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O Republico

06 jul 2015

Artigo arquivado em Hemeroteca
e marcado com as tags Antônio Borges da Fonseca, Censura e repressão, Crítica política, Liberalismo, Paraíba, Período Regencial, Primeiro Reinado, Republicanismo, Rio de Janeiro, Segundo Reinado

Lançado no Rio de Janeiro (RJ) a 2 de outubro de 1830, O Repúblico foi um pasquim de crítica política de inclinação liberal. Editado por Antônio Borges da Fonseca, apoiador da implementação do regime republicano no Brasil, foi mantido até a publicação de sua 197ª edição, de 15 de dezembro de 1855, tendo, até esse momento, angariado a antipatia tanto das autoridades monárquicas, reconhecidamente conservadoras, quanto de grandes impressos conservadores, em especial o Diário do Rio de Janeiro, então gerido por Nicolau Lobo Vianna. Sua periodicidade foi irregular – por vezes saiu a cada dois ou três dias, ou mesmo semanalmente – e seu tempo de vida teve diversos hiatos, tendo o periódico ainda sido editado na Paraíba entre 1831 e 1832.

O contexto de crise política em que O Repúblico surgiu, no apagar das luzes do Primeiro Reinado, não lhe era dos mais favoráveis. Outros órgãos liberais, como Aurora Fluminense, Astréa ou Nova Luz Brasileira estavam sob constante pressão por parte do governo. Luís Augusto May, redator de A Malagueta, sofrera brutal agressão em agosto de 1829, e as inclinações autoritárias de Dom Pedro I com relação à imprensa faziam coro ao próprio “currículo” liberal de Borges da Fonseca.

Dado o acirramento das lutas políticas à época, sociedades secretas foram fundadas para dar sustentação à monarquia: caso da “Colunas do Trona”, fundada em Pernambuco. Nas palavras de Nelson Werneck Sodré, na “História da imprensa no Brasil”,
Para combatê-la, surgiria a Jardineira ou Carpinteiros de São José. Organizou-a, na Paraíba, com outros, Antônio Borges da Fonseca, ainda com vinte anos mas já conhecido ali pelos seus pendores republicanos. Borges da Fonseca, então, fundou a Gazeta Paraibana, que circulou em 1828 e 1829 e foi o segundo jornal daquela província. As autoridades absolutistas locais não lhe permitiram liberdade de ação: Borges da Fonseca foi preso e processado. Só em março de 1829, liberto por decisão do conselho de jurados, o jornalista voltou às lutas políticas, mas agora em Pernambuco. Foi quando fundou, no Recife, a Abelha Pernambucana, cujo primeiro número circulou a 24 de abril de 1829, e o último a 31 de agosto de 1830, combatendo os “colunistas” e o órgão local destes, O Cruzeiro. O nome de Borges da Fonseca começou a ser conhecido no país. De tal sorte que os seus companheiros de ideias políticas pediram sua presença na Corte. (p. 111/112)

Ao criador d’O Repúblico no Rio de Janeiro, então, se juntaram nomes como José Joaquim Vieira Souto, Manuel Odorico Mendes, Bernardo Pereira de Vasconcelos, José da Costa Carvalho, Manuel da Fonseca Lima, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, José Lino Coutinho, Francisco de Paula Sousa, e os padres José Custódio Dias, José Martiniano de Alencar e Diogo Antônio Feijó. Em pouco tempo Borges da Fonseca estava mesmo à frente do Partido Liberal. Seu jornal lançado na capital, impresso na tipografia de R. Ogier, na Rua da Cadeia, ainda segundo Werneck Sodré,
(...) trazia como epígrafe, segundo o uso da época, as expressões do Contrato Social, de Rousseau: “Povos livres, lembrai-vos desta máxima. A liberdade pode-se adquirir mas, depois de perdida, não se pode recobrar”. Nos seus números iniciais, o jornal declarava-se monarquista, explicando que o título adotado derivava de que o redator só desejava fazer o bem público. A atrevida linguagem do Repúblico caracterizava o clima de então. A pessoa de Dom Pedro não era poupada, ao contrário do que acontecia antes. Borges da Fonseca chamava-o de “caríssimo”, não no sentido de querido mas no de custoso ao Tesouro. Os jornais trocavam insultos, cada um na defesa de sua facção. (p. 114)

O debate político de então se incendiaria ainda mais já no ano de lançamento d’O Repúblico, no mês de setembro, quando da passeata de estudantes paulistas em comemoração à Revolução de 1830, na França. A dura repressão sobre os estudantes – que indiretamente deixavam claras suas insatisfações com a Coroa brasileira – gerou protestos de Libero Badaró no seu órgão liberal, O Observador Constitucional. A Comissão de Justiça da Câmara se pronunciou considerando legítima a derrubada do governo francês, opondo-se à opinião do ministro do Império Silva Maia. Libero Badaró acabou sendo assassinado a 20 de novembro e a inquietação ganhou proporção extraordinária; as edições de 19, 20 e 21 de dezembro d’O Repúblico foram consideradas criminosas pelo poder, levando Borges da Fonseca a julgamento em 17 de janeiro de 1831, do qual saiu absolvido – além de pregar pelo regime federativo, o jornal chegou a considerar que a viagem empreendida então por Dom Pedro a Minas Gerais visava a preparação de um golpe absolutista. Em verdade, a crise iniciada com as comemorações pela Revolução de 1830 e o assassinato de Badaró expunha o esgotamento do modelo despótico e culminaria na abdicação de Dom Pedro I em 7 de abril de 1831. No processo de derrocada do Primeiro Reinado, a imprensa liberal teve papel de relevo, sendo O Repúblico um dos órgãos de destaque; na mesma trincheira estavam a Aurora Fluminense e a Astréa, críticos polidos do Império, e a Nova Luz Brasileira e o Tribuno do Povo, que, ao lado da folha de Borges da Fonseca, eram apontados como liberais exaltados, virulentos, que buscavam verdadeira subversão da ordem pública.

