base constitucional numa reunião maçônica, obtendo aprovação por unanimidade: decidiu-se então, em seguida, pelo envio de emissários às diversas províncias, buscando adesão. Pouco depois, em São Paulo, a 7 de setembro, Dom Pedro daria o Grito do Ipiranga, que sequer obteve menção nas páginas do Revérbero: além de seus redatores provavelmente acharem que a autonomia já estava consolidada, sabe-se que a data de 7 de setembro, em particular, não foi considerada, naquele momento, relevante como marco simbólico da formação nacional, nem pela imprensa, nem por parte do príncipe. Quando este retornara ao Rio de Janeiro, sendo aclamado a 12 de outubro, Ledo, Januário e os demais membros de seu grupo político tiveram o cuidado de, na circular às câmaras a respeito da aclamação, lograr a inclusão de uma cláusula que determinava a aceitação do monarca à Constituição que a Assembleia redigiria, para, enfim, saudá-lo como Imperador Constitucional do Brasil.

Ao contrário das expectativas, e apesar das comemorações, o Revérbero não continuou sendo editado: mesmo ainda tendo o que batalhar pela Independência, que só se concluiria em 1825, a edição que deveria aparecer no dia 15 de outubro nunca veio a lume. Por suas ideias liberais, consideradas perigosas, Gonçalves Ledo e Januário Barbosa, assim como outros de mesma crença política, caíram imediatamente na “bonifácia”, processo de espionagem, delações e condenação de figuras públicas encabeçado por José Bonifácio, que julgava os liberais não só como demagogos, mas como anarquistas. Foram perseguidos em seguida, confirmando, enfim, o caráter despótico a ser mantido pelo imperador. Ledo, que havia sido eleito para a Constituinte, não tomou posse: conseguiu escapar para a Argentina (de onde retornou em novembro de 1823, apenas para ver a Assembleia dissolvida e a imprensa sob censura), enquanto os demais foram deportados para a França. Na avaliação de Nelsos Werneck Sodré, o grupo liberal havia cometido o erro de achar que o problema da liberdade individual na colônia seria resolvido com a Independência, que fundou um país de regime absolutista: a democracia não havia chegado. Essa preocupação, no entanto, era vista em outro jornal liberal da época, concorrente do Revérbero: o Correio do Rio de Janeiro. Mas essa já é outra história.

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