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Gazeta do Rio de Janeiro

06 jul 2015

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Lançada a 10 de setembro de 1808, no Rio de Janeiro (RJ), a Gazeta do Rio de Janeiro foi o órgão oficial do governo português durante a permanência de Dom João VI no Brasil. Tendo circulado às quartas-feiras e aos sábados, ou seja, como bi-hebdomadário, foi editada primeiro pelo frei Tibúrcio José da Rocha e, depois, redigida pelo primeiro jornalista profissional do Brasil, Manuel Ferreira de Araújo Guimarães. Precursora do Diário Oficial da União, foi o segundo jornal da história da imprensa brasileira, sendo, no entanto, o primeiro a ser redigido e publicado totalmente no Brasil, pela Impressão Régia, com máquinas trazidas da Inglaterra – o primeiro periódico nacional, o Correio Braziliense, editado por Hipólito José da Costa em postura contrária à Coroa, foi lançado cerca de três meses antes, totalmente editado em Londres. Até a década de 1820, apenas publicações da Impressão Régia e de poucos impressores ligados ao poder tinham licença para circular no Brasil. Todavia, com a Independência, a publicação da Gazeta do Rio de Janeiro acabou sendo suspensa, sendo sua edição nº 157, de 31 de dezembro de 1822, a derradeira.

Fundadora e patrona da chamada imprensa áulica no Brasil, a Gazeta do Rio de Janeiro, a rigor, passava pelo crivo de ministros de estrita confiança da coroa. A Impressão Régia era então dirigida por uma junta, composta por José Bernardes de Castro (oficial da Secretaria de Estrangeiros e de Guerra), Mariano José Pereira da Fonseca e José da Silva Lisboa. O trio deveria se certificar de que nada fosse impresso atentando contra a religião, o governo ou os “bons costumes”. Para todos os efeitos, contavam com o exame prévio dos censores reais: o frei Antônio de Arrábida, o padre João Manzoni, Carvalho e Mello e o próprio José da Silva Lisboa.

Nelson Werneck Sodré, na sua “História da imprensa no Brasil”, ressalta que a Gazeta do Rio de Janeiro, ao contrário do Correio Braziliense, não passou de um “arremedo de jornal” que não pretendia pesar sobre a opinião pública:
Era um pobre papel impresso, preocupado quase que tão somente com o que se passava na Europa, de quatro páginas in 4º, poucas vezes mais, semanal de início, tri-semanal, depois, custando a assinatura semestral de 3$800, e 80 réis o número avulso, encontrado na loja de Paul Martin Filho, mercador de livros. (...) Jornal oficial, feito na imprensa oficial, nada nele constituía atrativo para o público, nem essa era a preocupação dos que o faziam, como a dos que o haviam criado. Armitage situou bem o que era a Gazeta do Rio de Janeiro: “Por meio dela só se informava ao público, com toda a fidelidade, o estado de saúde de todos os príncipes da Europa e, de quando em quando, as suas páginas eram ilustradas com alguns documentos de ofício, notícias dos dias natalícios, odes e panegíricos da família reinante. Não se manchavam essas páginas com as efervescências da democracia, nem com a exposição de agravos. A julgar-se do Brasil pelo seu único periódico, devia ser considerado um paraíso terrestre, onde nunca se tinha expressado um só queixume”. Claro que havia queixumes. Como expressá-los porém, numa folha cujo material de texto era extraído da Gazeta, de Lisboa ou de jornais ingleses, tudo lido e revisto pelo conde de Linhares e, depois, pelo conde de Galveias, e que não tinha outra finalidade senão agradar à Coroa de que tão estreitamente dependia? Frei Tibúrcio nada ganhava “para ser gazeteiro”: quatro anos aturou o ofício, e demitiu-se, sendo substituído por Manuel Ferreira de Araújo Guimarães. Hipólito da Costa lastimaria que se consumisse “tão boa qualidade de papel em imprimir tão ruim matéria”. A qualificação era merecida, sem qualquer dúvida, mas caberia, ao longo dos tempos, com a mesma justeza, a muitas outras folhas. Consagrada como marco inicial da imprensa brasileira, a de frei Tibúrcio não teve nenhum papel daqueles que são específicos do periodismo, salvo o cronológico. (p. 19-20)

Apesar da alegada pouca preocupação com o público leitor, segundo o próprio Werneck Sodré expõe, era fato que havia, por parte da Coroa, certa necessidade de informar. E isso se devia ao declínio do próprio absolutismo. Sobretudo após a abertura dos portos, ocasião em que passaram a chegar no país impressos clandestinos variados, a monarquia “precisava dos louvores, de ver proclamadas as suas virtudes, de difundir os seus benefícios, de, principalmente, combater as ideias que lhe eram contrárias” (p. 29).