Ao contrário do que pudesse parecer, o início do Período Regencial não deixou O Repúblico em uma situação exatamente confortável. Notoriamente, entre 1830 e 1831 se fazia mais visível uma cisão entre os liberais moderados e os exaltados. Antes da abdicação, em julho de 1831, Borges da Fonseca aceitou o cargo de secretário do governo da Paraíba, deixando a corrente liberal na Corte a Evaristo da Veiga, ocasião em que qualificou a influência deste como “maléfica”. Isso fez com que O Repúblico caísse em certa instabilidade: a mudança do editor, a rigor, criou um hiato na publicação, que parou de circular após veicular sua edição de nº 83, de 7 de julho, e reapareceu, todavia, ainda em 1831, na Paraíba.

A segunda fase do periódico, paraibana, teve mais de uma centena de edições publicadas – incluindo três números que foram lançados excepcionalmente no Recife, quando da rápida permanência de Borges da Fonseca em Pernambuco – e durou somente até 1832, terminando, aparentemente, na edição nº 212, de 17 de dezembro daquele ano. Em seguida, o editor liberal criou, ainda na Paraíba, O Publicador Paraibano, de linha exaltada semelhante a’O Repúblico. O novo periódico, lançado em 17 de abril de 1833 após a demissão de Borges da Fonseca do cargo de secretário, chegou a travar intensos embates na imprensa, especialmente com O Raio da Verdade, mas acabou tendo vida curta. Então, seu editor retornou ao Rio de Janeiro, onde, a 24 de abril de 1834, relançou O Repúblico, que agora atingia sua terceira fase. O jornal acabou sendo relançado novamente na capital ao adentrar 1837, com novo nº 1 datado de 19 de janeiro - nesta quarta fase foi impresso pela Typographia Imparcial e lançado todas as terças e quintas-feiras e aos sábados, com a sugestiva epígrafe “Estamos ao pé do abismo”.

Naquele período a batalha entre os órgãos conservadores e O Repúblico de Borges da Fonseca esteve ainda particularmente contextualizada com os debates públicos acesos pelas disputas políticas que se desdobraram no chamado “golpe da maioridade”, que marcou o fim do Período Regencial a 23 de julho de 1840. Desde 1835 ganhava força uma verdadeira pressão sobre o Senado para que declarasse a maioridade de Dom Pedro II antes dos 15 anos de vida, em manobra política que pretendia deter revoltas populares que então eclodiam em pontos variados do Brasil. Temerosas com a “anarquia” que abalava a participação das elites na organização estatal do Império, forças conservadoras ligadas ao latifúndio e à economia escravocrata culpavam a descentralização político-administrativa que havia se imposto durante a Regência pelos levantes. Como Borges da Fonseca era um ardoroso panfletário da política liberal, que acabou enfraquecida com a sagração de Dom Pedro II, vinha “defendendo os farrapos (liberais exaltados) e escalpelando o regresso que se processava”, nas palavras de Nelson Werneck Sodré (p. 136).

Com o início do Segundo Reinado e a consolidação conservadora pela repressão às revoltas iniciadas no Período Regencial, certos editores de jornais e pasquins conservadores foram, nos dizeres de Sodré, glorificados pela “historiografia oficial”, enquanto a Borges da Fonseca coube bater em retirada da capital. Depois de uma temporada preso em Fernando de Noronha, o liberal veio a dirigir, entre 1º de setembro e 11 de dezembro de 1852, A Revolução de Novembro, órgão pernambucano lançado por Afonso de Albuquerque Mello, onde objetivava contestar os ataques à Revolta Praieira, de cunho liberal e federalista, e à Revolução de 1848, ocorrida na França.

Em maio de 1853 Borges da Fonseca abandonou Pernambuco para rumar à Corte novamente, para conduzir a quinta e última fase d’O Repúblico, iniciada com nova edição nº 1 em 1º de julho daquele ano. Assim, o jornal investia contra o movimento de conciliação entre partidos políticos então adversários, promovido pelo Gabinete presidido pelo marquês de Paraná. No entanto, o liberal deixou a redação d’O Repúblico entre o final de 1854 e o início de 1855, para meses depois o periódico suspender sua circulação. Maurício Doellinger Júnior havia assumido o comando da folha em sua última fase, mas não pôde evitar seu fechamento, no final daquele ano, após a edição nº 197, de 15 de dezembro.

Fontes

- Acervo: edições do nº 1, de 2 de outubro de 1830, ao nº 83, de 7 de julho de 1831; do nº 167, de 28 de junho de 1832, ao nº 212, de 17 de novembro de 1832; do nº 1, de 19 de janeiro de 1837, ao nº 5, de 29 de janeiro de 1837; e do nº 1, de 1º de julho de 1853, ao nº 197, de 15 de dezembro de 1855.

- O Golpe da Maioridade. In: História do Brasil. MultiRio – A mídia educativa da cidade. Secretaria Municipal de Educação Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo02/golpe_maioridade.html. Acesso em: 18 jun. 2015.

- SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.

- TEIXEIRA, Francisco M. P. Brasil - História e Sociedade. São Paulo, Ática, 2000.