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A Cartografia Histórica: do século XVI ao XVIII

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CARTAS DA CAPITANIA DE MINAS GERAIS

Este conjunto de cartas sertanistas recebeu o título de [Cartas da Capitania de Minas Gerais], feito por um autor anônimo, no século XVIII. Elas estão divididas em oito mapas manuscritos, os quais não tem relação uns com os outros, apesar de todos descreveram a região de Minas Gerais e os caminhos percorridos pelos bandeirandes.

Na folha de número 54, aparece os rios Corrente, Corimetay (sic) e o Pardo, a vila do Príncipe (atual Serro), os rios Pery Mirim (sic), Fundo, Paraúna, Cipó, as Minas de Iambé (Itambé do Mato Dentro), Gouveia, o caminho da Praça, Bananal, a passagem do Cego, Constantino, o rio Verde, Sobral,Conceição do Mato Dentro, Sete Lagoas, Catas Altas, a passagem do Borba e a lagoa Dourada.

A folha número 547 mostra os campos de Minas Gerais, o rio da Paraopeba, o caminho dos currais, o rio d’Ouro, um engenho, o rio Congonhas, o rio das Velhas, a vila de Sabará, o ribeirão do Machado, a vila do Conde, São Sebastião e o ribeirão das Contas. Além disso, apresenta alguns traçados a lápis, incluindo o rio das Guardas, Sete Lagoas, o rio Verde, o rio São Francisco e os “caminhos de dentro”.

A folha de número 543 descreve o os rios São Francisco e o Pardo, os caminhos para o rio Verde, Tucambira, Jequitinhonha, os rios Preto, Catetemirim (sic), dos Remédios, o Parauna do Campo, a divisão da comarca de Sabará, o cerrado Frio, os rios de Santo Antônio e dos Peixes, Itamirintiba, o rio das Caravelas e Serra das Esmeraldas.

Na folha de número 539 está faltando um pedaço do mapa; ele mostra o Salto do Paraopeba, a cachoeira, o Salto Grande, Congonhas, minas, a Lagoa de Ibituruna, os rios Grande, Capivari, e o Verde. Além disso, no lado esquerdo da carta, inclui um texto com os nomes de algumas localidades e a distância entre elas, com isto podemos deduzir a que região se refere a parte que falta do mapa. Pois cita os nomes da vila de São João del Rey, a vila de São José, o rio das Mortes, o campo das Minas Gerais, o rio das Pedras e o ribeirão de Machado.

Na quinta folha não consta o número de identificação, pois está faltando uma parte do mapa. Ele inclui o rio Grande, a Barra Mirim, Queimadas, cerrado, chapada, o rio do Batista e Santo Onofre. No lado esquerdo da folha aparece um texto, que descreve as distâncias entre uma localidade e outra, constando de alguns nomes que não aparecem desenhado no mapa, tais como: os rios Grande, Verde e do Boqueirão, a barra de Pero Mirim e o rio de Santa Clara.

Na sexta folha também está sem o número de identificação, pois, está faltando mais da metade do mapa. Ele mostra o rio Verde, Carnaíba, a Serra das Pandaibas, Mangabirras, Olho d’dÁgua e Cocal.

A folha de número 529 mostra o rio Pardo, as fazendas de Manoel Coelho e de João Jorge, o rio Verde e o rio da Caatinga.

A última folha, a de número 544 está também faltando um pedaço. Ela mostra o rio Grande na “cabeceira do rio da Prata”, o rio Verde, o caminho para São Paulo, a serra da Mantiqueira, Ubá, o rio Paraíba, a vila de São João Del Rey, a cabeceira do Rio Grande, a vila de São José, o caminho para o Rio de Janeiro, a cabeceira do rio São Francisco, Congonhas e Ouro Preto. Além disso, o mapa traz texto sobre as distâncias entre uma localidade e outra.

No que tange à história do Brasil é importante ressaltar que os bandeirantes se beneficiaram da extensa rede hidrográfica brasileira que a partir do Tietê, Pinheiros, Cotia e Piracicaba alcançavam a bacia do Prata, o Parnaíba e o São Francisco. Cabe destacar que o transporte não era apenas fluvial, como também, aproveitavam as margens dos rios, as trilhas indígenas e os rastros deixados por animais.

Por tudo isso, faz-se necessário traçar o perfil da chamada cartografia bandeirante e sua importância na História Colonial brasileira. De acordo com Jaime Cortesão, as cartas sertanistas e bandeirantes evidenciaram que ao lado da renovação científica da escola cartográfica portuguesa – motivada pela expansão territorial e a formação da nova economia mineira, a qual estava representada de início pelos dois padres matemáticos, Diogo Soares e Domingos Capacci – nasceu pelas mesmas razões no Brasil, e mais especificamente, em São Paulo, uma arte cartográfica nativa, em que “o quadro da cultura portuguesa remonta o primitivismo do aborígene, como uma força constante e essencial”.

Um ponto crucial para a cartografia bandeirante é a autoria. Para Jaime Cortesão, estes mapas foram feitos por bandeirantes propriamente ditos, isto é, sertanistas de São Paulo, moldados pelo gênero e o estilo de vida do bandeirantismo, e simples sertanistas de ocasião, luso-brasileiros de outras capitanias, reinóis residentes no Brasil, ou até servidores oficiais, civis ou militares. Vale dizer que todos os bandeirantes foram sertanistas, mas nem todos sertanistas foram bandeirantes.