Indo além dos apontamentos de Werneck Sodré, cabe dizer que a Gazeta do Rio de Janeiro foi mais do que um mero propagador de atos oficiais: mesmo em seus arroubos mais fantasiosos, o periódico integrou uma rede de correspondência interatlântica entre Brasil, Portugal e Inglaterra, transparecendo não só valores socioculturais então em vigência, mas conflitos de poder e interesses políticos. O jornal noticiou, em suas primeiras edições, por exemplo, a situação política europeia durante a expansão francesa de Napoleão Bonaparte, sempre tratando-o como tirano e emitindo julgamentos em favor da Inglaterra. No âmbito local, que não inexistia em suas páginas, o impresso abordava tanto temas que ajudavam a sustentar a monarquia portuguesa quanto meras contendas entre comerciantes – o lado comercial da folha, aliás, a levou a publicar o que seria o primeiro anúncio publicitário da imprensa brasileira, em sua edição nº 2, de 17 de setembro de 1808: a oferta de Anna Joaquina da Silva por “uma morada de casas de sobrado com frente para Santa Rita”.

Quanto à conduta de se publicar apenas o conveniente à Coroa, e fazendo eco a Werneck Sodré, Juliana Gesuelli Meirelles lembra, no artigo “Oficial, mas nem tanto”, o seguinte acontecimento:
Em fevereiro de 1818 houve a aclamação de D. João VI como rei do Império luso-brasileiro. Sobre os festejos, o bibliotecário real Luís dos Santos Marrocos enviou uma carta para sua família em Portugal junto com alguns exemplares da Gazeta, que dedicou vários números à maior festa produzida até então pela monarquia no Brasil. Mas fez a seguinte ressalva: "Devo admitir que nelas [notícias] há muita falta de exação e muita mentira, que não posso desculpar, pois, narrando com entusiasmo coisas não existentes ou dando valor a ninharias, cai no absurdo, ou talvez no desaforo, de não publicar fatos e circunstâncias ainda mais essenciais daquele ato".

Manuel Ferreira de Araújo Guimarães não dirigiu a Gazeta do Rio de Janeiro até seus últimos momentos: já em julho de 1821 a havia abandonado para fundar O Espelho, outro órgão áulico. Sua decisão possivelmente foi motivada por pressões da censura, que se tornara mais implacável com a eclosão do movimento constitucionalista português. Ao cabo de um ano e meio, todavia, o jornal estaria suspenso.

Com a extinção da Gazeta do Rio de Janeiro no fim de 1822, os atos oficiais do governo da nação passaram a ser publicados no Diário do Governo, redigido pelo frei Francisco de Sampaio, no período entre 2 de janeiro de 1823 e 20 de maio de 1824 – na verdade, era como se o primeiro jornal houvesse apenas mudado de título, tamanha a linha de continuidade. Em seguida, os atos oficiais migraram para o Diário Fluminense, entre 21 de maio de 1824 e 24 de abril de 1831. Novamente o Diário do Governo os publicou, entre 25 de abril de 1831 a 28 de junho de 1833, e o Correio Official assumiu como o diário oficial brasileiro de 1º de julho de 1833 a 14 de agosto de 1841. Após esse período, os atos oficiais passaram a sair em grandes jornais governistas de iniciativa privada: foi o caso de Jornal do Commercio, de 5 de agosto de 1841 a 31 de agosto de 1846; da Gazeta Official do Império do Brasil (que apesar de seu título, era privado), entre 1º de setembro de 1846 e 1º de julho de 1848; do Correio Mercantil, de 1º de agosto de 1848 a 23 de outubro de 1848; do Diário do Rio de Janeiro, de 24 de outubro de 1848 a 31 de dezembro de 1854; e, novamente, do Jornal do Commercio, de 1º de janeiro de 1855 a 30 de setembro de 1862. Por fim, por deliberação do Marquês de Olinda, foi lançado fora da esfera privada o Diario Official do Imperio do Brasil, no dia 1º de outubro de 1862. Este órgão foi, desde então, o Diário Oficial da União, que passou a ter este nome tempos depois.

Fontes:

- Acervo: edições do nº 1, de 10 de setembro de 1808, ao nº 157, de 31 de dezembro de 1822.

- Diário Oficial completa 152 anos nesta quarta-feira (1º). Portal Brasil, 1º out. 2014. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/governo/2014/10/diario-oficial-da-uniao-completa-152-anos-nesta-quarta-feira-1o. Acesso em: 1º jun. 2015.

- MEIRELLES, Juliana Gesuelli. Oficial, mas nem tanto. In: Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 3, nº 28, janeiro de 2008.

- SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.

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