De acordo com a historiografia tradicional, os bandeirantes eram considerados nobres e ricos mercadores, visão defendida por Oliveira Viana. Em 1929, houve uma inovação sobre o mito dos bandeirantes, o pioneiro neste trabalho foi Alcântara Machado que os analisou como modestos lavradores, pequenos mercadores e aventureiros rústicos. Mostrou que se dedicavam à agricultura de subsistência e à captura de índios pelo interior. Neste estudo o autor debruçou-se sobre o cotidiano da sociedade paulista para contestar a historiografia tradicional, destinada a erguer o mito dos bandeirantes.

O acervo da cartografia bandeirante na Fundação Biblioteca Nacional conta com cerca de 20 (vinte) mapas que representam em sua maioria a região de São Paulo e suas conexões com territórios que lhe são adjacentes até as Minas Gerais, Cuiabá, sul de Goiás e Paraná. Depois aparecem algumas cartas da região de Minas Gerais, e por fim, aparecem as do Prata. Mas é evidente que com a expansão do território para o interior através das chamadas Entradas e Bandeiras, começam aparecer nestes mapas uma abrangência geográfica maior. Vale lembrar que as Entradas referiam-se às expedições originadas de diversas partes do Brasil, formadas por iniciativa oficial ou particular, ao passo que as Bandeiras se remetiam às expedições dos paulistas, como observou o historiador Ronaldo Vainfas.

As bandeiras eram compostas, basicamente de escravos ou aliados indígenas, capelão e chefe branco ou mameluco. Em caminhos e fronteiras, Sérgio Buarque recorreu tanto à antropologia quanto à história para explicar o hibridismo cultural próprio da sociedade colonial paulista.

Sérgio Buarque de Holanda em sua obra Monções analisou que “(...) a mobilidade dos paulistas estava condicionada, em grande parte, a certa insuficiência do meio em que viviam. Distanciados dos centros de consumo, incapacitados, por isso, de importar em grande escala, os negros africanos, (...) contentando-se com os negros da terra. Para obtê-los é que são forçados a correr sertões inóspitos e ignorados”.

Dessa forma, podemos dizer que o bandeirantismo resultou da marginalização econômica da capitania de São Vicente, que incentivou seus habitantes a buscarem alternativas fora da agricultura de exportação. Como observou John Monteiro, se inicialmente os paulistas se dedicavam à pequena agricultura e à pequena exportação de carne, depois eles se tornaram grandes produtores de trigo e necessitaram de escravos indígenas. Os cativos não seriam, portanto, vendidos pelos paulistas para os senhores de engenho, como muitos argumentaram, mas empregados diretamente nas propriedades agrícolas do planalto.

Quando a crise do abastecimento de escravos levou à decadência do cultivo de trigo no planalto, passou-se a incentivar a criação de gado e intensa procura de metais. Muitos participantes destas bandeiras não retornavam ao planalto, com isto, fixavam-se nas Minas Gerais ou no vale do São Francisco, onde fundaram os primeiros povoados. Mas como as distâncias estavam cada vez maiores e os lucros com as bandeiras não compensavam mais as investidas, no fim do século XVII, o apresamento de escravos definitivamente declinou e se intensificou a procura de metais preciosos.

Sérgio Buarque distingue dois caminhos bandeirantes na busca por indígenas. O primeiro era a trilha que se dirigia para o sul, rumo ao chamado “Sertão dos Patos”, isto é, a “via nacional dos Tupiniquins”. E o outro, refere-se à trilha que partia da Cananéia, seguia para sudoeste, pelo Iguaçu e Pequeri seria “a verdadeira estrada real da raça guarani”. Muitas cartas sertanistas descrevem os vários conflitos entre bandeirantes e indígenas nas trilhas que seguiam pelos principais rios do ciclo das monções. Gentil Assis de Moura salientou que “(...) constantes correrias que na região dos rios que afluem para o Paraná, faziam os Cayapós e os Guaicurus, índios cavalleros, assim como no Paraguai os temíveis Payaguás, que tanto deram que fazer às bandeiras paulistas.”

Outro ponto relevante para a penetração bandeirante foi a existência do rio Tietê. “Pelo Tietê se fez todo o devassamento e conquista dos sertões por onde passava a linha sempre incerta que separava as conquistas de Portugal e Castela.” Gervásio Leite distingue dois caminhos através do Tietê. Um seria mais difícil, em virtude dos possíveis conflitos com a tribo dos índios paiaguás. Os bandeirantes subiam o rio em comboio até o Anhamduhi (afluente do rio Pardo), atravessavam a região da vaccaria (campos que formam o lado ocidental da bacia do Paraná), desciam o rio Mateteu e subiam o rio Paraguai, o Porrudos (atual rio São Lourenço) e Cuiabá. A outra opção era seguir pelos rios Tietê, Paraná, Pardo, varadouro do Camapuan, Coxim, Taquari, Paraguai, São Lourenço e Cuiabá. É importante destacar algumas bandeiras que passaram pelo rio Tietê, como a de Raposo Tavares, a de Pedroso Xavier e a de Pascoal Moreira Cabral.


REFERÊNCIAS

CORTESÃO, Jaime. História do Brasil nos velhos mapas. Rio de Janeiro: Instituto Rio Branco, 1957. Tomo II.
HOLANDA, Sérgio Buarque. Caminhos e Fronteiras. 3.ed. São Paulo: Cia das Letras, 2001.
___________. Monções. 3.ed. São Paulo: Brasiliense, 1990.
MACHADO, Alcântara. Vida e Morte do bandeirante. São Paulo: Martins, 1943.
MONTEIRO, John M. Negros da terra. São Paulo: Cia das Letras, 1994.
MOURA, Gentil de Assis. O primeiro caminho para as minas de Cuyabá. ; LEITE, Gervásio. Caminho das Monções. Cuiabá: UFMT, 1975.
PINTO, Alfredo Moreira. Apontamentos para o Diccionario Geographico do Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1899.
VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

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